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sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Macau - Terra da doce saudade, por Edgar Allen Forbes

Macau - Terra da doce saudade, por Edgar Allen Forbes
Macao -Terra da doce saudade! A mais antiga colónia européa no Oriente longínqüo. O único e desejado porto no mar da China, para os tristes marinheiros
Por Edgar Allen Forbes (in The National Geographic Magazine de Washington)
Traduzido especialmente para este boletim pela Doutora Fernanda de Bastos Casimiro
Com o devido respeito à dignidade do grande porto de Hong-Kong e à atmosfara rarefeita do pico da Vitória, devo declarar francamente que a China Meridional não é um local propício aos poetas. Seis meses do ano, o ar que se respira, semelha-se ao de uma lavandaria e é tal a humidade que que se fecharmos a mão, espreme. De noite o calçado cobre-se de um bolor luxuriante. Acorda-se com a estranha sensação de que os pulmões se transformaram em fatias de queijo Roquefort. Ora, com tais condições atmosféricas, pessoas de temperamento artístico não podem desenvolver a poesia, a canção. Nem podemos pretender, que os distritos vizinhos de Cantão e de Si Kiang produzam emoções tão fortes que possam ser expressas em sonetos, odes e líricas. Contudo a 40 milhas do pico Vitória, há uma pequena colina arborizada, onde um Homem de alma inextinguível, respondeu nobremente ao apelo dos Deuses, criando uma epopeia imortal. Posto que três séculos e meio tenham passado, o Olímpo ainda se inclina para o memorável jardim e muitos poetas, de muitas terras, têm o hábito de ir ali colher a inspiração dos seus êxtases e espargir tristezas nos seus versos e elegías. Em homenagem ao grande cantor, algumas estâncias têm sido cinzeladas no mármore branco, e colocadas na entrada da gruta.

Um lugar pequenino com uma grande história
O lugar é Macau; o virgiliano cantor Luís de Camões. Os Lusíadas a recordação eterna, a lembrança á Humanidade de que os Portugueses foram uma raça de ousados navegadores, na grande era das descobertas. Nêsse exílio, solitário, sentado num jardim inculto, dominando uma bela enseada do Mar da China, Camões tornou-se e á sua terra Imortal. Quando Nadir Sbak levou para a Pérsia o trono de Pavor de Delhi não levou do Oriente joia tão inestimável como a "imortal canção" com que o Príncipe dos Poetas voltou ao seu amado Tejo. Macau não é apenas a extremidade de uma singela ilha de Heungsham pertencente á China. A área portuguesa incluíndo duas pequenas ilhas adjacentes, tem perto de 12 milhas quadradas. E' um lugar como há poucos no Oriente, tão cheio de beleza e de interesse. E' a mais antiga colónia européa no Oriente longínquo e foi, por muito tempo, o único porto de refúgio para acalmar a tristeza e nostalgia dos marinheiros, navegando no mar da China. Seu modesto farol, no Forte da Guia, foi o primeiro que iluminou a balisa da costa do Império Chinês. Seu pequenino cemitério, o local onde o europeu encontrava a tranquilidade do Alem.

Macau é o "Monte Carlo" do Oriente. Único lugar do mundo onde as casas de fantan, fábricas de ópio e bilhetes de lotaria financiam um governo colonial. (1) É, sem contestação, uma das roais belas cidades do Extremo Oriental. "As nuvens que se acumulam no cume das montanhas parecem repousar ali amorosa, languidamente". Porém, se estabelecermos um paralelo com HongKong, os daqui dirão que é uma cidade de pouco interesse e que não se justifica uma visita demorada a Macau. Deste modo os barcos de carreira funcionam com um horário, que, se o viajante insiste em ir a Macau pode chegar ali pelo meio-dia e regressar ás 2 horas. Tempo considerado mais que suficiente para visitar a cidade, embora o turista se demore em Hong-Kong 8 ou 10 dias. Não se explica tal conceito, pois que Hong-Kong oferece apenas um passeio de tramway ao Pico, uma volta no Jardim Botânico, no Reservoir, terminando pela visita ao Happy Valley que serve de cemitério e de Prado de Corridas. Assim, muitos viajantes não vão a Macau, nem mesmo para uma demora de 2 horas. Talvez, dentro em pouco a viagem possa fazer-se de aeroplano sem desembarque. O jardim de Camões vê-se perfeitamente do alto e o nacional jogo do fan-tan pode apreciar-se pelos telhados de vidro, enquanto voarem sobre a cidade.

Uma viagem no Sui An
A atrofia de imaginação e sentimentalismo está reflectida no nome dos vários barcos que fazem a travessia de Hong-Kong a Macau. Esperaria naturalmente o viajante encontrar o nome de "Luís de Camões", dos "Lusíadas", ou mesmo o de "Druida" em memória do pequeno mas esforçado navio comandado pelo Capt. Lord Henry Churchil que está sepultado no velho cemitério protestante de Macau. Mas, não. O barco chama-se Sui An. Se o seu nome nada diz, o barco no entanto é bonito, muito próprio para pic-nics e o viajante americano sentado no convés pode facilmente imaginar-se a caminho da ilha Coney. Uma das particularidades mais interessantes que notamos em todos os barcos é a presença de um guarda. Armado e equipado, passeia serenamente no convés infundindo confiança ao viajante como a dizer-lhe - "Não tenha receio! Que estou aqui". Apesar de muito pitoresco e divertido é todavia de grande utilidade, por causa dos piratas que infestam o Mar da China. Este homem, que mal deixa ver o rosto encoberto nas barbas espessas, é uma alma forte que está preparada a defender-vos com risco da própria vida. Quem já fez a viagem, não esquecerá. nunca figura tão abnegada. O Sui An começou sua carreira marítima na Scothisk Highlands. Era airoso e veloz. Mas a longa estadia no Oriente causou-lhe uma lassidão, aliás nada de estranhar nesta parte do mundo. Vai rodando suas hélices negligentemente, oferecendo todos os detalhes nas três horas que gasta a chegar a Macau. Avistando o farol o Sui An entra na mais bela baía do Oriente. A visão guarda a recordação da arquitectura clara da Europa meridional - casas com terraços, cor azul, rosa, amarelo, espalhando-se tudo sobre um bonito e arborisado cabo. O aspecto geral da paisagem apreciada do vapor é sugestiva e lembra uma alegre e risonha praia do Mediterrâneo ao longo de Riviera. As cores das casas à portuguesa levou Frederic Courtland Penfield a denominar Macau "um arco iris encalhado no Oriente". Então o Sui An entra no dique e dá duas horas antes de voltar ao Pico Vitória. Portugal, índia, África Ocidental na China. 
Quem conhece a história de Honolulu sabe que Ah Fong, o milionário plantador de açúcar, deu suas filha-s em casamento a oficiais da armada americana. Já velho, fundou Diamond Head e Waikiki. Desejando porém local mais sedutor, para terminar seus dias, dirigiu-se a Macau. E construiu aqui na Praia Grande a sumptuosa avenida semelhante a Bubling Well Road de Shanghai, à Connaught Drive de Singapura, à, Onter den Linden de Berlim. Segue ao longo do cais por entre árvores mais de milha e meia. De um lado edificações sólidas e aparatosas. Entre as melhores salienta-se a de Ah Fong. Há também alguns pertencentes a chineses ricos, que vivem em Macau não só pela amenidade do clima, mas porque suas cabeças estão mais seguras sob a protecção da bandeira portuguesa. A Praia Grande é uma avenida fresca e sossegada e conduz a uma praça que é o vestíbulo da. gruta e do jardim de Camões. Esta. praça é sem rival na China. Pode ser igualada à de Luneta de Manila. E' pequenina, uma miniatura de uma praça pública, fronteira a uma baía em forma de crescente. E' tal a beleza que se desprende, que nos podemos tornar românticos mesmo sem o querermos. Seu maior esplendor é aos domingos e dias feriados.
(1) - N. do B.: Isto que o autor afirma, está muito longe da verdade.

Esta é a nota que a tradutora fez questão de colocar na tradução, mas na verdade o jornalista/escritor norte-americano Edgar Allen Forbes tinha razão. O artigo foi publicado na edição de Abril/junho de 1933 do Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro.
Esta versão em português é muito mais pequena que o texto original de Edgar Allen Forbes publicado em 1927 num pequeno livro de apenas 23 páginas sob o título "Macao, land of sweet sadness: the oldest European settlement in the Far East, long the only haven for distressed mariners in the China sea".
Seria depois publicado na edição de Setembro de 1932 da revista The National Geographic Magazine, onde também surgem inúmeras fotografias de Macau da autoria de W. Robert Moore (1899-1968), num total de 22 páginas.

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