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sábado, 8 de março de 2014

Uma "dama"... no Dia Internacional da Mulher

Esta Dama, que tive o privilégio de conhecer, tem a ver com Macau. Por incrível que pareça, é verdade! Quando era criança, nos anos 1930, andou no liceu onde está hoje o Instituto Cultural de Macau, ao Tap Seac , na esquina com a rua que vai para o Cemitério S. Miguel, onde repousa o pai, que aqui faleceu, em Macau, em 1938.
Em 1995 tivemo-la em Macau na minha casa, no Edifício Coutinho, eu e a Belinha. Quis fazer a romagem de saudade ao S. Miguel sozinha, onde acabou por descobrir, feliz, os palmos de terra onde ainda repousava o pai! Não tinha a certeza de que a iria encontrar e muito menos que ainda existia a campa! Mas existia e encontrou-a. Pediu-me que a acompanhasse à antiga residência onde havia vivido. Assim fizemos. Lá fomos a pé, devagarinho, até à Rua da Vitória, a do Hotel Royal, em busca da tal residência, numa manhã de sábado. Mal entrámos na Estrada da Vitória, identificou-a à esquerda. ‘’É esta’’, disse ela. A casa era, e ainda é, lar de abrigo a moças desvalidas e hoje também de acolhimento a vítimas do tráfico humano. (Imagino-a menina e moça, de sacola ao ombro, em direção ao liceu, passando pelo Jardim da Vitória e atravessando o Tap Seac).
Batemos à porta, explicámos o motivo da visita, e as irmãzinhas deixaram-nos entrar e fizemos o circuito da casa, com ela a dizer-me a disposição que o lar dela havia tido.
Deixou para o fim um quarto. O da esquina. Ali pediu-me para a deixar em recolhimento, pois tinha sido ali que o pai dera o último suspiro. Muito sentida esta visita de saudade e respeito pela memória de um ente querido. Comoveu-me e à Belinha também, quando lhe contei, pois também ela conservava na memória a lembrança e a saudade do pai querido, falecido em 1985 um mês depois de chegarmos a Macau.
No momento em que esta Dama se foi juntar ao pai (10 de fevereiro), faço-lhe finalmente a minha homenagem pessoal sentida, recordando publicamente esse momento inspirador de memória, consideração e respeito pelos que nos antecederam neste plano terreno, a uma Dama que foi ícone de resistência e combate pelos direitos humanos, à Mulher que foi uma Senhora, uma Resistente, uma Advogada (uma das últimas intervenções dela como advogada foi num julgamento feito por mim num dos Juízos Criminais de Luanda, cerca de 1977-1978), uma Magistrada (foi Juíza substituta das Varas Cíveis de Luanda e Conselheira do Supremo de Angola, estando jubilada), uma Jurisconsulta, uma Professora Universitária, uma Autora Jurídica, uma Democrata, minha vizinha em Luanda durante anos, após a Independência, uma Amiga, Mãe extremada, e, como se viu, uma Filha que nunca esqueceu o pai deixado para trás, quando a mãe, viúva e com dois (?) filhos, teve de emalar as trouxas e sair de Macau, a tempo de evitar a situação de ‘’prisioneira’’ em Macau, aguardando pelo fim da Guerra do Pacífico.
Dizia-me ela que se não têm partido imediatamente antes do eclodir da Guerra, por aqui teriam ficado. Como aconteceu com o meu amigo e grande escritor macaense Henrique Senna Fernandes, que aqui teve de esperar pelo fim da Guerra para ir finalmente para Coimbra cursar Direito. Senna Fernandes… de quem ela era amiga e com quem foi almoçar, sempre acompanhada por mim, ao restaurante Porto Interior, de comida macaense, pejado de fotos do Macau antigo e de pessoas desta terra, e muito em voga nos anos 1990, após a muito concorrida e épica inauguração. Acompanhei-a também ao Centro De Formação Jurídica e Judiciária de Macau, aos cuidados, nesse tempo, do hoje Conselheiro do STJ Sebastião Póvoas.
Finalmente, uma curiosidade: há fotos dos pais e do tio desta Dama, folgando o Carnaval no Grémio Militar, fotos essas penduradas ainda hoje nas paredes do Clube Militar, e nas quais ela, de foto em foto, foi-me apontando e identificando os familiares (o pai, a mãe, o tio). E não só: a ela própria, ainda menina, acocorada com outras crianças desse ano longínquo da década de 1930 (ver fotos). Quantas vezes não a indiquei, mais tarde, a amigos de Angola que a conheciam e que aqui vinham de visita. Inclusivamente à própria filha. Com o Paulo isso não aconteceu, ainda era muito recente a visita, o episódio ainda não tinha a patine das curiosidades.
Drª Maria do Carmo Medina - era assim que a tratávamos, eu e a Bélinha - lá onde estiver, dê um beijo à Bélinha. Ponham a conversa em dia, que ela gostava muito de si e tinha-a em elevadíssima consideração e amizade. Fez questão de lhe cedermos a nossa cama de casal na nossa casa; educação à antiga, esmerada e reverenciosa. Muito obrigado pela amizade que nos dedicou em vida. Faleceu uns dias depois de termos falado ao telefone. Tinha-lhe prometido ir vê-la a casa, antes de regressar a Angola. Falhei.
Perdoar-me-á certamente. Foi para mim um grande abalo a partida da Bélinha. Como foi para si.  Já só em Macau soube do seu passamento. Tinha sido mais ou menos na semana em que teria lá ido vê-la. Um dia nos veremos, mas noutro plano, que não já neste. Para já, tendo sido toda a vida uma incansável batalhadora, descanse em paz agora até ao próximo
retorno.
Texto e imagens de Eduardo Ribeiro a quem solicitei autorização para publicar este texto a
pensar no Dia Internacional da Mulher que hoje se assinala.
Maria do Carmo Medina (1925-2014), a primeira mulher a abrir um escritório de advocacia em Angola morreu em Lisboa vítima de doença prolongada no passado dia 10 de Fevereiro com 89 anos.
Nasceu a 7 de dezembro de 1925 e licenciou-se em Direito em 1948, tendo partido para Angola em 1950 devido às suas ligações à oposição contra o regime colonial português.
"Ilustre advogada", participou em quase todos os julgamentos de presos políticos angolanos e representou-os em inúmeras petições e recursos administrativos
dirigidos às autoridades coloniais, sendo recordada a sua intervenção como a advogada dos presos políticos angolanos do famoso "Processo dos 50".
Até 1976 exerceu advocacia em quase todos os tribunais em Angola, maioritariamente em representação de funcionários angolanos relegados para as mais baixas categorias do funcionalismo público, e em 1975 colaborou no projeto de Constituição previsto no Acordo de Alvor e na Lei da Nacionalidade.
Em 1976 adotou a nacionalidade angolana e foi nomeada Secretária para os Assuntos Jurídicos da Presidência da República. Em 1977 ingressou na Magistratura, sendo nomeada juíza do Tribunal Cível de Luanda, e em 1980 foi nomeada juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Luanda.
De 1976 a 1990 colaborou no Ministério da Justiça nos estudos e preparação de diversos projetos de Lei e regulamentos nas áreas de Direito Civil, Direito de Família, Registo Civil, Direito Administrativo, Direito Penal, organização judiciária e na elaboração de diversos estudos e pareceres.
De 1979 a 1980 participou no primeiro curso de advogados populares e de 1982 a 1992, integrou como colaboradora a Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia do Povo, precursora da atual Assembleia Nacional. 
Em 1989 foi professora titular da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, e em 1992 divulgou o Código da Família, tendo em 1990 sido nomeada vice-presidente do recém-constituído Tribunal Supremo, e foi eleita também presidente da mesa da Assembleia Geral da Associação dos Juristas angolanos. Em 1997 jubilou-se no cargo de juíza do Tribunal Supremo.
  

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