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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Chineses Alfacinhas - parte 1

Depois de ter colocado um ‘anúncio’ na rede social do FB à procura de testemunhos relacionados com Macau durante a Guerra do Pacífico (1941-45), o Miguel Andrade foi um dos vários que me responderam.
Escreveu ele para mim... “Aqui há uns anos (2006) publiquei uma reportagem na revista Macau, intitulada "Chineses Alfacinhas", baseada no relato da avó da minha mulher a Patrícia Yuan. A Dona Olga vive em Lisboa desde 1946 e é natural de Macau. Uma parte do relato passa-se em Macau, durante os anos da guerra. O que saiu na revista Macau foi um resumo do extenso artigo que te faço chegar.” 
E que eu publico na íntegra aqui no Macau Antigo dividido em 6 partes.
A emigração chinesa na primeira metade do século XX
Estão unidos pelos traços fisionómicos, culturais e linguísticos, mas muito distantes da maioria dos seus conterrâneos imigrados nos últimos anos. Fazem parte ou são os descendentes das primeiras gerações de emigrantes chineses que escolheram Portugal como destino. São poucos e estão integrados. A sua geração tem ficado de fora dos estudos que nos anos mais recentes têm procurado sistematizar a história da emigração chinesa no nosso país. Longe estava ainda o tempo em que a actual vaga de emigração chinesa haveria de chegar em força a Portugal.
Nos actuais estudos sobre imigração em Portugal, não é possível localizar mais do que breves referências a este já longínquo e muito esquecido ciclo migratório, verificado genericamente a partir do início do século XX, período em que se deram profundas mudanças na organização política e social da China e de Portugal - o fim das Monarquias e o Estabelecimento das Repúblicas.
Os “sobreviventes” desse ciclo migratório, dificilmente remontam as suas memórias para lá dos anos vinte do século passado. Mas, sendo ainda possível recolher o testemunho oral de alguns deles, vale a pena fazê-lo e descobrir não só como se deu a sua integração em Portugal, mas também observar o que hoje os distingue dos seus compatriotas imigrados mais recentemente.Isto, para lá da dimensão muitas vezes verdadeiramente romanesca de tantas destas vidas. Mas é uma investigação dificultada pela erosão que a passagem do tempo traz à memória pessoal dos acontecimentos. Por outro lado, o próprio facto de se tratar de relatos dos protagonistas, aumenta o melindre do afloramento de alguns aspectos dolorosos da vivência pessoal e familiar.
Ainda assim, não obstante estas limitações, é inegável o interesse destes registos de vida, amostra das vicissitudes das gentes de matriz chinesa, de proveniência variada, que procuraram Portugal como destino, na primeira metade do século passado.
Partimos, pois, de relatos pessoais, de onde em onde cotejados com informações oriundas de outras fontes, aliás, em regra, muito parcas de referências à imigração chinesa no período considerado. Mas, obviamente, não temos a pretensão de desvendar, de forma sistematizada, o fenómeno das primeiras imigrações chinesas em Portugal de que há notícia, antes somente recolher a descrição de casos, porventura especialmente representativos de uma vivência muito particular.
Optamos, arbitrariamente, é certo, por partir de um testemunho que nos conduziu a outros e, assim, as estórias se foram encadeando numa sucessão de episódios descritores de trajectórias entrelaçadas, pontuadas com não poucos momentos surpreendentes. Algo como a ponta de um fio que se puxa e vai dar, não só a um grande novelo, mas a vários, com mais pontas e mais nós...Admitimos, portanto, que esta é uma pequena parte do manancial de informação retida na memória destes e de mais alguns protagonistas e, por isso, seria possível continuar a recolher, junto de outras fontes vivas, o que elas preservam dessa saga tão pouco conhecida, vivida tantas vezes a golpes de drama e de tragédia.
Vindos de onde e desde quando?
A memória das nossas fontes vivas não refere factos anteriores aos anos vinte do século passado. Segundo elas, já então Moçambique, onde a comunidade chinesa era mais significativa, seria ponto de partida de chineses para Portugal. Porém, como se sabe, vindos de diversas regiões da China, circulavam chineses já por diferentes países da Europa, sem autorização de trabalho, nem de residência, até conseguirem fixar-se em alguns deles. E uma ínfima parte desses pioneiros terá acabado por se estabelecer em Portugal. Entretanto, um outro também pequeno número veio directamente de Macau, na sequência de ligações matrimoniais entre militares portugueses e mulheres chinesas daquele Território, bem ao jeito das malhas que o Império teceu.
A história de Olga Maria Lam Hing enquadra-se neste último caso e, nesse contexto, tomámo-la como ponto de partida da nossa recolha e referência-charneira nesta breve crónica dos laços que se apertam ou desapertam ao sabor do fluxo de vida. Porque se trata de estórias bem reais, em que se distinguem dramas vividos com coragem, pioneirismo e incrível capacidade de adaptação.
D.ª Olga aceita receber-me na sua casa de há muitos anos na Praça da Figueira, em Lisboa, muitas semanas depois de com ela ter insistido nesta ideia de nos contar, para publicação, a história da sua vida. Manteve-se muito relutante até que finalmente lá nos concedeu a graça da sua narrativa: ”Outros teriam muito mais para contar!”, dizia.
Mas que nos contasse ela primeiro essas histórias, foi o que lhe propusemos. E, de facto, assim que começou, já nada mais a fez parar. Sessenta anos depois de ter chegado a Lisboa, o Português, fluente, ainda apresenta as saborosas modulações fonéticas e gramaticais resultantes da variante Cantonense em que aprendeu a viver. E, assim embalados na pitoresca musicalidade da sua fala, assistimos à inesperada passagem entre a recusa em falar e um entusiasmo narrativo tal que deixou de ser possível seguir um plano: ao sabor de uma memória livre de compromissos de método, Dª Olga deixou desbobinar, em várias sessões, o filme da sua vida. Tivemos, então, de adaptar o melhor possível a velocidade do registo, a uma narração torrencial. E ir decifrando, aos poucos, o sumário dos acontecimentos...E que acontecimentos foram! (continua...)

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