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quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Gruta de Camões: antes e agora

O primeiro local de homenagem a Luís Vaz de Camões surgiu em Macau. Existem registos desde pelo menos o século 18 que assim o atestam. Ainda antes de Portugal, foi também em Macau que foi criado o primeiro busto do poeta que ali viveu alguns anos em meados do século 16 quando escrevia a sua obra maior, o poema épico "Os Lusíadas".

Miradouro perto da Gruta de Camões
Uma pedra gravada ali colocada no 10 de Junho de 1972 - Dia de Portugal - inclui um poema com a data de 1820. Na verdade o poema foi escrito pelo francês Louis de Rienzi em 1827, quando vivia em Macau.


Década 1920
A foto acima é de ca. 1870. A estrutura em alvenaria junto ao solo é de 1840 ano em que ali foi colocado um busto de Camões, o segundo, já que houve um anterior, feito em grés, nos primeiros anos do século 19.  
A referida estrutura em alvenaria (com caracteres chineses - abordarei estes num próximo post) foi demolida - tal como o miradouro no topo da gruta - em 1885, após a compra do espaço pelo governo de Macau que o transformou no jardim público. Antes disso, em 1866, foi inaugurado o busto (ainda hoje lá está) feito por M. M. Bordalo Pinheiro.

As fotos a cores foram feitas em Janeiro de 2024 e gentilmente cedidas por Carlos Makwa Barreto.

Postal de 1891

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Vapor a pás "Spark"

Na extensa lista dos navios entrados e saídos do porto de Macau em Agosto de 1853 um dos nomes que se destaca é o do vapor "americano" Spark comandado pelo capitão Castilla. Na época a embarcação assegurava a ligação marítima de passageiros entre Macau e as cidades de Hong Kong e Cantão.
Construído em 1849 por R. B. Forbes, o Spark foi comprado pelo comerciante James Bridges Endicott (1814-1877) - natural de Salem, Massachusetts, EUA. Foi transportado em peças sendo reconstruído em Hong Kong em 1850 nos estaleiros navais denominados Whampoa (também era o nome de uma pequena ilha entre Macau e Cantão - já muito perto desta última, actual Huanpou/Pazhou). 
Os estaleiros eram chefiados por Endicott que chegou ao Sul da China com apenas 15 anos -por volta de 1831 - tendo vivido em Hong Kong, Cantão e Macau até à morte em 1870. A sua ligação a Macau explica a existência de um placa na capela protestante, junto ao cemitério.
O Spark em Cantão num detalhe de uma pintura de meados do século 19 cuja autoria é atribuída a Tingqua.

Anúncio de 1876

A seguir, o testemunho de Walter William Munday, vítima de um ataque de piratas a bordo do Spark em Agosto de 1874 numa viagem de Cantão para Macau. Este tipo de situações era muito frequente. Foi notícia no jornal The London and China Telegraph.

"I embarked on board the Spark on the 22nd of August to proceed on business to Macao. We left Canton at half past seven in the morning and were due at Macao between four and five the same afternoon. The Spark is a paddle wheeled steamer the lower deck being confined exclusively to Chinese passengers and having a winding staircase near the stern leading to the quarter deck which was for Europeans. There were a great many native passengers but I had the misfortune to be the only European. The crew consisted of about twenty men Chinese and Portuguese half casts. The captain, poor Brady, was an American and although an utter stranger to him previous to our journey it has seldom been my good fortune to have a nicer or more amiable companion. We had a capital run to Whampoa where we arrived at about nine o clock and breakfasted.
The Canton steamer to Hongkong and the return steamer from Hongkong ought to have passed us soon after leaving Whampoa but from some reason they were delayed and did not pass us till after twelve o clock which obliged the pirates to put off their attack. The river here where the outrage was perpetrated is about one mile across. So far the trip had been most delightful nothing had occurred to awaken any suspicion. I was still as wedded to the humdrum existence and safety of English life as if I were but taking a trip in the British Channel and so little thinking of any peril that I dozed over my cigar and book under the awning for ward I must have slept here some time as I certainly awoke with a start it may have been a noise it may have been instinct of danger which roused me. Which it really was I am unable to tell but I immediately perceived a man rushing up the gangway towards me with a knife in his hand and a gash across his fore head. Surprised and only half awake my first thought was that he was a madman and I rushed out to procure help to seize him. (...)"

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

"Camoens's Cave" na The Cyclopædia de 1818

No mês em que se assinalam os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões aqui fica mais uma referência ao poeta e ao primeiro local de homenagem ao mesmo criado em Macau.
O excerto a seguir é retirado do 6º volume - de um total de 39 - da obra The Cyclopædia; Or, Universal Dictionary of Arts, Sciences, and Literature. By Abraham Rees, ... with the Assistance of Eminent Professional Gentlemen. Illustrated with Numerous Engravings, by the Most Disinguished Artists.

"Camoens's Cave, in Geography, a cave below the lofticst eminence in the town of Macao in China, so called from a tradition current in the settlement that the Portuguese poet of that name wrote his celebrated poem of Lusiad on that spot. This interesting cave is in the middle of a garden which commands a very extensive prospect."

"Gruta de Camões, em Geografia, gruta localizado no sopé da colina mais alta da cidade de Macau na China, assim chamada por uma tradição corrente local de que o poeta português com esse nome escreveu ali o seu célebre poema Os Lusíadas. Esta interessante gruta fica num um jardim que proporciona extensos panoramas."

Esta enciclopédia inclui ainda um extenso artigo sobre a vida e obra de Camões. Nesta época os registos iconográficos do local eram como o se pode ver abaixo. A ilustração com a legenda  "Camoen's Cave at Macoa" faz parte do livro publicado em 1814 "Journal of a voyage, in 1811 and 1812, to Madras and China" de James Wathen.

domingo, 28 de janeiro de 2024

"O passeio principal é a Praia Grande"

"Enquanto remávamos em direção à terra, numa linda manhã de maio, toda o cenário se tornou animado e bela. A baía termina em cada extremidade do crescente, de um lado num ousado promontório com uma fortaleza na qual hasteia a bandeira de D. Maria, e do outro pelo convento da Penha, não junto à costa, mas numa colina mais elevada, mais para o interior. Nos azul das águas inúmeras embarcações de todos os tipos, desde o junco ao pequeno tancar. 
Depois temos a cidade com as suas igrejas, fortalezas, templos, casas pintadas com vários tons suaves, o alaranjado dos telhados e o verde da folhagem das árvores que se erguem ao lado ou espreitam acima delas. Além da vista para o ancoradouro da Taipa há ainda a entrada do porto interior com as montanhas ao fundo. Toda a paisagem em redor é uma das maiores pinturas que já vi no Oriente. (...)
A paisagem faz recordar o Sul da Europa, nas casas, por exemplo, e nos jardins em socalcos, bonitos em si mesmos, dignos de serem admirados. Não há muitos locais de interesse, sendo o maior o templo situado no sopé de uma colina à entrada do porto interior. Este templo é uma das mais belas exemplos da arquitectura chinesa que pode ser visto, talvez em todo o império chinês. (...)
A única atracção literária ou relíquia de Macau é uma gruta chamada gruta de Camões. (...) E depois há a grande atracção viva que poderá reivindicar um lugar nas fileiras do génio, o pintor George Chinnery. (...)
O Missionário Gutzlaff também é digno de uma honrosa menção. É um homem de talento extraordinário e de zelo indomável, espírito empreendedor e perseverança. (...)
Na arquitectura há pouco em Macau que atraia a atenção, a não ser o esqueleto da fachada do colégio dos Jesuítas, cuja pedra fundamental foi lançada há quase um século. O edifício que foi consumido por um incêndio em 1834. (...) Tudo o que resta é a fachada e o nobre lance de escadas que conduz a ela. (...)
A vista mais completa de Macau é obtida a partir de um forte chamado Monte, numa colina que se eleva ao centro da cidade. (....) Desta posição ficamos com a cidade aos nossos pés vendo o que separa o porto interior da baía de Macau.
O passeio principal é a Praia Grande, que é suavemente sinalizada com grandes pedras e se estende ao longo de quase metade da margem da baía. O atual governador prolongou este agradável passeio noturno em direção até ao forte na entrada da Baía e teria ido muito mais longe, mas o governo chinês interferiu e não permitiu. (...)

Este pequeno excerto é uma tradução/adaptação de um extenso artigo intitulado A Visit to China publicado em 1838 no Calcutta Monthly Journal and General Register.

sábado, 27 de janeiro de 2024

Restrições à "serração da velha" em 1853

A 8 de Março de 1853 o governador de Macau, Isidoro de Guimarães, determinou restrições à forma como os militares do Batalhão de Artilharia participavam "no divertimento vulgarmente chamado A Serração da Velha".
Trata-se de uma antiga tradição popular, "uma espécie de mascarada" como refere a ordem do governador, integrada nos rituais de passagem (do Inverno para a Primavera), ligada ao simbolismo da regeneração e renovação, e que ocorria durante o Carnaval e a Quaresma. Fazia-se um boneco (a velha) em pano ou papel que depois era cerrada.
As restrições aqui impostas indicavam que o divertimento deixava de poder ser feito nas "ruas  da cidade" e apenas era permitido "no recinto do quartel". Invocava-se que os "ornamentos religiosos" usados poderiam "ridicularizar o ritos da Santa Religião" e ofender algumas pessoas. Deduz-me portanto que a ordem se ficou a dever a queixas.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

William Thornton Bate e o "Mr. Duddell's Hotel"

William Thornton Bate (1818-1857) foi um oficial da Marinha Real Britânica (alistou-se em 1831) também habilitado como topógrafo* que participou nas chamadas 1ª e 2ª Guerra do Ópio. Morreu na batalha de Cantão em 1857** sendo sepultado no cemitério de Happy Valley em Hong Kong.
O reverendo John Baillie passou para livro a vida de Bate num livro publicado em 1859 com o título "A Memoir of Captain W. Thornton Bate, R.N. With a portrait" que contém referências breves sobre Macau. A obra teve por base os diários do próprio Bate, uma prática habitual naqueles tempos, nomeadamente entre os oficiais de navios.
"One day he visited the Macao roads, he writes, on the Governor, who is an officer in the Portuguese navy and speaks English well. We then put up at Mr Duddell's Hotel*** board and beds three dollars per day. Bittern weighed and anchored in 3,5 fathoms off Macao at three pm. Saluted the Portuguese flag with twenty one guns which was returned with the same number. The nature of the bottom off Macao is exceedingly soft, so that vessels may anchor safely in very little over their draught at low water. Some of the ships touch at low water."

“Um dia visitou Macau, escreve ele, sobre o Governador, que é oficial da marinha portuguesa e fala bem inglês. Acomodamo-nos então no Hotel do Sr. Duddell e dormimos por três dólares por dia. Ancoramos 3,5 braças (cerca de 6 metros) ao largo de Macau às três horas da tarde. Saudou a bandeira portuguesa com vinte e um tiros de canhão que foram devolvidos no mesmo número. A natureza do fundo ao largo de Macau é extremamente suave, de modo que os navios podem fundear em segurança com muito pouco acima do seu calado em maré baixa. Na maré baixa alguns navios tocam no fundo."

* Concebeu uma planta das feitorias estrangeiras em Cantão no ano de 1856.
** Batalha final ocorrida em Dezembro de 1857 durante a segunda guerra do ópio que colocou de um lado tropas inglesas e francesas (ca. 6 mil) e do outro tropas chinesas (ca. 30 mil); o conflito terminou com a vitória anglo-francesa e a assinatura do Tratado de Tientsin a 26 de junho de 1858.
*** Frederick Duddell, proprietário do Oriental Hotel desde 1855, morreu a 1 de Novembro de 1856 em Macau segundo o jornal Indian News. Este hotel ficava na Praia Grande na zona que corresponde ao actual cruzamento da Av. da Praia Grande com a Rua do Campo. Um livro de 1867 refere a existência de outro Oriental Hotel, "pequeno" e de "construção recente" que ficava no Porto Interior junto aos cais, na zona da actual Praça de Ponte e Horta. Foi destruído num incêndio em 1869.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Conferência no Grémio Militar a 3 de Janeiro de 1909

Manuel da Silva Mendes (1867-1931), sinólogo e estudioso do taoismo, realizou uma conferencia no Grémio Militar de Macau a 3 de Janeiro de 1909 intitulada "Lao-Tze e a sua Doutrina segundo o Tao-Te-King".
A palestra tem por base um livro com o mesmo nome da autoria de MSM e editado pela Imprensa Nacional no ano anterior, em 1908.
O Tao Te Ching, da autoria de Lao Tze, é uma das obras fundamentais do taoísmo e fonte de inspiração para diversas religiões e filosofias.
O Tao revelou ser o mais misterioso e espiritual de todos os carateres chineses, tal como Lao Tzu declarara no Tao Te Ching, publicado pela primeira vez há mais de 2 000 anos.
Esta obra pode ser entendida como a interpretação que MSM faz desse "tratado de cosmogonia e de moral, em que Lao-Tze expõe as suas ideias sobre a existência e atributos do Ser primordial, sobre a origem das coisas, sobre a origem e fim do homem e sobre a conduta que deve observar para atingir o seu fim".


 Excerto:
"Senhor Presidente: Minhas Senhoras; Meus Senhores; Os estudos orientaes qua ha poucos annos ainda constituiam apenas themas para divagações de espíritos curiosos, estão já hoje, mercê da approximação do Oriente com o Occidente em suas relações principalmente commerciaes e politicas, adentro do ambito da cultura geral. Ninguém põe já em dúvida que o conhecimento da historia dos gregos e romanos com o das noções que nos legaram sobre as antigas civilisações orientaes, é de todo o ponto insuficiente para a compreensão não só do desenvolvimento integral da Humanidade em todos os logares e em todas as idades, como também da mútua correlação e influência dos diferentes focos de civilização. (...) Entre os antigos filósofos da China ocupa Lao Tze, a par de Confúcio e Mencio, um lugar primacial.(...)"
O texto integral da conferência pode ser lido no livro "Sobre Filosofia
", uma compilação de textos de MSM, editado pelo Leal Senado em 1979 e em 1983.
jornal Vida Nova 3.1.1909

jornal Vida Nova 10.1.1909

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Orfanato/Instituto Helen Liang

O edifício foi concebido por Manuel Vicente entre 1963 e 1964 como um convento construído à volta de um pátio quadrado que resulta do limite espacial definido pelas ruas envolventes. O espaço interior é assim recuperado, com as árvores promovendo uma atmosfera de recolhimento e claustro.
A capela ergue‐se como um volume exemplar, cúbico, localizado no gaveto mais significativo do terreno, assumindo‐se nessa expressão que atinge o mundo público e urbano. Para além disso, a descoberta da singularidade e do sentido misterioso de Macau parece tomar forma no modo como Manuel Vicente manipula a entrada de luz através de dispositivos que deixam passar a luz e a sombra. Um sistema de brise‐soleils exteriores constitui o filtro dos longos e esguios vãos que se abrem ritmadamente na fachada para buscar a luz do dia.
Texto de Ana Tostões, arquitecta.
Nota: Actualmente o edifício - na Rua do Chunambeiro - funciona como Creche diocesana Helen Liang.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

"Macao Races" em Junho de 1933

Hongkong Daily Press 10.6.1933

Com o anúncio do fim das corridas de cavalos a trote com atrelados em Macau por "dificuldades de exploração" por parte do Macao Jockey Club que detinha o monopólo da concessão até 2042, recupero algumas notícias de 1933 publicadas no jornal Hong Kong Daily Press. Recordo que a maioria dos frequentadores/apostadores das corridas que na época se disputavam na zona da Areia Preta, perto da Porta do Cerca, eram oriundos da então colónia britânica.
A afluência para ver as corridas de fim de semana era de tal ordem que se efectuavam viagens de barco especialmente para esse fim como atestam estes anúncios.
Nota: o contrato para a concessão de exploração em regime exclusivo de corridas de cavalo em trote atrelado foi assinado em 1978 pelo governo de Macau com um consórcio com capitais de Macau e Hong Kong; as instalações seriam construídas na ilha de Taipa e as corridas iniciaram-se no final de 1984.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Circo Harmston

Fundado em Inglaterra no ano de 1880 o circo Harmston (nome do fundador) abriu falência por volta de 1886 tendo então William Batty Harmston rumado ao Oriente fixando-se a partir de 1889 na Índia. A partir daqui a companhia actuou em vários países da região durante mais de 40 anos sendo considerado o maior circo do género ocidental na Ásia - também esteve na Austrália - até ao final da década de 1930 quando foi extinto.
Os animais - 50 "bem treinados" - eram uma das grandes atracções (incluíam tigres, leões, cavalos, ursos) e claro, acrobacias (de bicicletas e motos como se vê no desenho) e palhaços ("Novos clowns"). O anúncio de imprensa testemunha a passagem do circo por Macau em Março de 1913 tendo-se instalado uma enorme tenda na zona de Mong-Ha (onde viria a ser feita a feira industrial em 1926).
Curiosidade:
Outras companhias de circo que passaram pela Ásia - fazendo muito sucesso em cidades chinesas como Xangai - entre o final do século 19 e o início do século 20:  Baroufsky's Circus (russo), Warren's Circus (americano) - passou por Macau em 1902, Fitzgerald's Circus (australiano), Hagenbeck's Circus e Chiarini's Circus (europeus).

domingo, 21 de janeiro de 2024

"Extincta a escravidão"

Em 1761 Portugal foi pioneiro na abolição do tráfico de escravos na metrópole, declarando libertos de forros os escravos que entrassem em Portugal. Era o primeiro passo para a abolição da escravatura o que só veio a acontecer, por decreto de 1869 que abolia a escravatura em todo o território português.
Na prática essa abolição demoraria muito mais tempo.
Em Macau, curiosamente, houve legislação para a abolição da escravatura mesmo antes de isso ter ocorrido em Portugal (anterior a 1869).
Uma portaria do Ministério da Marinha (Diário do Governo n° 175) de 25 de Julho de 1856 dá providência para em Macau - em resposta a um pedido do governador - "se declarar d'esde já extincta de facto a escravidão" e "adquirindo assim a honra de ser a primeira das Possessões portuguesas onde fosse proclamado este grande acto de civilisação".
Assim, a 23 de Dezembro de 1856 seria abolida por decreto a escravidão na cidade de Macau e suas dependências. A importação de escravos por mar já fora proibida por decreto de 10 de Dezembro de 1836 e a importação de escravos por terra, foi proibida por decreto de 14 de Dezembro de 1854.
A importação de escravos para Macau remonta aos tempos do comércio com o Japão, logo no século 16, aliás uma das razões para a expulsão dos jesuítas em 1586. Marca das sociedades desses tempos, um pouco por todo o mundo, os escravos em Macau - de várias nacionalidades - vão ter papéis determinantes ao longo dos tempos no território, não só nos trabalho que desempenhavam nas casas dos mais abastados (eram sobretudo mulheres em tarefas domésticas), como também acompanhando os comerciantes nas viagens marítimas e na defesa militar, como ficou provado nas várias tentativas de invasão por parte dos holandeses, nomeadamente a derradeira em 1622.

Sobre este tema na Cronologia da História de Macau, de Beatriz Basto da Silva pode ler-se:
"Em 1747, D. Fr. Hilário de St.ª Rosa, numa representação ao Rei em 1747, censura os de Macau por trazerem “Timores furtados, enganados, comprados e trocados por fazendas, fazendo-os escravos...a gente de Macau (faz o mesmo) com as chinas suas naturais, comprando-as em pequenas por limitado preço (dizem que para as fazer cristãs) e depois de baptizadas e adultas as cativam e reputam suas escravas por 40 anos, sem lei que permita, comprando-as, vendendo-as e dando-lhes (ainda com ferros) como escravas, bárbaros castigos”. O prelado e os jesuítas são os campeões da liberdade individual e da libertação dos escravos que, apesar de grandes oposições, conseguem alcançar. Em 1758, o Rei proibe esta escravatura; o Senado apressa-se também a lançar pregões para que “nenhuma pessoa de qualquer condição pudesse vender Atais, sob pena de perderem os ditos Atais e Amuis, ou a valia destes e pagarem 100 taeis de pena (e todo o que foi impossibilitado para dita satisfação será castigado corporalmente como a este Senado lhe parecer), a qual quantia será aplicada para a reedificação das fortalezas desta cidade”. (Atai - rapaz; Amui - moça. Ambos de origem chinesa)"

No dia 15 de Novembro de 1755, o Bispo D. Bartolomeu escreve ao Conselho Ultramarino sobre o cativeiro dos chinas, mostrando a inconveniência de os macaenses comprarem crianças para serem suas escravas. O Rei D. José I respondeu em 20 de Março de 1758, declarando “barbara e nula” a referida escravatura.

No dia 20 de Março de 1758, o Rei de Portugal escreve ao Conde d’Ega, V.R. da Índia: “Por lei de 19-11-1624, publicada em Goa no mês d’Abril de 1625 e logo participada ao Ouvidor de Macau, foi determinado que os chins não podiam nem deviam ser escravos”. No entanto, acharam-se subterfúgios e pretextos, dizendo-se “que ficariam as crianças expostas ao perigo de as matarem os ladrões chins que as levam a dita Cidade de Macau para os não apanharem com os furtos nas mãos, no caso de não acharem compradores”; outro é de os pais as matarem eles mesmos para evitar as despesas de as criar; “como se a culpa alheia e particular dos que cometessem semelhantes barbaridades pudesse bastar para escusa de pecado próprio e igualmente bárbaro dos que, debaixo de semelhante pretexto, introduziam e estão sustentando uma escravidão geral, que ainda sendo de 40 anos, como se está praticando e convencionando ao tempo dos baptizados pelo chamado Pai dos Cristãos”. Para arrancar pela raiz este absurdo, o rei determina: “não haja mais escravidão de chins nem ainda temporal de certos anos; antes, pelo contrario, todos os referidos chins de um e outro sexo sejam livres”... ordenando debaixo das penas que por minha lei se acham estabelecidas contra os que fazem cárceres privados e roubam o alheio; que nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade ou condição que seja, possa reter os referidos chins como escravos mais de 24 horas, contadas da mesma publicação desta. Anulando e cessando toda a jurisdição temporal, que até agora teve o sobredito intitulado “Pai dos Cristãos” e seus constituídos, para que seja exercida pelos meus Governadores, Ministros Officiais, cada um na parte que pelos seus Regimentos lhes pertence”.

No dia 10 de Dezembro de 1836, Sá da Bandeira proclama a abolição da escravatura em todo o Território Português.

Dados sobre 1834 publicados aquando do recenseamento de 1897


Em 1817, por exemplo, a população portuguesa era composta por 4471 pessoas; destes, 1522 eram escravos. Em 1834 a "população de escravos" era composta por 1200 pessoas, a maioria mulheres.
Adolfo Loureiro escreve em 1884:
"No fim do seculo XVII esta população chegava a 19500 pessoas mas em 1821 não era de mais de 4600: homens livres, escravos e oriundos de todas as nações, incluindo os chins convertidos, sem contar 186 homens do batalhão, 19 freiras e 45 frades. Em 1830 esta população era avaliada em 4628 individuos, excluindo os militares e ecclesiasticos, sendo 1202 homens brancos, 2149 mulheres brancas, 350 escravos do genero masculino, 779 do feminino e mais 38 homens e 110 mulheres de differentes castas. Os portuguezes nascidos em Portugal ou nos seus dominios não passavam de 90."

Como se pode concluir esta "extinção" seria apenas formal já que na prática a situação pouco ou nada mudaria. Foram precisos muitos anos... 
Ao mesmo tempo, prosseguiu a actividade do chamado tráfico de cules (iniciada em 1851 e que de alguma forma pode ser classificada como uma forma de escravatura), algo que só sofreu sérias restrições em 1874. Depois desta data esse tráfico passou a ser feito sob a condição de "emigração voluntária".

sábado, 20 de janeiro de 2024

" Título dos bens de raiz deste Collº de Macao"

Título dos bens de raiz deste Collº de Macao:
Tem mais o Collº humas moradas de Casas no Campo de patane junto ao caix de Marti Lopez as quaes deixou por legado a Maluco; rendem de alugueres 160 pardaos. Tem mais o Collº duas buticas que rendem cada mez ambas 4 pardaos, as quaes deixou Braz Monteiro cõ humas meyas cazas q rendião 60 pardaos pª vinho de missas deste Collº. As cazas vendeo o P. Antº Cardim, sendo reitor deste Collº, por oito centos Pardaos a Gaspar Borges da Fonseca, os quais 800 pardaos cõ mais 280 pardaos procedidos do chão do campo dos patanes aos Penedos de Camões, vendeo o dito P. Reytor pella dita contia. Os 1080 pardaos procedidos das duas vendas (cazas e chão) andão a ganhos da terra de 10 por cento e não podem os Reytores gastalos por serem precedidos de bens de raiz.
Este texto do século 17 é um excerto do inventário dos bens do Colégio de Macau  - Colégio de S. Paulo - pertencente à Companhia de Jesus. A referência ao padre António Francisco Cardim (1596-1659), reitor do colégio entre 1632 e 1636, permite datar os acontecimentos referidos.
Notas:
- O pardau era uma moeda da antiga Índia portuguesa, que ainda circulou em Macau até ao final do século XVII mas que depois desapareceu.
- O "Campo de Patane" referido é uma referência à povoação chinesa do Patane, na zona norte da cidade, perto do Porto Interior.
- Os "penedos de Camões" são alusão à zona da chamada "gruta de Camões".
- Depreende-se que toda a zona era propriedade dos jesuítas.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Canhoneira "Rio Lima": 1875-1910

Em 1910 uma notícia do jornal A Verdade dava conta da venda da canhoneira Rio Lima "a um comerciante chinez de Hongkong que a vae empregar na carreira entre Hongkong e Hoi-how". Era o fim da linha da embarcação ao serviço da Marinha Portuguesa desde o segundo quartel do século 19.
Foi construída em Inglaterra (Birkenhead) em 1875, juntamente com as canhoneiras Sado e Tâmega. Em baixo um artigo da revista Occidente de 1890 apresenta as características da embarcação.
Com 638 toneladas a "Rio Lima" era ligeiramente mais pequena que as outras duas, de 645 toneladas. O casco foi feito com o sistema composit, ferro forrado a madeira de teca e nalgumas partes com zinco. nas obras vivas. Armavam em lugre-barca e dispunham ainda de motorização a vapor com 500 cavalos de potência.
Para além das missões diplomáticas estiveram ainda nas estações navais portuguesas em África e no Oriente, desempenhando várias missões nomeadamente o combate à pirataria.

A canhoneira Rio Lima esteve no Oriente (Macau incluído para além de Xangai e Hong Kong) por duas vezes: de 1886 a 1891 e de 1905 a 1910. Para além das fotografias foi também 'imortalizada' em algumas pinturas do final do período "China Trade" bem como em pinturas feitas em Portugal.
No livro "Jornadas pelo Mundo", o Conde de Arnoso relata a chegada a Macau a 23 de Junho de 1887, com Tomás de Sousa Rosa que ia a Pequim assinar o primeiro Tratado Luso-Chinês, na Rio Lima comandada por Raphael de Andrade: 
"Embarcados na canhoneira Rio Lima, levantámos ferro do porto de Hong-Kong, pelas oito horas da manhã do dia 23 de Junho, em direcção a Macau. Navegando contra vento e corrente, cinco horas levámos a percorrer as quarenta milhas que separam as duas cidades. Pela uma hora da tarde entrávamos na rade em frente da Praia Grande. Com respeito e orgulho olhámos para essas águas, que foram sepultura dum antepassado nosso, Jorge Pinheiro de Lacerda que, pelejando ali, pelos tempos da restauração da casa de Bragança, contra os holandeses, e cedendo o esforço à multidão dos contrários, como refere o cronista, se matou deitando fogo ao paiol do navio depois de lhe arrancar os sinais do triunfo já arvorados nos mastros. Volvidos mais de dois séculos, é-nos grato a nós, que vimos de igual sangue e usamos do mesmo apelido, aportar às mesmas águas num navio da marinha portuguesa com oficiais que, em circunstâncias semelhantes, não hesitariam um só momento entre o render-se e morrer. 
Inunda-nos a alma uma alegria sem egual ao vêr nas fortalezas da Guia do Norte de S. Francisco e no frontão do palacio, tremular a nossa querida bandeira; achámos pittoresca a Penha de França surgindo de dentro do arvoredo; risonho o aspecto da casaria assombreada pelas altas arvores em frente da curva graciosa da Praia Grande; e até as ruinas do velho convento de S. Paulo recortando-se nítidas no céu azul nos parecem um enorme arco triumphal.
Lançámos ferro e entramos na galeota do governo, commandada pelo immediato do porto e onde vem o secretario geral da provincia. Salvam as fortalezas. No caes, os governadores de Macau e Timor, o bispo, cabido da Sé, o Leal Senado, os officiaes, todos os funccionarios, os chinas influentes e a grande massa da população china aguardam anciosos o nosso querido amigo Thomaz Rosa que durante os ultimos tres annos fora a primeira auctoridade da provincia. Estrugem com enthusiasmo os vivas clamorosos que o presidente do Leal Senado levanta, ao mesmo tempo que atroam os ares os estalidos alegres dos panchões." 
Curiosidade: Wenceslau de Moraes pertenceu à tripulação da canhoneira Rio Lima. Como oficial foi para ali transferido em 1888 tendo fica até 1890 quando assumiu o comando da canhoneira Tejo que passou a sr o navio-chefe da estação naval de Macau. 
Pessoal de fogo e o seu comandante Albano M. de Carvalho
na «Rio Lima» na Estação Naval de Macau.

Publicação de 1888; a informação técnica não está correcta

Publicação de 1908

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Pequenos Cantores de D. Bosco: 1962

 

Audição de Música pelos Pequenos Cantores (Grupo Coral do Colégio D. Bosco) no ginásio do Liceu em Maio de 1962. Era regente o padre César Brianza.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Alvará de "renda annual perpetua ao Collegio de Macau"

Pelo alvará de 19 de Junho de 1649 o rei D.João IV (1640-1656) concede uma "renda annual perpetua ao Collegio de Macau" no valor de mil cruzados (moeda cunhada). No documento refere-se que anteriormente outros monarcas tinham feito concessões de igual valor. O colégio referido era o Colégio de S. Paulo.

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Annuario do Archivo pittoresco: década 1860

Em baixo algumas das notícias sobre Macau publicadas na década de 1860 no "Annuario do Archivo pittoresco" (Portugal).
Maio 1864
São muito satisfactorias as noticias recebidas do estabelecimento de Macau. Era bom o estado sanitario e excellente o socego.

Junho 1864
O ultimo numero do periodico de Macau Ta-ssi-yangkuo annuncia a organisação de um banco para o qual se contava com o auxilio de muitos e acreditados negociantes chinezes. 

Agosto 1864
Alcançam a 11 de junho ultimo as noticias officiaes do estabelecimento de Macau. Participou o conselho do governo que a cidade continuava em socego; que parecia alterar-se novamente a política do Japão, tornando-se indubitavel a guerra com a Inglaterra. No dia 20 de maio chegára a Tien tsin o respectivo governador e as pessoas que o acompanhavam. Constava que no dia 28 se effectuaria a troca das ratificações e este acto celebrar se ha sem difficuldades devendo partir o mesmo governador para Pekim onde contava demorar-se oito dias depois dos quaes seguiria para o Japão.
Correm diversos boatos acerca de quem deve substituir o sr conde de Torres Novas nas suas funções de governador geral do estado da India. Indigitam uns o sr conselheiro Tavares de Almeida, outros fallam no sr Januario Correia de Almeida que é governador civil do districto de Braga e ainda outros indicam o sr conselheiro Amaral que está em Macau. O que parece ter probabilidades de realisar-se é que o ultimo d'estes cavalheiros vae para a India e que o sr Vasco Guedes de Carvalho e Menezes, actualmente governador militar de Coimbra, para o governo de Macau.*
*José Rodrigues Coelho do Amaral seria o governador entre 1863 e 1866; Januário correia de Almeida seria governador entre 1872 e 1874.

Setembro 1865
Alcançam a 11 de julho ultimo as noticias de Macau e por ellas se vê que havia alli completo socego, e com referência ao Japão e Sián nada ha que mereça mencionar-se; relativamente à rebelião chineza corriam boatos de que Pekim estava em más circunstancias achando se sitiada por vinte e cinco mil rebeldes.**
** A chamada rebelião Taiping (1850-1864), um dos confitos mais sangrentos da história: entre 20 a 50 milhões de mortos.

Julho 1866
Constava de Macau que o conselho do governo tomara conta da administração publica por causa da doença do governador, o conselheiro José Rodrigues Coelho do Amaral***; que reinava alli completo socego e que o transporte de guerra Martinho de Mello saira com destino para Lisboa.
*** esteve no cargo até 26 de Outubro desse ano.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

"Praya Grande": descubra as diferenças

"The Praia Grande, a beautiful promenade on sea front, with Fort San Francisco and Public Gardens at the Eastern end, the ancient Fort Bom Parto and magnificent Hotel Boa Vista on an eminence at the West end."
in The Directory and Chronicle for China, Japan, Corea, Indo-China, Straits Settlements, Malay States, Siam, Netherlands India, Borneo, the Philippines, and Etc, 1902
"Travellers to the East should not leave Hongkong without paying a visit to Macao. This historical and picturesque Portuguese Colony founded in 1557 is sufficiently important and interesting to deserve a portion of the tourist's time. The approach to Macao is exceedingly beautiful and has often been spoken of as a miniature Bay of Naples."
in The Directory and Chronicle for China, Japan, Corea, Indo-China, Straits Settlements, Malay States, Siam, Netherlands India, Borneo, the Philippines, and Etc, 1906
"Le quartier de la Praia Grande est l'endroit le plus fréquenté de la ville. La Praia Grande est une agréable promenade ombragée ouverte sur la baie et terminée par un jardin dans lequel se donnent des concerts."
in Bulletin de la Société belge d'études coloniales, 1910.

"Saubere gut gepflasterte Straßen führen zwischen altmodischen Häusern mit grünen Fensterläden bergauf und bergab bis wir die Praia Grande erreichen eine hübsche Promenade am Meeresufer an der neben dem" 
"Ruas limpas e bem pavimentadas sobem e descem entre casas antigas com venezianas verdes até chegarmos à Praia Grande, um bonito passeio à beira-mar."
in Im Osten Asiens, 1896

Em cima a fotografia que muito provavelmente deu origem às diversas soluções de postais ilustrados publicados entre os últimos anos do século 19 e os primeiros do século 20. 

domingo, 14 de janeiro de 2024

sábado, 13 de janeiro de 2024

"Districtos Policiaes" da Polícia Marítima: 1897

Áreas de intervenção da Capitania do Porto e Polícia Marítima: 1897
Total de 16 "districtos policiaes"
PS: documento valioso para o estudo da toponímia local.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Primeiras ilustrações da Gruta de Camões

Neste ano de 2024 assinalam-se os 500 anos do nascimento de Luís de Camões (1524-1580). Aqui no blogue já publiquei dezenas de post's - ver etiqueta respectiva, em baixo do lado direito - sobre o tema, e este ano, por via da efeméride, publicarei mais.
Foi em Macau que surgiu o primeiro local de homenagem ao poeta português imortalizado com a obra Os Lusíadas, a denominada Gruta de Camões que até aos primeiros anos do século 19 foi a imagem mais simbólica do território nos jornais e livros publicados em todo o mundo.
Pertencente à pequena nobreza Luís de Camões estudou literatura e filosofia em Coimbra. As paixões não correspondidas e as rixas frequentes valeram-lhe vários desterros.
O primeiro foi passado em Ceuta onde perdeu o olho direito em combate. O segundo foi na localidade portuguesa de Constância, entre 1547 e 1550, por ofensas a uma dama da corte. Regressado a Lisboa, foi detido em 1552 depois de uma rixa com um funcionário da corte. Consta que terá sido perdoado mas foi para a Índia.
Segundo alguns autores, terá sido por essa altura que compôs o primeiro canto de Os Lusíadas ao mesmo tempo que participou em várias batalhas. Daqui viajou para Macau na companhia do que viria a ser o capitão-mor da cidade, Pero Barreto Rolim, tendo os dois chegado em 1562. Alguns autores indicam que em Macau Camões exerceu o cargo de provedor-mor de defuntos e ausentes (uma versão contestada) tendo vivido no território até 1565 altura em que terá escrito mais uma parte do famoso poema épico. A tradição diz que a escrita foi feita nos penedos perto da povoação do Patane com vista para o porto Interior. Um documento da Companhia de Jesus datado de 1604 refere a zona como "os penedos de Camões".
Uma das primeiras representações gráfica do local surge no livro "A Picturesque Voyage to India by Way of China", de Thomas Daniell e William Daniel, publicado em Londres entre 1795 e 1810 em 10 partes. 
Os dois assinam a autoria do desenho, da litografia e do texto. Eis um excerto:
"It is delightful to discover in a remote corner of Asia an object like Camoens’ cave, consecrated to the memory of European genius. It is well known that the adventurous bard having too freely indulged his wit in satire, was disgraced by Francisco Barreto, the viceroy of Goa, and banished to Macao. Tradition still preserves some records of his residence. The stranger is still led to the top of the rock where he was accustomed to walk, and where the summer-house is now erected, commanding a view of the harbour of Macao: but it was in this romantic cave that he delighted to spend his leisure hours, forgetting past and present hardships in the luxurious exercise of his imagination. His exile was softened by the kindness he experienced; and he obtained a lucrative appointment, which enabled him in five years to realize a considerable fortune: but, like Spenser, he lost his all in shipwreck; and finally returned to Portugal as poor as he left it. He died at Lisbon in 1679*, in his sixty-second year."

Tradução:
"É delicioso descobrir num canto remoto da Ásia um objecto como a Gruta de Camões, consagrada à memória do génio europeu. É bem sabido que o bardo aventureiro, tendo-se entregado com demasiada liberdade à sátira, foi desonrado por Francisco Barreto, vice-rei de Goa, e banido para Macau. A tradição ainda preserva alguns registos da sua residência. O visitante é conduzido ao topo da rocha por onde o poeta costumava caminhar e onde hoje se ergue uma casa de veraneio, com vista para o porto de Macau: mas foi nesta romântica gruta que teve o prazer de passar os seus dias e horas de lazer, esquecendo as dificuldades do passado e do presente no luxuoso exercício de sua imaginação. Seu exílio foi suavizado pela bondade que experimentou; e obteve uma nomeação lucrativa, que lhe permitiu em cinco anos realizar uma fortuna considerável: mas, como Spenser, perdeu tudo num naufrágio; e finalmente regressou a Portugal tão pobre como o deixou. Morreu em Lisboa em 1679*, aos sessenta e dois anos."
* lapso gráfico 1524/25?-10.6.1580 (Dia de Portugal)
Thomas Daniell (1749–1840) e o seu sobrinho William Daniell (1769–1837) viajaram para a Índia em busca de oportunidades enquanto artistas numa aventura com algumas semelhanças com William Hodges (1744-1797), outro artista cuja obra tentaram superar. Chegaram a Calcutá em 1786, passando pela China, e passaram sete anos na Índia, viajando e representando a paisagem.
"The Grotto of Camoens, at Macao" de William Alexander
William Gomm, 1794

Em cima três ilustrações da Gruta de Camões feitas no final do século 18 por elementos da comitiva do inglês Lord Macartney numa expedição à China realizada entre 1792-1794 e com passagem por Macau em Março de 1794. Entre os 'desenhadores' de serviço contavam-se William Alexander, William Gomm, John Barrow, H. W. Parish, etc.
Este último foi aind ao autor do que é muito provavelmente a primeira planta do que viria a ser o jardim público, tema que ficará para um próximo post.
Como se pode verificar nestas primeiras ilustrações da Gruta de Camões não aparece representado nenhum busto, mas já existiria um logo no final do século 18. Sobre as várias versões de bustos que existiram na gruta publicarei um outro post.