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sábado, 22 de dezembro de 2012

Diário de Albertino Alves de Almeida

"E Qual é o Problema? Extractos do Diário de um Macaense", livro da autoria de Albertino Alves de Almeida editado em 2012. O livro reúne 21 "crónicas adaptadas e actualizadas a partir de relatos seus anteriormente publicados na Imprensa local em língua portuguesa, ou escritas de propósito para o livro, retratam, em discurso directo, situações curiosas, tristes ou divertidas, algumas inéditas, por quem as viveu por dentro."
No prefácio, Cecília Jorge, escreve que a obra permite a “descoberta de personalidades marcantes no seu tempo, que esse mesmo tempo acabou por ir apagando, mas também de outras figuras que, por uma razão ou outra, tiveram um papel preponderante no rumo da História mas acabaram por ficar de fora”.
Albertino, "Tino" para os amigos, foi funcionário administrativo de carreira, prestou serviço em Macau e nas ilhas (presidente do concelho), foi empresário, dirigente associativo e um dos desportistas mais polivalentes e populares de Macau na segunda metade do século XX. Fundou e dirigiu, em finais dos anos 70 do século passado, o “Jornal Luso-Chinês”.
Contra capa do livro
Excertos de uma entrevista a Hélder Fernando publicada no jornal Hoje Macau de 21-12-2012
Comecemos pelo título do livro.Porquê “E qual é o problema?”
Por 1971, quando veio cá uma delegação da Casa de Macau em Portugal, então presidida pelo Carlos Estorninho. Fui indicado pelo Correia Marques que era o director do Turismo onde eu na altura trabalhava, para receber a delegação e organizar as habituais visitas às entidades e locais, jantares, almoços, até coisas pessoais de algumas pessoas. Depois até foi feito um documento oficial em que me agradecem, precisamente o que pessoalmente me vinham fazendo. Eu dizia sempre que não tinham de agradecer e acrescentava, “tudo se resolve, qual é o problema?”. Era uma expressão habitual em mim que ficou como alcunha. Assim nasceu o título do livro “E qual é o problema?” Tenho outra frase habitual quando me perguntam como estou: vivendo e deixando viver os outros.
(...)
O seu objectivo foi sempre reunir toda a documentação e dar-lhe forma de livro?
Nem por isso, era mais com o espírito de registar para as coisas não se perderem na memória, minha e na de outros. Há um pormenor curioso que relato no livro, que foi decisivo para eu fazer este livro. Eu estava em Coloane desde o primeiro dia da Revolução Cultural. O comandante militar era o alferes Rogério Santos, que muito depois foi presidente do Leal Senado, membro comigo do Conselho Consultivo, sendo hoje médico. Ora eu escrevia frequentemente para a imprensa em língua portuguesa, em jeito de relatos de factos que via e sentia, ou em crónicas. Quando fiz 80 anos, o meu grande amigo Vittorio Acconci,  infelizmente já falecido, foi ter comigo e alertou-me para a eventualidade de se perderem os meus escritos que ele considerava muito interessantes e que deviam estar reunidos num livro. Nesse dia fui para casa muito impressionado com o que tinha ouvido. Andava com problemas do foro oncológico e tinha tido uma quebra, então perguntei ao Mário Évora, um magnífico médico, muito bom amigo, a quem muito agradeço pela sua competência e humanidade, se o meu coração estava bom para aguentar o resto. Como o dr. Mário Évora verificou que o coração estava forte suficiente, comecei logo a organizar melhor a minha papelada toda, a reescrever muitas notas, principalmente as que nunca antes publicadas, tudo sozinho e à mão. Uma das minhas filhas, a que está a estudar em Pequim, é que me ajudou neste ponto. Ela veio recentemente a Macau ao casamento da irmã mais velha, passou os manuscritos para o computador. Já estava com a ideia no livro.
(...)
Disse ainda ter muito mais documentação sua com histórias que viveu.
Pois tenho, muitas mais. Há muitos factos que devem ser contados, por exemplo, a primeira grande campanha de limpeza de Macau, há umas décadas. Ou pormenores que rodearam a criação de uma fábrica de rádios transístores que eu tinha, com um investidor chinês, claro, porque eu não tinha dinheiro para tanto. Ou ainda as quotas e as fábricas têxteis em Macau. Tantas coisas.
Também fundou um jornal bilingue.
Sim, depois do 25 de Abril de 1974, quando já se podia falar. O nome do jornal era Luso-Chinês, impresso nas duas línguas, portuguesa e chinesa. Em princípio era semanário, mas como vivia com muitas dificuldades por não termos o tempo requerido para a atribuição de qualquer subsídio, acabava por ir saindo sempre que possível. O que se lia em chinês não era necessariamente a tradução dos assuntos escritos em português. Tanto que a versão em língua chinesa tinha outro director, o conhecido jornalista Che Fok Sang. O jornal chegou a publicar em múltiplas edições da versão em língua chinesa, vários capítulos da História de Portugal, com fotografias de locais turísticos, etc. Dado que a comunidade chinesa desconhecia em absoluto a nossa História, eu decidi tomar essa iniciativa editorial. Foi no tempo do Governador Garcia Leandro.
Fala de alguns governadores que conheceu mais de perto com visível agrado. Foi até amigo de alguns e professor de ténis, pelo menos de Almeida e Costa, confirma?
Confirmo. E por dizer que falo com agrado dos governadores, não quer dizer que não tenha sido crítico e dito as minhas discordâncias mesmo directamente. Sabe, fui sempre um patriota. Para mim, o Governador  de Macau, escolhido pelo Presidente da República eleito pelos portugueses, era a primeira autoridade. Eu  não podia aceitar alguns insultos que alguns faziam, principalmente o Borralho, ficava chocado, escrevi várias vezes contra isso. Claramente, coloquei-me sempre ao lado dos Governadores e tive relações  bastante estreitas principalmente com o Garcia Leandro ou com o Almeida e Costa. Até houve um jornalista que me chamou Albertino Almeida e Costa.
Integrou o Conselho Consultivo ao lado de altas figuras das elites locais.
Sim, fiz parte do Conselho Consultivo, conheci Almeida e Costa ainda antes de ele ser Governador, pois foi-me apresentado pelo Garcia Leandro no restaurante Fat Siu Lau. Além do mais, fui seu professor de ténis. Foi um governador muito criticado por muitos macaenses, por exemplo... Eu sei, não tenho qualquer dúvida sobre isso. Almeida e Costa era muito autoritário, dizia que não podia haver mais do que um Governador, apenas 1 e era ele. Houve problemas graves com o dr. Carlos  Assumpção que era uma figura carismática, uma cabeça e, mesmo sem ele querer, era de facto o líder da comunidade macaense. 
Entrou em confronto com Almeida e Costa...
Ou Almeida e Costa entrou em confronto com ele. Mas também sei de uma coisa engraçada: muitos que o criticavam, incluindo nos jornais, quando recebiam um telefonema dele iam a correr ao campo de ténis ou onde ele estivesse. E outra coisa: no Conselho Consultivo todos concordavam em tudo com Almeida e Costa. Julgo que ele e mais tarde o Governador Rocha Vieira tinham aspirações à Presidência da República. Às polémicas foram bastantes no tempo de Almeida e Costa. Lembro-me de algumas onde estive envolvido por sempre pretender estar na defesa dos cidadãos. Fundei a Associação do Bairro Areia Preta apenas para defender os moradores de uma lixeira que ali havia. Antes de a fundar, como elemento do Conselho Consultivo, perguntei a um elemento importante da comunidade chinesa, também desse Conselho, o Roque Choi, qual a sua opinião. Ele respondeu que tudo o que era para o bem de Macau, não tinha problema algum. Mas apanharam um susto, porque pensavam que a associação iria envolver-se em aspectos políticos. Convidei o coronel Barreto, comandante da Polícia, para assistir às nossas reuniões com os Kai Fong sócios da nossa associação. Ele confirmou que política não fazia parte dos nossos objectivos, nem de mim como presidente. Para aquela associação que criei, o objectivo era a segurança no bairro, a limpeza, a venda de produtos alimentares de forma higiénica, Com resultados positivos, fizemos festas, óperas, muitas iniciativas.
A propósito, chegou a cantar ópera sem ser chinesa...
Fui actor principal em óperas compostas por Pedro Lobo com letras em português, no tempo em que era Governador o almirante Marques Esparteiro. No liceu, eu gostava de cantar aquelas músicas portuguesas conhecidas e outras. 
Neste livro, recorda uma série de amigos, alguns que já partiram, como Silveira Machado, Vittorio Acconci, padre Nicosia, Pinto Marques, o Joaquim Morais Alves e tantos outros.
Muitas histórias engraçadas e sérias com esses e mais eu recordo no livro com saudade e profunda amizade. E há outros grandes amigos de que falo e ainda estão aí bem vivos, como o Padre Lancelote, um grande amigo.
É verdade que foi decisivo, na época, para a electrificação de Ká-Hó?
Ká-Hó era como uma ilha isolada a poucas centenas de metros dos guardas vermelhos, a povoação não tinha energia eléctrica. Numa das minha viagens, no cumprimento do meu dever, para chegar onde trabalhava um homem fantástico que foi o padre Nicosia, verifiquei que ele tinha um gerador particular que fornecia energia às instalações, mas sobrava e não era aproveitada. Impressionava-me ver as crianças e idosos sentados de cócoras a comer à luz de uma vela. Falei também com outro grande homem, o padre Lancelote, ambos pessoas fantásticas, Santos! Distribuíam roupa que recebiam da América destinada aos  mais necessitados, etc. Pensei e agimos desta forma: o padre Nicosia fornecia de borla o que sobrava da energia do gerador, e o padre Lancelote financiava os custos de espalhar a energia pela povoação. Eu tinha  um amigo electricista, outros que colocaram os postes, mais os guardas auxiliares de que eu dispunha. Em menos de dois meses electrificamos Ká-Hó. Houve invejosos, claro. Uma serie de administradores tinham passado por ali e nao tinham feito, apareceu um sujeito como eu que realizara o que era preciso.
E há a sua brilhantíssima vida de desportista em muitas modalidades. Quem o conhece garante publicamente que foi um verdadeiro campeão em todas elas.
Por exemplo, em hóquei em campo, modéstia à parte, sou uma referência de sempre, jogava a extremo esquerdo. Nessa modalidade fiz a primeira selecção de estudantes locais que levei a Hong Kong. Foi a primeira selecção que houve, não tínhamos dinheiro. Alugámos um quarto pequeno para podermos tomar banho. O jantar estava assegurado, pois fomos muito bem recebidos. O almoço fomos a casa do meu irmão e limpámos tudo o que havia na cozinha. Ganhámos ao campeão de Hong Kong. Também nos barcos dragão, consegui que se voltasse a praticar, pois durante muitos anos este tipo de competição esteve  desactivada em Macau. Recuperámos uns barcos antigos do tempo da guerra, acrescentando uma cauda e uma cabeça. Fiz a primeira selecção de ténis, misturando portugueses, macaenses e chineses. Mais tarde ensinei ténis, até um dia solicitar um subsídio para me deslocar aos Estados Unidos para adquirir mais conhecimentos que fossem úteis à prática da modalidade aqui. Sei das minhas limitações, queria ensinar os mais novos em muito melhores condições, pois o que há de mais importante em qualquer desporto é a iniciação. Não me deram o subsídio. Com muito sacrifício, fui à minha custa e estive quase dois meses na Academia do estado de South Caroline onde estudei e adquiri novos e profundos conhecimentos sobre o ténis, juntamente com dezenas de norte-americanos de todo o país, e com exames rigorosos.
No futebol, também foi campeão?
Pelo Negro Rubro, no tempo em que existia uma grande rivalidade entre este clube e a Selecção Militar. Por acaso também integrei essa selecção quando fomos a Hong Kong. Pratiquei esgrima no tempo do Fausto Branco, quando estava na Mocidade Portuguesa. Fausto tinha sido aluno e mestre de armas dos Pupilos do Exército, aprendi com ele. Vela também gostei muito de praticar. E até cheguei a ser jóquei, diziam que eu podia ter sido um grande campeão internacional. Era uma época, entre os anos 50 até aos anos 80, muito diferente de agora. Hoje os praticantes têm tudo e muitas condições.
Na introdução que escreve no livro, afirma que qualquer semelhança com nomes de pessoas, entidades oficiais, figuras políticas, etc., “não é mera coincidência”.
E realmente não é coincidência, o que conto é tudo verdade. As pessoas que cito são essas pessoas, os factos também. Se algumas ficarem ofendidas, peço muita desculpa. Principalmente, falo no que aconteceu nos chamados distúrbios fruto da Revolução Cultural na China continental.
De todas as histórias que narra no livro, qual a que mais a impressiona ainda hoje.
A ida do Governador Nobre de Carvalho à Associação Comercial assinar como que uma “nota de culpa”, na sequência dos problemas na escola da Taipa e dos tais distúrbios em 1966. Há muitos pormenores que me causam grande constrangimento e angústia. Falo nesse chocante momento no meu livro. Não sou historiador, nunca tive pretensão para tal, mas devia ter aparecido algum historiador sério, conhecedor, ou um jornal, para voltar a tocar num assunto que parece ninguém querer tocar. Já apareceu por Macau um jornalista português, mas baseou-se em documentos oficiais, entrevistou umas pessoas importantes, cada uma delas puxando a sardinha à sua brasa, mas não conheceu uma série de histórias, como tudo começou e como foi o desenrolar dos acontecimentos, o sentir das diferentes comunidades e não apenas de alguns com alguma importância. No livro eu cito factos e nomes. (...)

1 comentário:

  1. Depois do sofrimento grande dos últimos tempos, o Albertino deixou-nos ao fim da tarde de hoje, dia 24 de Dezembro.
    Que esteja em paz.

    Abraço e Festas o mais possível felizes, para ti e família.

    Helder Fernando

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