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domingo, 16 de novembro de 2014

Catedral de São Paulo desenhada por Leonardo Da Vinci?

Angelo Paratico, que prepara um livro sobre a ligação do génio italiano ao Oriente, encontrou uma imagem de um esquisso de Da Vinci com características muito semelhantes à catedral de Macau. E pensou: será que?


É uma teoria sobre um facto que aconteceu há quase 400 anos, mas ainda assim, Angelo Paratico, jornalista e escritor que vive em Hong Kong há mais de 30 anos, arrisca-se a colocá-la: será que a catedral de São Paulo, em Macau, foi inspirada num esboço de uma basílica feita por Leonardo Da Vinci?

A hipótese de relacionar o génio italiano e a igreja de Macau ocorreu há poucos dias, quando o escritor estudava um livro de reproduções de esboços de Da Vinci guardados em Veneza.“Fiquei impressionado com o facto de aquele esboço ser barroco quase 50 anos antes [de o estilo arquitectónico se ter popularizado] e porque era muito semelhante à catedral de São Paulo, em Macau”, explica Angelo ao PONTO FINAL por email.
O autor, que acaba de escrever um livro sobre Leonardo Da Vinci e o Oriente, ainda em revisão, publicou a sua teoria no blogue Beyond Thirty-Nine. Lá justifica a hipótese que reconhece ser “pouco convencional” e que mais tarde aprofundou ao PONTO FINAL.
Os esboços do projecto da catedral de São Paulo, construída pelos jesuítas entre 1602 e 1640, foram feitos por Carlo Spinola, que morreu como mártir no Japão antes de a construção terminar (incluindo a sua fachada). Até agora, acreditava-se que a inspiração do italiano tinha sido a igreja de Chiesa del Gesù, em Roma (1584), mas Angelo coloca outra hipótese. “Carlo Spinola poderá ter visto um desenho de Leonardo Da Vinci guardado na Academia de Veneza e ter-se inspirado nele”, sustenta o italiano sobre o desenho que deve datar entre 1513-1516.
A principal razão para o autor considerar provável que Carlo Spinola (1564-1622) tenha visto o esboço de Leonardo Da Vinci tem a ver com a proximidade da família Spinola aos Melzi, os descendentes de Francesco Melzi, discípulo de Da Vinci, e que guardou o esboço da basílica.“As semelhanças entre o desenho de Leonardo e a fachada da Catedral de São Paulo, em Macau, são de facto impressionantes, mas é possível que Spinola tenha alguma vez visto o esboço de Leonardo? A resposta é sim, pois ele começou a estudar em Milão e Roma em 1584 (…) e o certo é que de 1521 a 1568 e entre 1586 até 1590 era fácil ver os esboços de Leonardo em Milão, Pisa e Roma”, sustenta Angelo. Mais, continua o autor: “Sabemos através de várias fontes que Francesco Melzi [discípulo de Da Vinci] tinha muito orgulho nos esboços de Leonardo e os mostrava a todos os interessados neles.”
Da Vinci a Oriente
Nos últimos anos, Angelo Paratico publicou quatro livros de ficção, fez traduções de italiano para inglês e de chinês para italiano e escreveu ainda “500 years of italians in Hong Kong & Macau”, um registo da presença italiana nas duas regiões administrativas especiais.
Neste momento, o também colaborador do jornal South China Morning Post, terminou “Leonardo Da Vinci. A Chinese scholar lost in Renaissance’s Italy”, livro que explora a relação entre Leonardo e o Oriente e está em fase de revisão.
A ligação de Angelo Paratico a Macau também é antiga. O italiano começou a interessar-se por Carlo Spinola e a catedral de São Paulo por força da sua amizade, desde os anos 1990, com o padre Manuel Teixeira, religioso já falecido e que tinha interesse pelo levantamento e arquivo historiográfico de Macau. Nessa altura, o parceiro de negócios de Paratico era Marquis Carlo Spinola, descendente directo de Carlo Spinola.
Em Macau, Paratico também conhece César Guillén Nuñez, historiador de arte e especializado no papel dos jesuítas como pioneiros artísticos na troca Ocidente-Oriente. No entanto, o italiano não partilhou com o especialista a sua teoria sobre a relação de Da Vinci e Macau. “Não discuti esta possibilidade empolgante com o meu amigo César apesar de imaginar que ele defenda que se a catedral de São Paulo tivesse sido construída em 1520, por exemplo, talvez se pudesse traçar uma ligação directa com Leonardo. No entanto, como a catedral foi construída quase cem anos depois, [ele] defenderá que Spinola se tenha inspirado em outras igrejas que foram construídas entretanto”, antevê Paratico.
Contactado pelo PONTO FINAL, Cesar Guillén Nuñez disse considerar a teoria “muito interessante”, mas que precisa de analisar melhor os factos para dar uma opinião esclarecida sobre o assunto.


Artigo de Patrícia Silva Alves publicado no Ponto Final 9.11.2014.
Basilica, Venice, Gallerie dell’Accademia, 238 v.
A seguir, o artigo, em inglês, de Angelo Paratico.

The Cathedral of Saint Paul (Sao Paulo) was built by the Jesuits from 1602 to 1640 at the very centre of Macau. The construction drawings were originally drawn by the blessed Carlo Spinola s.j. (1564 – 1622) who was later martyrized in Nagasaki, Japan.Today this church lays in ruin, after a fire had destroyed the main building during the XIX century. The only standing part is the stone façade—intricately carved and completed only between 1620 and 1627 by exiled Japanese and local craftsmen.
It was always tought that Carlo Spinola took his inspiration for the façade from the Chiesa del Gesù in Rome (opened in 1584) but we are here putting forward a new, rather borderline, idea: Carlo Spinola may have seen a drawing by Leonardo Da Vinci kept at Venice’s Academy (Basilica, Venezia, Gallerie dell’Accademia 238 v.) and took inspiration from it.
The documents now in Venice were from a donation made by Giuseppe Bossi in 1822 but they are all coming from the private collection of Francesco Melzi (1471 – 1568) a disciple of Leonardo who took back all his notebooks from Amboise, France, around 1520 and, after Melzi’s death, his son Orazio stored them away ‘in a neglected attic’ of his villa in Vaprio d’Adda. So neglected that in April 1587 Lelio Gavardi d’Asola a teacher to the Melzi’s children, stole most or all of them to Pisa. Ambrogio Mazenta convinced him to have them returned but in 1590 Pompeo Leoni, a sculptor working for the Spanish Court, purchased the lot from Orazio Melzi and took Leonardo’s notebooks to Madrid.
Venice indeed possess few of Leonardo Da Vinci’s works but most of them are very famous, one is the celebrated Vitruvian man, second only to Mona Lisa for popularity, expecially after the planetary success of Dan Brown’s Da Vinci Code.In Venice we find also what is perhaps the most mysterious architectural drawning by Leonardo.(1) His sketch of a Basilica.
This sketch for a façade was traditionally assigned to the year 1490 but it is today seen as one of his late works: according to Carlo Pedretti it should be assigned to the years 1513 – 1516. The great Leonardist Heyderreicht saw in it: ‘A firmly Gothic construction, only apparently belonging to the Renaissance and very impressive for the plastic-dynamic new style.’ (2) Atkin also underlines its striking Baroque characters. (3)
The similarities between the sketch by Leonardo and the façade of the Church of San Paul of Macau are indeed impressive, but is it possible that Spinola had ever seen this drawing by Leonardo? The answer is yes, it is indeed possible because he studied in Milan and Rome starting from 1584 and, after having been ordained a priest in 1594, in 1596 he departed to China and Japan. What is certain is that from 1521 to 1568 and from 1586 until 1590 all the drawings of Leonardo Da Vinci were easily available and visible in Milan, Pisa and Rome, only after 1590, having been taken to Madrid, they were no longer easy to see.
Carlo Spinola, like all Jesuits dispatched to the East had to undergo a rigorous and intensive artistic as well as scientific training – he later taught mathematics and astronomy in Kyoto - and Jesuits understood earlier than others that to be accepted in China and Japan meant to be proficient in several disciplines, not only in theology and philosophy.
1. Firpo L. Leonardo Architetto e Urbanista Torino, 1963. On the recto we find notes and drawings about gravity, arms’ movements and falling of weights, which should be dated before the year 1500.
2. Heydenreich L.H. Die Sakralbau-Studien Leonardo da Vinci’s Leipzig, 1929.
3. Arking D. The Ideas of a great architect Rome, 1952. This sketch ‘anticipating a new style’ has been described by several authors. Leonardo is not copying any existing church but he is creating something new. The dating vary greatly: from 1490 until 1514. See also Maltese 1954 p. 358; Brizio, 1964 p. 402; Cogliati Arano, 1966, p. 23-25; Pedretti 1977, p.373; Pedretti 1978 p. 254-255; Cogliati Arano 1980, p. 45-47.

NOTA: Poucos dias depois da publicação deste artigo, César Guillén Nuñez, especialista no monumento, numa entrevista à TDM considerou a hipótese pouco provável. O investigador do Instituto Rici reconhece, contudo, que existem semelhanças intrigantes entre o esboço de Da Vinci e o que resta da Igreja da Madre de Deus. O desenho de Da Vinci, refira-se já se conhecida há várias décadas.

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