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quinta-feira, 9 de maio de 2019

Guerra do Pacífico: depoimento de Ana Maria Amaro

“O mais tocante que ouvi contar em Macau sobre a "Guerra do Pacifico" foi no asilo da Horta da Mitra (Hô Lan Ûn) onde se encontravam senhoras portuguesas de Xangai chegadas, pelo menos em dois surtos de imigração. A primeira chegada que nos foi relatada sucedeu por ocasião da invasão de Xangai pelos japoneses durante a guerra Sino-Japonesa. A segunda teve lugar durante a Guerra do Pacifico, estas senhoras recordavam atrocidades e histórias dramáticas que tinham vivido. (...) A comunidade luso-descendente de Macau deu abrigo a alguns destes refugiados e seus parentes. Outros não encontraram familiares próximos que pudessem recebe-los. Uma das senhoras tinha perdido o marido que vira ser morto nas ruas de Xangai e o seu único filho que desapareceu durante a fuga e do qual nunca mais teve notícias. Também em Macau não encontrou parentes próximos. (...)

Sugestão de leitura
Relativamente ao impacto desta chegada de refugiados incluindo pessoas de várias nacionalidades, principalmente muitos chineses, calcula-se que fizeram subir a população de Macau a cerca de meio milhão, principalmente depois da ocupação de Hong Kong pelos japoneses. Foi esta pressão demográfica e bloqueamento de algumas vias de acesso pelas tropas japonesas que levou á grave crise económica que Macau sofreu com falta de viveres e uma feroz especulação de preços. É sobre esta especulação que se contavam histórias citando-se nomes, histórias que não se podem contar porque não devem ser contadas.
Morria-se de fome nas ruas todos os dias a polícia recolhia cadáveres de desconhecidos, havia pessoas apenas de passagem em trânsito para qualquer ponto onde pudessem continuar a viver. A maioria principalmente dos que tinham menos posses ficavam, morriam ou acabavam por ser presos por delitos menores. A falta de arroz que encarecia constantemente foi o que mais afectou a cidade. Contava-se que havia perto das ruínas de São Paulo um matadouro de carne humana. Eram atraídos jovens, principalmente mulheres, com sedutoras ofertas de trabalho. Eram ali mortas e a sua carne destinava-se a ser vendida. Verdade? Mito urbano? Um exemplo de uma história verdadeira é o pequeno texto "A mãe" que consta do meu livro “Aguarelas de Macau, cenas de rua, histórias de vida”.
Monsenhor Manuel Teixeira e o Professor Charles Boxer, que foi prisioneiro japonês em Hong Kong e a quem torturaram a mão direita deformando-a, contaram-nos algumas dessas histórias e penso que também as publicaram. A informação oral é imensa. Da nossa memória apagaram-se alguns pormenores talvez porque muitas cenas foram rejeitadas por dolorosas demais.
Do ponto de vista cultural o maior impacto de toda esta imigração fez-se sentir nos traços culturais das famílias mais conservadoras de Macau. Muitas peças de mobília antiga e os famosos tabuleiros de chonca que as avós usavam para entreter as crianças ou as famílias aproveitavam para jogar e passar o tempo por altura dos tufões quando ficavam trancadas em casa á luz de velas. Toda essa madeira servia para combustível que para aquecer, quer para cozinhar. Com a chegada de luso descendentes de Xangai e de Hong Kong com usos e valores "modernos" por influência dos ingleses a cultura tradicional que se mantivera ao longo do século XX foi considerada "antigonsa" e abandonados velhos padrões como traje (uso do dó), certos preconceitos femininos, tornando-se as raparigas "garridonas". Começando a perder-se a partir daí grande para da identidade cultural dos luso descendentes filhos da terra”.
Depoimento inédito recolhido por João Botas em 2010. Professora catedrática, Ana Maria Amaro é autora de uma vasta obra sobre Macau. Viveu no território na década de 1960. Morreu em 2015.
As senhoras refugiadas de Xangai que a professora Ana Maria Amaro encontrou no asilo da Horta da Mitra da Santa Casa na década de 1960 numa visita em que levou um grupo de alunos a conviver com as senhoras tendo cantado e dançado para elas músicas tradicionais portuguesas.

1 comentário:


  1. tinha um dia encontrado este video que mostra os refugiados chineses em Macau durante a guerra:
    https://www.youtube.com/watch?v=_k0wgfYT_B0
    Macau refugee problem in 1958

    terá sido feito por um jornalista francês...

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