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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Porquê 1999 e não 2007?

Houve zangas e vinho do Porto a mediar uma guerra de datas, com Portugal a tentar puxar por 2007. Mas o destino de Macau ficou decidido já no início dos anos de 1970, 14 anos
antes da visita de Eanes à China.

A data da transferência de Macau foi um dos pontos de maior tensão (se não, o principal) entre a República Popular da China (RPC) e Portugal, durante os nove meses de negociações. Com o ano de 1997 já apontado para Hong Kong, da parte chinesa havia urgência em cumprir o projecto de Deng Xiaoping de ter todo o país unido antes da viragem do século – o mais breve possível e abrindo caminho à reunificação com Taiwan. Para a parte portuguesa, não. E assim nasceu um conflito que teve como expressão máxima a zanga entre o então vice-ministro Zhou Nan e Mário Soares, à época Presidente.
No final de 1986, Zhou Nan estava em Lisboa e incompatibilizou-se com Soares por Portugal não aceitar as datas propostas pela China (1997 numa primeira fase; 1999, noutra). A questão acabou por ficar ultrapassada com a ajuda de Pinto Machado, Governador de Macau, que conseguiu que o vice-ministro fosse convidado para uma recepção oficial, abençoada por uma garrafa de vinho do Porto de 1927, o ano em que nascera Zhou.

"A data de 20 de Dezembro de 1999 resultou de um compromisso entre a posição inicial da China que desejava que a transferência de poderes coincidisse com a de Hong Kong e Portugal, que apontara para que a transferência tivesse lugar em 2007, 450 anos após a chegada dos portugueses a Macau", conta Pedro Catarino, que liderou a delegação portuguesa do Grupo de Ligação Conjunto entre 1989 e 1992. O embaixador clarifica a posição lusa: "Defendíamos que necessitávamos de um período de transição mais longo para evitar a diluição da individualidade de Macau perante a força do Interior da China e de Hong Kong". Já com 1999 aceite, faltava decidir o dia: 31 de Dezembro chegou a ser uma hipótese, mas metiam-se as férias de Natal. "Acordou-se na data, considerada mais conveniente do ponto de vista prático", resume Catarino.

A história das negociações ficou marcada por várias peripécias, entre elas o desaparecimento em S. Bento de uma cópia do documento sobre Macau assinado entre Portugal e a RPC, aquando do estabelecimento das relações diplomáticas, em 1979. "Custa-nos acreditar que só depois de realizadas três voltas das negociações é que se pensou em ir buscar o documento", insurgia-se, em 1987, o Tai Chung Pou.
O acordo de 1979, esclarece Pedro Catarino, "só veio confirmar o que a China já declarara, com a aceitação expressa de Portugal desta vez. Essa foi a única diferença. Nessa altura não se falou em qualquer data específica". Oito anos antes, a RPC anunciava já a criação das zonas económicas especiais de Zhuhai e Shenzhen e a revisão da Constituição rumo ao estabelecimento de regiões administrativas especiais.
O fim da cessão dos Novos Territórios de Hong Kong à Grã-Bretanha, em 1997, é hoje tido como o grande estímulo para os dois processos de transferência. Pedro Catarino recorda o encontro entre dois gigantes da política: "Isso mesmo foi dito por Deng Xiaoping a [Margaret] Thatcher em Setembro de 1982, quando esta insistiu na validade dos tratados internacionais para defender a continuidade da soberania inglesa sobre Hong Kong".

Três anos mais tarde, em 1985, o então Presidente Ramalho Eanes visita a China e é informado de que a RPC pretendia encetar negociações sobre a questão de Macau. "O processo que conduziu à Declaração Conjunta não foi desencadeado por qualquer evento fortuito ou circunstâncias de momento. Foi bem reflectido e planeado por parte da China, preparado à distância, com grande cuidado e minúcia", vinca Catarino.
O terceiro ponto controverso nas negociações tem que ver com o facto de a delegação portuguesa do Grupo de Ligação não integrar nenhum elemento da comunidade. Neto Valente escrevia na altura que, para negociar com uma equipa "superpreparada", Portugal mandava à China uma delegação que deixava "cair a suspeita de que tudo se resolve com a diplomacia de croquete". "Lembro-me muito bem dessas críticas e sempre respondi a elas da mesma maneira: não era por haver um membro macaense que as consultas teriam sido mais amplas", assegura, à distância de duas décadas, o ex-secretário adjunto António Vitorino, numa posição subscrita pelos negociadores.
Artigo intitulado "Nos bastidores das negociações" da autoria de Sónia Nunes publicado no jornal Ponto Final de 13-4-2012

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