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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O "Auto-China" e a Travessa do Auto Novo

No "Toponímia de Macau" Monsenhor Manuel Teixeira explica as origens do nome dado a esta travessa: "Foi-lhe dado este nome por se representarem ali os autos chinas. (...) Em chinês chama-se Ch'eng P'eng Hong, ou Ch'eng Sán Kai ou Ch'eng P'eng Chek Kai; tem este nome por lá existir o Cineteatro Ch'eng P'eng, que é o prédio nº 23 dessa travessa, construído um pouco antes de 1907."
O Wing Wah, hotel chinês, ficava nesta travessa.
Bento da França, na obra "Macau e os seus habitantes" de 1897 explica o que era o auto china.
"O theatro chinez é chamado em Macau o auto china. Esta denominação, cremos, veiu do nosso antigo theatro, pois assim eram designadas as composições dramáticas, ou dramatico-lyrico-comicas, de Gil Vicente, etc, em que tinha cabida toda a espécie de acção séria e burlesca. A sala de espectáculo é quasi despida de adornos. O palco levanta-se a uns dois metros acima da platéa, fazendo-se as mutações de scena á vista, porquanto não existe panno de boca. No proscénio vêem-se alguns bancos para espectadores. A scena tem poucas decorações. Ao fundo, que é de madeira, ostenta-se, na parte superior, um enorme letreiro vertical, indicando o nome da companhia que funcciona; mais abaixo ha duas portas, a da direita para as entradas e a da esquerda para a saida dos actores. Os músicos collocam-se ao fundo da scena, entre as duas portas. De um dos lados estadeia um cartaz com o annuncio do espectáculo. Em todas as suas representações theatraes ostentam os chinas muito apparato, e, qualquer que seja a peça que levem, ha sempre personagens em abundância, rasão pela qual as companhias são numerosíssimas. Todos os actores pisam o palco com a maior affectação; quer declamem, quer cantem, mudam a voz para falsete, pois que não admittem a naturalidade em scena. Ha espectáculos mixtos, em que fazem exercícios acrobáticos difficultosos, tornando-se insignes em saltos mortaes. Por lá ainda Talma e Arlequim confundem as respectivas artes. Todo o material scenico, mobiliário, adereços, etc, etc, se cifra em: uma mesa, seis cadeiras e três cannas, ou bambus. 
Com varias combinações (festas três espécies de objectos, e a ajuda de alguns cortinados de chita, se substituem bastidores, pannos de fundo, gambiarras, bambolinas, No jogo scenico são também parcimoniosos em accessorios; um signal physico, ou um ademane convencional, bastam. Em contraposição com isto, são riquíssimos e muito luxuosos os fatos que vestem, conservando no theatro os antigos trajos, anteriores à invasão dos tártaros. O auto china dá funcções que começam ao entardecer e duram até ás quatro e cinco horas da manhã seguinte. Ás vezes ha também espectáculo do meio dia até ao pôr do sol. Durante todo este lapso de tempo, exhibem-se, sem interrupção, comedias, dramas, melodramas, tragedias, jogos guerreiros, saltos, etc, etc. A sala de espectáculo compõe-se de uma espécie de palanque, onde se accommodam as mulheres e chinas ricos, e da platéa destinada â arraia miúda, de envolta com ven- dedores de chá, de guloseimas, etc, etc, os quaes apregoam ali mesmo. Todos fumam e é frequente ver chinas estirados em bancos durante o espectáculo. As composições theatraes são quasi todas de um realismo pornographico revoltante e torpe, cousa com que os chins nada se molestam, comtanto que se não offendam os actuaes poderes públicos. As companhias, em geral, compõem-se só de homens; ha, porém, algumas, em que figuram apenas mulheres. Umas e outras têem actores encarregados do desempenho de papeis de sexo differente. No género cómico têem figuras bastante apreciáveis. O que mais desgosta o europeu n'aquelles espectáculos é a inferneira da musica e o desplante com que os culis (serviçaes) fumam e estadeiam a sua porcaria e bruteza no palco. Mas voltemos a occupar-nos do que se passa na scena.

Já dissemos quão exiguo era o seu material, vejamos agora como elles se arranjam para o figurado das cousas. Uma sala, por exemplo, fórma-se com a mesa ao centro e as três cadeiras em volta ; um salão rico é representado pelos mesmos moveis cobertos com pannos encarnados; uma alcova obtem-se unindo duas cadeiras, em cujas costas se prendem cannas sustentando um cortinado. Mais ainda ; para representar o oceano basta tombar uma cadeira, tapal-a com um trapo azul que diga hai (mar) ; figura-se uma igreja, ou grande cathedral, atando duas cannas á mesa, das quaes càe um cortinado com o dístico «templo»; querendo-se uma montanha, põem-se as cadeiras em cima da banca;  por ultimo, representa-se um bosque, espetando uma canna no meio da scena e atando-lhe um ramo verde no cimo. Igual simplicidade se nota na acção ou jogo scenico. Para que o publico supponha que vão a cavallo basta que se apresentem os cómicos com um chicote na mão. Personagem que tenha maus sentimentos, seja tyranno ou traidor na peça, pinta de branco o nariz e está revelado. Uma tira de papel branco posta nas orelhas converte o actor em alma do outro mundo. Levantar o pé direito significa transpor uma porta, cruzar os braços no peito, fechal-a. Os cómicos são mal vistos na sociedade chineza e classificados de escoria social, sem embargo o seu modo de vida é bastante rendoso. As companhias de actores chinezes são bastante numerosas, como já tivemos occasião de dizer. Ha companhias de primeira, segunda e terceira classes, variando o numero de figuras entre 60 a 120. Formam verdadeiras tribus nómadas, que viajam nos seus acaus, ou lorchas, com o guarda roupa próprio, cozi-heiro especial, etc, etc, demorando-se nas localidades para onde foram contratadas. Não acceitam compromissos para menos de seis, nem mais de nove representações. O publico dos theatros chinezes desconhece o que são applausos e pateadas, todavia, quando gosta, solta exclamações ruidosas, taes como ai-lô, etc, ctc. Se a peça não os satisfaz, lançam para o palco tudo quanto tèem á mão: fructas, bolos e até pedras."

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