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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

A Epidemia de Peste Bubónica em Macau em 1895

No final do século XIX Macau foi assolada por uma epidemia de peste bubónica. José Gomes da Silva, chefe do Serviço de Saúde Pública do território, fará um relatório sobre a epidemia que grassou entre Abril e Julho de 1895 causando 1200 mortos "todos chineses". É desse documento que a seguir publico alguns excertos.
"Corria normalmente o primeiro trimestre de 1894, quando em fins de março recebi uma carta particular do digno cônsul de Portugal em Cantão, D. Cinatti, convidando-me a ir alli observar uma doença excessivamente curiosa, que havia cerca de um mez grassava sob a forma epideraica em Cantao e seus arredores, acoinmettendo exclusivamente os chinas... e os ratos. A doença, no dizer do illustrado funccionario, caracterisava-se principalmente por uma temperatura elevada, que ás vezes bastava a matar o doente, e pela manifestação de bubões no pescoço, na axilla ou nas verilhas, com pouca tendência á suppuração. Pouco depois, espalhavam-se também em Macau boatos de que a mortalidade subira sensivelmente na população chineza a visinha colónia de Hongkong, sendo a doença dominante uma espécie de febre typhoide, sob este nome diagnosticada pelos médicos inglezes, e produzindo uma percentagem de mortalidade pouco commum, ainda nas mais severas epidemias conhecidas. Era grave o assumpto e era grave também a coincidência. Installada a epidemia, fosse ella qual fosse, em Hongkong e Cantão, como isolar Macau d'aquelles dois portos, por onde esta cidade communica normalmente com o resto do mundo? como substituir todos os elementos imprescindiveis de vida individual e commercial que estti colónia recebe d'aquellas duas cidades? (...)
Fundamentados ou não, é certo que os boatos continuavam a circular entre os habitantes de Macau e referiam que nâo só a mortalidade crescia, quer em Hongkong, quer em Cantão, mas que o augmento de mortalidade era devido essencial e exclusivamente ao predominio da peste bubonica. Era conveniente portanto, se nao urgente, ir pondo em prática algumas medidas hygienicas, d'aquellas que não alarmam ninguém e que, pouco espalhafatosas, teem todavia uma efficacia incontestável. Assim, os administradores do concelho receberam iustrucçôes para não permittirem a agglomeração de individues em casas d'habitaçfio, sobretudo se esses individues eram pouco respeita- dores da hygiene - e era essa a regra para a communidade chineza. - Ao mesmo tempo, era-lhes indicado que fechassem os poços tendo communicação apparente ou provável com latrinas visinhas ou quaesquer outras origens d'infecção. Alem d'isso, irrigações frequentes dos canos das vias públicas com agua do mar por bombas a vapor deviam ser dirigidas pelas referidas auctoridades. A capitania do porto foi incumbida do fornecimento d'agua potável ao público, nao só para attenuar os eflfeitos da sécca anómala que affligia então estas regiões, mas para compensar a deficiência d'agua, resultante de se fecharem alguns poços, suspeitos inquinados. Demais, a capitania ficou incumbida de, pelos seus guardas, evitar que desembarcasse em Macau qualquer china suspeito de doença, quer detendo o passageiro até que um medico viesse examinal-o, quer ordenando-lhe o regresso para fóra das aguas de Macau, se o passageiro se oppuzesse à detenção e exame. (...)
Todas estas medidas porém eram tomadas em silencio, sem o apparato das portarias, que poderiam, por injustificáveis, ferir a susceptibilidade dos nossos visinhos ou alarmar indevidamente a colónia. No dia 10 de maio, a junta de saúde de Hongkong declarou aquelle porto infeccionado de peste bubonica. Em virtude desta declaração, confirmada officialmente pelo governo local, appareceram successivamente no Boletim Oficial de Macau as portarias provinciaes n.° 113, de 15 de maio, e n.° 117, de 1 de junho, determinando as medidas prophjlactícas a tomar, para evitar que o flagello attingisse os habitantes d'esta cidade. (...)
Mapa de 1889
Entre as medidas profiláticas então tomadas contam-se:
Lavar com fortes jactos d'agua salgada e chlorada os canos d'esgoto; Limpar os poços sujos e inutilisar os que não pudessem limpar-se; Fornecer em abundância agua potável ao público. (...)
A peste bubonica, em todos os pontos do sul da China em que foi observada e descripta, começa invariavelmente por uma febre de typo typhoide, com raríssimas remissões absolutas e com tendência rápida para subir de ponto. Mais tarde, se o individuo consegue resistir á elevação de temperatura, começam a manifestar-se ostensivamente os bubões do pescoço, da axilla ou das verilhas. D'aqui uma indicação prophylactica: prohibir a entrada em Macau a indivíduos com febre. A execução d'esta medida não era porém tão fácil como o seu enunciado, desde que em Macau entravam diariamente, procedentes dos portos infeccionados, uma média de 500 chinas por via marítima e mais de 1.000 por via fluvial e terrestre. 
Conseguia-se todavia o seguinte. Os passageiros dos vapores de Hongkong e Cantão eram, antes do desembarque, sujeitos a uma inspecção medica, que consistia essencialmente no exame do pulso, da temperatura e da língua. Se o resultado do exame era satisfactorio, o passageiro tinha livre prática; se a lingua se mostrava saburrosa ou fuliginosa ou afilada, se a temperatura era anormal, se o pulso era pathologico, o passageiro era detido e vigiado pela policia, até que saissem todos os passageiros insuspeitos. (...)
Propostas de Gomes da Silva para melhorar a higiéne pública em Macau:
I. Obstruir todos os becos e pateos existentes em Macau, primeiro os do bairro europeu, depois os dos bairros chinezes. 
II. Reduzir o numero de latrinas públicas na cidade, não se permittindo a installação d'ellas senão em local farto de luz e ar, em condições hygienicas de limpeza e desinfecção. 
III. Ordenar a remoção diária ou, pelo menos, em dias alternados dos dejectos accumulados nas latrinas públicas e particulares. 
IV. Tomar obrigatório o systema de fossas moveis ou, provisoriamente apenas, o de vasos de loiça vidrada em todas as casas d'habitação, á excepção d'aquellas em que se esteja empregando ou se possa empregar com vantagem o systema de latrinas de syphão e canos d'esgôto. 
V. Prohibir a accumulação de individues em numero superior aos que comporte a cubagem da casa em que vivam esses indivíduos. 
VI. Fechar e inutilisar todos os poços visinhos de latrinas ou recebendo aguas inquinadas. VII. Prestar grande attenção ao problema do abastecimento d'agua potável em quantidade sufficiente á população da cidade. 
VIII. Eliminar e substituir os mercados de S. Domingos e da Ponta da Rede; ou apeal-os e reedifical-os era condições toleráveis de hygiene e esthetica. 
IX. Aterrar a horta de S. Paulo, transformando-a em num novo bairro hygienico para gente pobre. 
X. Completar o canal de San-kiu até ao porto interior.
José Gomes da Silva, "A epidemia de peste bubónica em Macau: relatório 1895"

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