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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Os cules dos "jerinxás"



No muito do quotidiano de Macau nas décadas de 1930 e 1940 registado pelo fotógrafo Neves Catela estão os jerinxás e os seus condutores (primeira e última foto deste post).
Criado no Japão, o nome original era jin–riki–gá, que significa homem-força-carro. Depois os ingleses romanizaram o termo e de seguida os portugueses adoptaram a designação jerinxá. Com as evoluções tecnológicas introduzidas no meio de transporte os ingleses viriam a eliminar o elemento jin (homem) passando a rick-shaw e os portugueses a riquexó.
Se esta explicação é aceite naturalmente, o mesmo não acontece com a origem do meio de transporte já que existem várias correntes...
Há quem atribua a  invenção missionário americano Jonathan Goble em 1867, outros defendem que foi o capelão do Consulado Britânico em Yokoama, M. B. Bailey. E são os japoneses que reivindicam a invenção do jerinxá em 1868 para ser utilizado por um indivíduo paralítico de Quioto que não gostava de ser transportado numa cadeirinha. Outros afirmam que a sua invenção. Ainda nas versões japonesas existe a teroia que foi Akiha Daisuke, em 1870, o inventor.
Certo é que o primeiro pedido oficial para produção de riquexós coube a Takayama Kosuku, entre 1867 e 1870. E certo também é que a partir do século XX o meio de transporte espalhou-se por toda quase a Ásia (China, Japão, Birmânia, Singapura, Vietname, Tailândia, Filipinas, etc...) com uma ou outra adaptação local. 
No Boletim "Macau" de 1953 encontra-se um artigo que faz um excelente retrato desta realidade macaense hoje praticamente desaparecida:
"Data de muitos anos, em Macau, a existência destes modestos trabalhadores, figuras típicas deste Oriente sempre desconhecido, exótico e fértil em sensações. Condutores de riquexós – veículos para transporte de um passageiro – os cules simbolizam a velha e tradicional China, onde se trabalha indiferente à natureza do serviço, ainda que este pela sua qualidade nos pareça vexatória de dignidade humana. No seu jeito característico e com uma passada de cadência matemática , palmilham diariamente – na melhor hipótese de numerosos clientes – alguns bons quilómetros.
Tomando apenas ligeiras refeições de arroz ou massa com peixe ou carne, ou a tijela de canja, percebe-se que não são indivíduos dotados de muita força. Possuem, no entanto, uma resistência inconcebível na sua corrida de fraca velocidade, mas sempre igual, em contraste com a sua aparência franzina e débil.
Desconhecedor dos costumes e tradições do Oriente, qualquer europeu ou americano que desembarque em Macau, sente uma desagradável impressão pelo quadro desumano ao ver um homem acarretar com outro, qual quadrúpede, num panorama idêntico à besta que puxa a carroça em qualquer terra da nossa metrópole. Não há dúvida, porém, que são mais carregadas as cores do cenário que a realidade dos factos. Segundo eles próprios confessam, não é a força o elemento principal a considerar, pois as ruas onde, estes carros transitam são, na sua maioria, planas e cimentadas.
À partida, após o esforço inicial no arranque do carro, que possui as duas rodas forradas de borracha , a virtude dos condutores está em conseguir manter o carro em equilíbrio e toada certa , conservando sempre o impulso primitivo, o que conseguem colocando as mãos nos varais de modo especial. E depois, no género de trotar, ritmo compassado, sem grande esforço, exceptuando numa ou noutra rua um pouco íngreme, lá seguem, lestos, sem frouxidão, na ânsia de bem servir. À falta de passageiro, utilizam o veículo para transporte de muitas e variadas coisas, causando, por vezes, profunda admiração, a quantidade de peças de mobiliário que acomodam num tão pequeno carro.
Os cules, na sua maioria, não têm horário definido para tomar as suas parcas refeições. Comem a qualquer hora, a sua tijela de arroz ou massa, com um pouco de peixe ou carne, servindo-se de ordinário, dos cozinheiros ambulantes que abundam pelas ruas de Macau.
Como distracção, vão uma vez por outra ao cinema, ao jogo de bolinha (futebol em miniatura) e só com grande sacrifício assistem ao Auto-China, espectáculo demasiado dispendioso para as suas reduzidas possibilidades financeiras. Como, aliás, quase todos os chineses, são singelos no seu trajar, e a sua indumentária, simples e prática, adequa-se bem à função que desempenham. Em pleno Verão, cálido, saturado de humidade, temperatura asfixiante, quase insuportável, usam apenas camisola, calção e alparcatas, trazendo alguns o característico chapéu largo «tudum», feito de fibras de bambu forradas de folhas de palmeira, para a chuva ou sol.
Nos dias chuvosos, vestem um impermeável o «so-i», feito apenas de folhas secas de palmeira. Em 1951 foram introduzidos em Macau os triciclos que comportam dois passageiros, veículos menos bárbaros à vista do visitante, mas que obrigam os cules a um maior esforço na sua condução.”





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