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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

The Art of Macanese Cuisine

The Art of Macanese Cuisine and other IFT Delights. 
Edição de 2011 em inglês do Instituto de Formação Turística.
Para além de Macau, noutras parte do mundo é possível provar a gastronomia macaense. Em Portugal, por exemplo, a Casa de Macau - Av. Almirante Gago Coutinho, 142 Lisboa - proporciona menus de comida macaense às 4ªs feiras. Mediante marcação e pagamentos prévios até ao dia anterior através de casademacau@mail.telepac.pt e tel.218495342 / 961294676.
 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

'Macaenses' na Casa de Estudantes do Império

Em 2015 assinalou-se o 50.º aniversário do encerramento da Casa de Estudantes do Império (CEI) pelo Estado Novo em Portugal. A efeméride coincidiu com o 40.º aniversário das independências das ex-colónias portuguesas e, em Portugal, várias iniciativas promovidas pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA) evocaram a história da CEI. Para o secretário-geral da UCCLA, Vítor Ramalho, "em simultâneo com outras actividades culturais e recreativas, a CEI foi um espaço de consciencialização política, uma ilha de tolerância e de livre discussão, num país sujeitos a uma feroz ditadura".  
Embora a maioria dos estudantes da CEI tivessem origem nas antigas colónias portuguesas em África, também houve estudantes de Macau. Foi o caso de Carlos Assumpção e João Tomás Siu, dois entre os cerca de 50 que viveram parte da sua juventude em Portugal onde frequentaram a universidade.
A Casa dos Estudantes do Império foi criada a 3 de Julho de 1944 com o apoio do regime do Estado Novo (1933-1974) para enquadrar os estudantes universitários oriundos das então colónias portuguesas que queriam e podiam continuar os estudos e não tinham então alternativa que não fosse irem para Portugal por ausência de universidades nas ex-colónias.
A iniciativa foi do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa e do Ministério das Colónias. Ficaram assim debaixo do mesmo tecto as diversas 'casas' que apoiavam os estudantes oriundos das províncias portuguesas, nomeadamente, de África, que já existiam em Portugal. Pela CEI passaram jovens de várias latitudes, de diversas origens sociais, económicas e culturais e também de diferentes ideais políticos.
Se a ideia era fortalecer a ideia de "império" e o sentimento da portugalidade entre os estudantes das colónias, o que veio a acontecer foi o despertar da consciência crítica sobre a ditadura e o sistema colonial, abrindo portas para os movimentos independentistas africanos.
Na CEI, apesar da ditadura, vivia-se em ambiente de relativa liberdade. Os estudantes (os que vinha de fora e os portugueses) 'comungaram' entre si os ideais humanistas e, pouco a pouco, a orientação ideológica dos estudantes da Casa mudou de uma posição a favor do Estado Novo à luta contra o governo fascista português.
A CEI entra em funcionamento praticamente no rescaldo na 2ª Guerra Mundial. Seguem-se as transferências de soberania das colónias britânicas, francesas e holandesas na Ásia, a criação do Movimento dos Não-alinhados e a Conferência de Bandung. Na década de 1950, um pouco por toda a África, surgem os movimentos independentistas que acabariam por ter reflexos no denominado "império colonial" português como regime do Estado Novo a sofrer contestação.
É pois neste contexto que surge a CEI, pensada para os estudantes de Cabo Verde e Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Estado da Índia, Macau e Timor e, apesar do nome, também acolheu estudantes oriundos de Portugal, do Brasil e outros países.
No nº 23 da Avenida Duque d' Ávila, ao Arco do Cego em Lisboa (o edifício foi remodelado e hoje é de cor amarela) a instituição tinha para além de quartos, um refeitório, posto médico e promovia actividades culturais e desportivas. Desses tempos resta apenas uma inscrição no passeio, em pedra lioz, uma homenagem da Câmara Municipal de Lisboa feita a 25 de Abril de 1992. Em Lisboa era a sede mas em Coimbra e no Porto existiam delegações, já que, para além da capital, era nessas cidades que muitos dos estudantes frequentavam os seus cursos superiores.
Associados de Macau e da China
Ao todo, entre 1944 e 1965, passaram pela CEI mais de três mil estudantes, sendo de admitir que existiram mais, pois alguns ficheiros dos associados desapareceram. Desses, uma minoria era oriunda de Macau e da China. Dentro da casa, os sócios estavam 'divididos' por secções. Na "secção de Macau" estavam não só os oriundos de Macau mas também estudantes nascidos em Portugal e com ligações ao território. Era o caso, por exemplo, de Marco António Tamagnini Barbosa (nascido em 1924) e de José Caetano Soares (1887-1963). Nascido em Almendra, foi médico-militar em Macau até 1916, altura em que passou a ser director clínico do Hospital de S. Rafael. Em 1937 foi reconhecido como "benemérito" da Santa Casa da misericórdia de Macau e uma rua foi baptizada com o seu nome (Rua Dr. Soares), ao lado do edifício do Senado (a antiga Rua da Cadeia).
Um levantamento recente feito pela UCCLA e tendo por base os ficheiros dos associados apreendidos pela PIDE em 1965 - indica que entre os 3291 estudantes registados 44 eram naturais de Macau, havendo ainda 9 registos assinalados como sendo originários da China (Shangai, Amoy e Shamin). Entre estes últimos estão Olívio Melício Pires, Mário Jorge Cabral Basto (de Shangai, nascido em 1918 e empregado do comércio), Arnaldo Siqueira Basto (oriundo de Shamin, Cantão), Eugénio Sousa, Maria Eugénia Laborde Basto (doméstica de Shangai), Ilídio Cohen e Elgar Basto (engenheiro agrónomo nascido em 1913).
Escola do Magistério Primário (professores), Medicina, Engenharia, Farmácia e Direito foram os cursos escolhidos pelos estudantes macaenses. A maioria nasceu na década de 1920 e foi admitida na CEI entre 1944 e 1958. Dos 44 ‘estudantes’ oriundos de Macau 11% eram mulheres. A maioria estava registada na sede em Lisboa, 16 em Coimbra e dois no Porto. Apesar do nome da instituição, alguns dos associados macaenses não eram ‘verdadeiramente’ estudantes. Alfredo Basto, nascido em 1884 era empregado da Vacuum Oil company e João Frederico Nolasco da Silva, nascido em 1871, estava registado como comerciante. Havia também que estivesse na condição de aposentado. Era o caso de António Joaquim Basto, nascido em 1875 e membro da comissão de Honra da CEI.
Entre estes estudantes macaenses estavam nomes que viriam a ser figuras de maior relevo para a vida cívica de Macau. São os casos de Cecília Maria Choy, Maria Amélia Cabral, Carlos Augusto Correia Pais de Assunção, Pedro Nolasco da Silva, João Tomás Siu, vários elementos da família Senna Fernandes (Maria Teresa, Nuno José e Edmundo José), entre outros.
Numa selecção totalmente aleatória refiro de seguida alguns nomes de macaenses que passaram pela CEI. Carlos Assumpção, conhecido jurisconsulto e político macaense, entrou para a CEI em 1947 (número 182) chegou a ser presidente da Associação Académica de Coimbra. António Nolasco da Silva foi, por exemplo, o organizador da terceira edição do Grande Prémio de Macau, em 1956. João Frederico Nolasco da Silva foi membro da comissão de honra da CEI e teve um papel activo na vida da instituição. João Tomás Siu estudou no Liceu (sendo autor do ex-libris da biblioteca) formou-se em engenharia civil e no regresso a Macau foi director da Repartição Provincial das Obras Públicas. Francisco Xavier da Cruz Hagatong Júnior, nascido em 1926, foi admitido na CEI em 1947 e "desisitiu" um ano depois. Terminou o curso de Farmácia em 1957 na Universidade do Porto. Na mesma universidade e no mesmo ano Carlos Manuel Xavier Alves da Silva concluiu o curso de engenharia civil.
Artigo da autoria de João Botas publicado no jornal A Voz, da Associação dos Macaenses (Macau) em Setembro de 2015

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Macaenses: alcunhas / nicknames

Obra de Monsenhor Manuel Teixeira
editada em Macau na década 1940
Many Macanese are only known by unusual names that are totally unrelated to their given names. These sometimes use words in two languages (e.g., Portuguese and Cantonese). Prof Alan Baxter and Miguel de Senna Fernandes, in an excellent booklet that includes lists of names (Maquista Chapado, Macau 2004, Instituto Cultural do Governo da Região Especial Administrativa de Macau), distinguish between family or pet names and nicknames. They point out that usually it was the family amah who would give the pet name to the child in her care, and that nicknames "portray the Macanese sense of humour, malice and sharp social observations of everything and everyone".

António Pacheco Jorge da Silva in his impressive book (The Portuguese Community in Hong Kong, Conselho das Comunidades Macaenses, 2007), also gives a list of nicknames.Henry D'Assumpção in Macanese Families site "On Macanese Nicknames" an article by Frederic A. "Jim" Silva

Introduction
I shall take a chance and risk offending 49% of our Macanese community in order to raise a chuckle or two from the other 51%. Here goes.
Besides the preparation and consumption of "our kind" of food, one other notable talent we filhos de Macau possess is in the bestowing of apt nicknames. The Chinese also have this talent, but their nicknames can sometimes be cruel when they describe infirmities and physical defects. On the other hand, filhos de Macau nicknames cover all the bases - physical, diminutive, mental, familial, gustatory, and ethnic.
Fílhos de Macau from Hong Kong display the greatest aptitude for nicknames; Macau filhos come second; but our cousins from Shanghai may have strayed too far from their roots and for too long a time to have any real gems among their nicknames – though admittedly this could be due to my own ignorance in that area.
I shall try to categorize and list the better-known and more colorful filho de Macau nicknames. Some of these require no elaboration, but others may require explanation. I shall not dwell on nicknames derived from Anglo-Saxon words - for example, a "Beany" Remedios or a "Pinky" Silva - which do not have that special ethnic flavor of the true filho de Macau nickname, as in an Archie "Búli-búli". Nor do I need to cover the scores of "Juniors" and "Sonnys" of a certain vintage.

Família Silva: década 1950

Familial Nicknames
A lady once told me that in Hong Kong perhaps one out of every ten filho de Macau was surnamed Remedios. While we cannot verify this statistic,* clearly many, many Remedii exist, and so they are perfect subjects to be given nicknames in order to distinguish the many branches of the clan. We have, for instance, the Capão (capon) Remedioses, the Santa Sancha Remedioses, the Choon Took Remedioses, and many other unrelated branches of this prolific group.

*Editor's note: We do now have statistics: on 22 Apr 2009 the database had 1161 people (including wives) with Remedios/Remédios in their surname, out of a total of 45907 – 3.62%. (In comparison, there were 2770 with the name Silva – 6.03%).

In Macau, a smile always brightens a conversation when the "Very Good Chipido" clan is mentioned. In Hong Kong, we have the "Chiparee" Gomeses, as well as the "Capí (squeeze) Galo" Gomeses. The latter reportedly had an ancestor who was fond of cockfights and carried his fighting cocks tucked between elbow and armpit (thus, capí galo). So they tell me.
And then there is the Sousa family, nicknamed Gogo, where each member is identified by his position in the family hierarchy, thus: Gogo Pai (fathear), Gogo Mano (eldest brother), Gogo Filho (son), Gogo Chai, and last but not least, little Goguinho.

Famílias: Ozorio e Graça

First of the Litter
Elder brothers and sisters are frequently called Mano and Mana, often for life: as in Mano Rodrigues, Mano Osmund, Mana Ozorio. At the other end, the youngest are differentiated by names such as "Ah Lai" (Amah Cantonese for "last one"). When it comes to the girls, little Maria becomes "Marie Chai."

Diminutives and Shortenings
The diminutives used within a family would often carry over to the outside. Luizito became Ito; Emerico and Frederico became Ico; Filomeno became Meno; Agapito became Pito; Lourenço became Chencho or Encho; and Belarmino became Bino.

Servants
An Amah's pronunciation could wreak havoc on venerable Portuguese names. Henrique became Ariri, Artur became Atutu. This was probably the way an entire family ended up with their colorful names: Afit, Alichi, Ah Gai, Ah Johnny. The older generation of a clan often bore nicknames that probably came from a childhood with servants: Riri, Merlie, Assau, Ahu, Bachai and Banui.

Food Nicknames
As an integral part of our heritage, food also has found expression in filho de Macau nicknames. There were the two Rosario brothers known as "Chap Siu" (roast savoury pork) and "Siu Arp" (roast duck) respectively, not to be confused with a later Willy "Siu Arp" Gutierrez. And then there were the two Macau Xavier brothers: "Isso" and "Chouriço" (a Portuguese sausage). There was "Tau See" (black bean) Carvalho, Victor "Paio" (another Portuguese sausage), João "Papaya," José "Vaca" (cow) and his brother Charlie "Vaca, "Meme" Ade Salgado" (salt duck), Annui "Chin Tooi," Mally "Muchi," and a greying senior who was for evermore known as "Baby Lactogen." And finally there was that dark gentleman who would smother his torso with Johnson's Baby Powder after every shower, earning for himself the name Ladoo (a dark dessert covered in white bean powder).

Up Front and Personal
We had two Dicky Noronhas, one dark and one fair. They were distinguished by the filho de Macau as Dicky Blackand Dicky White. Simple. Among the many Maries, we had Mary Doida (mad) , Marie Gorda (fat), and Marie Surda (deaf). And a gentleman with a bulbous nose resembling a Swatow tangerine was called "Chiu Chow Kum" (though not to his face). There was a pockmarked old gentleman who was nicknamed Henrique "Pique Pique." Another whose voice sounded like Donald Duck became known as "Quack Quack." And a friend whose upper front teeth were missing became Lichi "Goal Post."

Família Ribeiro: década 1920-30

General Nicknames
At one time in Macau there was a plague of Chicos: "Chico Tau Nai"; "Chico Fi-Sen" (Nickel); and "Chico Maluco" (mad) among others. In Hong Kong we had "Chico Pangalhadas" (commotion). There was Carlito "Tao Gai" (Chicken Stealer) in Macau, who was also known as Carlito "Doido" (mad) in Hong Kong; "Mano Mono" (dumb eldest brother), "Meno Niu Poon" (Chamber Pot); Gung Gung; "Soh Chung"; "Macaco Velho" (old monkey); José "Putao"; Julio "Fé Fé Fé"; "Defunto" (deceased); Ana "Boogana": Olga "Bofetada" (slap); "Tay Maka Tay" (Three Musketeers); "Chi Fat"; "Cau Sut"; "Tok Tok" (crazy); To See Gai; Duro-Duro (Hard-Hard) and his brother Mole-Mole (Soft-Soft); and "Patak" and "Pitak" Gutierrez, well known Matomoro brothers.

Conclusion
I have to end. But remember this treatise is not meant to be comprehensive. So if you or yours were left out, please do not be offended. You may well be included in a later work.
However, if you or yours received honorable mention, then also do not take offence. What I have been trying to show is simply that popular and colorful individuals often carry distinctive and colorful nicknames. As I said at the outset, we filhomacaus just seem to have a knack for acquiring nicknames.
Livro de Jorge Forjaz, de 1996, em 3 volumes já abordado neste blog
Para ficar a saber mais sobre o tema sugere-se a participação numa palestra que terá lugar esta 5ª feira, às 18h30 na Casa de Macau em Portugal (Av. Almirante Gago Coutinho, 142 Lisboa): "À conversa com... Jorge Forjaz - Famílias Macaenses"

sábado, 19 de setembro de 2015

Carta registada da China para Macau: 1951

Carta registada enviada da China para Macau tendo chegado ao território a 6 de Março de 1951. O carimbo da "Estação Central" dos "Correios e Telégrafos de Macau" comprovam o facto.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O fim do "Macau Palace", o casino flutuante

 Imagem dos primeiros anos do "Macau Palace" - arquivo AHU
Soube pela imprensa local que o casino flutuante "Macau Palace" vai sair da zona do Fai Chi Kei local onde estava atracado já há alguns anos, sendo depois levado para a China terminando assim um ciclo de 'vida' de quase 50 anos.
Inaugurado a 26 de Maio de 1962, o "Macau Palace" foi o primeiro casino de Stanley Ho e da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (S. T. D. M.) - o do hotel Estoril só surgiu em 1963 - e tornou-se uma presença habitual na Ponte 12 B do Porto Interior, muito perto da Rua das Lorchas. Outro dos seus atractivos era o restaurante de comida chinesa. Num anúncio da época (1966) pode ler-se "Ambiente aprazível e confortável. Excelente comida chinesa. Ar condicionado".
Embora se tenha mantido atracada no Porto Interior praticamente desde 1962, ao longo dos tempos foi sofrendo ligeiras adaptações na decoração e trabalhos de manutenção (a última mais significativa foi em 1996), e houve uma época em que chegou a estar atracado na zona do Porto Exterior (2006). 
Dos tempos áureos, fica para a história a utilização do espaço em várias cenas de um dos filmes da saga do agente secreto ao serviço de sua magestade, o James Bond 007, em "O Homem da Pistola Dourada", na década de 1970.
Já na fase final de 'vida' - estava desactivado desde 2007 - e face ao boom da oferta no território, o casino flutuante era considerado o mais pequeno e pacato de Macau.
Os seus dois pisos albergavam seis mesas de "baccarat", duas de "blackjack" e outras duas para o "dai-siu" e "sic-bo". Tinha ainda salas privadas e uma pequena sala com slot-machine.
Em 2007 os proprietários chegaram a falar numa adaptação para uso exclusivo de slot-machines com o nome de Paradise Casino e em 2012 avançaram com a ideia de fazer do espaço um museu. Nenhuma das soluções foi por diante.
No blog existem dezenas de posts sobre este símbolo da história do jogo em Macau. Sugiro que utilizem o campo de pesquisa e por certo encontram estes.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Capturado na Casa de Meretrizes em 1880

“Tendo-se recebido a participação ontem pela 1 hora da noite de que o comandante do 2º batalhão do regimento do ultramar foi assassinado na sua residência, e como se desconfiasse que o autor daquele crime tivesse sido um soldado do mesmo batalhão que se ausentou da guarda do tesouro à meia noite abandonando o posto da sentinela, deram-se logo as necessárias providências para a captura daquele soldado, saindo por essa ocasião algumas praças de piquete; pelas 8 horas da madrugada, foi capturado na casa de meretrizes nº 15 da rua do Bocage, o soldado nº 21 da 3ª companhia daquele batalhão, Agostinho Pacheco, tendo ao seu lado a espingarda e as correias, sendo-lhe encontrados cinco cartuchos na cartucheira e cinco patacas e sessenta e cinco avos. 
Por ordem de S. Exª. o Governador, foi o dito soldado entregue a uma escolta daquele batalhão. Secretaria do comando geral da Guarda Policial, 5 de Novembro de 1880. O comandante geral, Francisco Augusto Ferreira da Silva, Tenente-coronel”. 
Publicado no Boletim Oficial 
Ocorreu-me este post - cuja história decorre na Rua do Bocage - a propósito de mais um aniversário (250 anos) do nascimento do poeta (1765-1805).
António Manuel Couto Viana, no artigo "Bocage no Extremo Oriente" publicado na Revista de Cultura, Nº. 37 Out./Dez. 1998, escreve assim (excerto):
"(...) A 7 de Abril de 1789, o poeta sadino chega a Damão, nomeado tenente do regimento de infantaria de Terço, ali aquartelado.Mas, no dia seguinte, desertor, escapa-se para Surrate, de onde embarca para Macau. Andava neurasténico, dominava-o uma doença grave, detestava a terra e as gentes, padecia com o silêncio de Gertúria, a mulher amada que deixara no distante Outão, entre laranjais e águas de safira.
Pensara mesmo no suicídio. O espírito pedia-lhe liberdade, novos horizontes e aventura e de olvido. Lá pela Europa soprava, forte, destruidor do velho mundo, o furacão francês da Revolução. Um outro, mais benigno, nascido dos mares irrequietos da China, arrebatava o poeta ("Até que aos mares da longínqua China / Fui por bravos tufões arrebatado") para Cantão, por onde vagueia esfarrapado e faminto ("E mais mísero eu, que habito o remoto Cantão"); "Mísero de mim que em terra alheia..."; "A fértil China... / Te viu com lasso pé vagar mendigo"). Muito provavelmente acolhido numa das feitorias estrangeiras dessa fabulosa cidade, quiçá a inglesa, não tardou a arribar a Macau, governada interinamente pelo desembargador Lázaro da Silva Ferreira, após o falecimento do governador Francisco Xavier de Mendonça Corte Real, em 1789. (...)
É o comerciante Joaquim Pereira de Almeida que recebe, com a maior gentileza, Manuel Maria Barbosa do Bocage e se presta a apresentá-lo, quer a Lázaro Ferreira, quer a algumas famílias importantes da terra. O poeta não se esquece de agradecer a todos com um punhado de versos elogiosos. A Joaquim Pereira de Almeida dedicou uma elegia, chamando-lhe "bom benfeitor, bom caro amigo".À Senhora D. Maria Saldanha Noronha e Menezes, dama distintíssima de distintíssima família, então vivendo em Macau, casada e com filhos, de exemplar virtude, Bocage não deixa de rogar-lhe, numa ode a que deu o título significativo de Esperança, que o auxilie a regressar a Portugal. Marília é, à maneira árcade, o nome que atribui à nobre Dama, dotada de grande beleza física e, igualmente, de grande beleza moral. Eis parte da composição, naturalmente hiperbólica, que o poeta depõe aos pés daquela de quem aguardava poderosa intervenção para alívio das suas inquietações e solução da sua grave situação de desertor:
"Musa, não gemas, ergue, ó desgraçada
O rosto macilento
Da vista a frouxa luz, quase apagada.
Nas lágrimas que vertes, Musa, alento!
Move trémula planta,
Pisa receios, e a Marília canta.
Canta da ilustre Dama a gentileza,
A prole esclarecida,
Os dons da sorte, os dons da natureza,
As prendas com que a vês enriquecida:
E, depois de a louvares,
Torna os teus choros, torna os teus penares.
Ah, que já sinto, milagroso objecto,
Quanto pode o teu rosto!
Da malfadada Musa o torvo aspecto
Já cora, já se vai do meu desgosto
Sumindo a névoa densa.
Que desfaz, como o sol, a tua presença.
Inclina, pois, magnânima senhora,
Os clementes ouvidos
Á voz que não profere, aduladora,
Altos encómios de razão despidos:
A verdade celeste
Com seu cândido manto os orna e veste.
A ti, dignos de ti, Marília, voam;
A ti, bela heroína
Cujas mil graças mil virtudes c'roam;
A ti, que enches de glória a fértil China,
Enquanto a que te adora,
Mísera Pátria, tua ausência chora.
As deidades, criando-se, exauriram o seu cofre divino;
Os seus encantos para sempre uniram
Em aúreo laço o mais feliz destino.
E eis os dons com que brilhas
Reproduzidos nas mimosas filhas."

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Yuet Wah: lançamento da primeira pedra

O Colégio Yuet Wah College celebra este ano 90 anos de existência. Foi fundado em Cantão em 1925 por duas chinesas católicas: Liu Fong Kei (directora) e Tam Kai Man (assistente). A instituição seria registada no Serviço Provincial da Educação de Cantão em 1927. Devido aos distúrbios políticos e sociais ocorridos nessa cidade Miss Liu transferiu a sua escola para Macau em 1928, para um prédio da Estrada da Vitória. 
Pouco tempo depois o governo de Macau cedeu um terreno à instituição para a construção de um novo edifício. Foi promovida uma subscrição na China e no estrangeiro, sobretudo Estados Unidos, e obteve-se o dinheiro para inaugurar o novo edifício em 1935.
Nas imagens o gov. Bernardes de Miranda e a mulher juntamente com os responsáveis do colégio Yuet Wah na cerimónia de lançamento da primeira pedra - 1933 - do novo edifício da escola cuja fundadora - Miss Liu - se pode ver na imagem em baixo do lado direito. A placa que assinalou o acto (imagem de cima) resistiu até aos dias de hoje.
 
Com a invasão da China pelos japoneses em 1937 Macau passou a acolher centenas de milhar de refugiados e o colégio passou a ser gratuito "onde além da literatura e aritmética, se ministravam as regras de boa educação e se ensinava a fazer sabão e outras artes domésticas para os pobres ganharem o seu sustento. 300 pobrezinhos beneficiaram desta escola", segundo Monsenhor Manuel Teixeira.."
Por causa da crise económica desses anos "a escola viu-se privada de todo o auxílio estrangeiro e não poderia continuar a viver. Nessa altura os Salesianos planeavam fundar uma Escola Secundária para a juventude chinesa. Ao saber disto, Miss Liu dirigiu-se ao P. Mário Acquistapace, director do orfanato Salesiano da Imaculada Conceição, pedindo-lhe que tomasse conta da sua escola." Em 1948 o colégio passou a ter uma secção inglesa. 
No início da década de 1950 o Boletim do Governo informava que “Este Colégio tem, actualmente, 800 alunos do curso chinês e 200 do curso inglês. Esta frequência deve-se ao prestígio alcançado por este Colégio e sólida formação obtida pelos seus alunos, graças a mestres competentes que têm elevado o nível cultural deste estabelecimento superior de ensino. Muitos são os rapazes que, com o curso geral do Colégio «Yuet Wah», frequentam hoje a Universidade de Hong-Kong, tendo sempre dado absolutas da solidez do ensino ali ministrado".
Localizado na Estrada da Vitória o colégio é frequentado apenas por rapazes. Pouco depois do colégio D. Bosco (Estrada Ferreira do Amaral) ter fechado em 1999 o antigo colégio D. Bosco (dos salesianos) espaço passou a chamar-se Colégio D. Bosco (Yuet Wah) passando a albergar o ensino primário (secções inglesa e chinesa) e ainda o ensino secundário.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Bilhete Postal: 1905

Enviado de Macau (China) a 5 de Setembro de 1905 chegou a Lisboa (Portugal) exactamente um mês depois.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Camilo Pessanha e Fernando Pessoa em 1915

Camilo Pessanha com a afilhada Ângela Gracias, em Macau, a 6 de Setembro de 1915, véspera da sua última partida para Portugal. Postal editado pelo IPOR em 1990.
É uma fotografia com 100 anos... Em 1915 foi também o ano em que Fernando Pessoa escreveu esta carta para C. Pessanha:
Ex.mo Senhor Dr. Camilo Pessanha, Macau
Há anos que os poemas de V. Exa. são muito conhecidos, e invariavelmente admirados, por toda Lisboa. É para lamentar — e todos lamentam — que eles não estejam, pelo menos em parte, publicados. Se estivessem inteiramente escondidos da publicidade, nas laudas ocultas dos seus cadernos, esta abstinência da publicidade seria, da parte de V. Exa., lamentável mas explicável. O que se dá, porém, não se explica; visto que, sendo de todos mais ou menos conhecidos esses poemas, eles não se encontram acessíveis a um público maior e mais permanente na forma normal da letra redonda.
É sobre este assunto que assumo a liberdade de escrever a V. Exa. Decerto que V. Exa. de mim não se recorda. Duas vezes apenas falámos, no “Suíço”, e fui apresentado a V. Exa. pelo general Henrique Rosa. Logo da primeira vez que nos vimos, fez-me V. Exa. a honra, e deu-me o prazer, de me recitar alguns poemas seus. Guardo dessa hora espiritualizada uma religiosa recordação. Obtive, depois, pelo Carlos Amaro, cópias de alguns desses poemas. Hoje, sei-os de cor, aqueles cujas cópias tenho, e eles são para mim fonte continua de exaltação estética.
Não escrevo estas coisas a V. Exa. para seu mero agrado, adulando. Elas são a expressão sincera do modo como sinto as composições a que me reporto. Nem sequer cito este prazer, que os seus poemas me deram, com o restrito fim de apoiar em frases que possivelmente sensibilizem o pedido que venho fazer. A ordem dos factos é outra: é porque muito admiro esses poemas, e porque muito lamento o seu actual carácter de inéditos (quando, aliás, correm, estropiados, de boca em boca nos cafés) a que ouso endereçar a V. Exa. esta carta, com o pedido que contém.
Sou um dos directores da revista trimestral de literatura “Orpheu”. Não sei se V. Exa. a conhece; é provável que a não conheça. Terá talvez lido, casualmente, alguma das referências desagradáveis que a imprensa portuguesa nos tem feito. Se assim é, é possível que essa notícia o tenha impressionado mal a nosso respeito, se bem que eu faça a V. Exa. a justiça de acreditar que pouco deve orientar-se, salvo em sentido contrário, pela opinião dos meros jornalistas. Resta explicar o que é “Orpheu”. É uma revista, da qual saíram já dois números; é a única revista literária a valer que tem aparecido em Portugal, desde a “Revista de Portugal”, que foi dirigida por Eça de Queirós. A nossa revista acolhe tudo quanto representa a arte avançada; assim é que temos publicado poemas e prosas que vão do ultra-simbolismo até ao futurismo. Falar do nível que ela tem mantido será talvez inábil, e possivelmente desgracioso. Mas o facto é que ela tem sabido irritar e enfurecer, o que, como V. Exa. muito bem sabe, a mera banalidade nunca consegue que aconteça. Os dois números não só se têm vendido, como se esgotaram, o primeiro deles no espaço inacreditável de três semanas. Isto alguma coisa prova — atentas as condições artisticamente negativas do nosso meio — a favor do interesse que conseguimos despertar. E serve ao mesmo tempo de explicação para o facto de não remeter a V. Exa. os dois números dessa revista. Caso seja possível arranjá-los, enviá-los-emos sem demora.
O meu pedido — tenho, reparo agora, tardado a chegar a ele — é que V. Exa. permitisse a inserção, em lugar de honra do terceiro número, de alguns dos seus admiráveis poemas. Em geral publicamos em cada número bastante colaboração de cada autor, de modo que, apesar de a revista ter 80 páginas, os colaboradores de cada número não têm passado de 7 (8). Isto é para indicar que sobremaneira estimaríamos que nos concedesse a honra de publicar umas dez a vinte páginas de sua colaboração. Entre os poemas que era empenho nosso inserir contam-se os seguintes: “Violoncelos”, “Tatuagens”, “O Estilita” (só conheço, deste, o segundo soneto), “Castelo de Óbidos”, “O Tambor”, “Nocturno”, “Passeio no Jardim”, “Ao longe os barcos de flores”, “O meu coração desce...”, “ Passou o Outono já”, “Floriram por engano as rosas bravas...”, “O Fonógrafo”. Ao soneto que considero o maior de todos os seus, e é sem dúvida um dos maiores que tenho lido — “Regresso ao Lar” — , não me refiro, visto que o seu assunto, infelizmente, inibe (e creio ser essa a vontade de V. Exa.) que ele se publique.
Podia V. Exa. fazer-nos o favor que pedimos? Nós não pedimos só por nós, mas por todos quantos amam a arte em Portugal; não serão muitos, mas, talvez por isso mesmo, merecem mais carinhosa atenção dos poetas. Se fosse possível enviar-nos mais colaboração do que esta que indiquei, dobrado seria o favor, e sobradamente honradas as páginas da nossa revista.
Como correm por aqui várias versões, mesmo escritas, dos seus poemas, pedíamos que — caso quisesse anuir ao nosso pedido, no que julgamos que não terá dúvida — ou nos enviasse cópia exacta deles, ou — caso isso o incomodasse — nos indicasse a quem, aqui, nos devamos dirigir para obter essas cópias.
Como nos parece que estamos abusando do tempo e da paciência de V. Exa., e como esta carta segue registada, basta-nos, para resposta, um postal — ainda que uma carta registada, contendo as cópias ou a indicação pedida, fosse preferível — , ou, caso V. Exa. não queira dar-se ao incómodo de nos enviar esse postal, basta (cremos não abusar combinando assim) que V. Exa. não nos responda negativamente para nos considerarmos autorizados. Nesse caso guiar-nos-emos pelas cópias que nos parecerem mais conformes à constante psíquica do seu pensamento poético. O preferível, porém, era que V. Exa. nos enviasse as cópias dos poemas.
Confessando-me, pelo “Orpheu”, desde já altamente grato e honrado com o envio dos seus poemas, subscrevo-me, com o maior respeito e admiração.