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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O ouro no eixo Hong Kong - Macau: entrevista

O comércio do ouro chegou a Macau em força em 1946, depois da quebra do negócio do ópio. Mas seria o jogo, em 1962, o grande responsável pelo boom económico. Aníbal Borges e Vasco Marques, autores de “O eixo do ouro Hong Kong-Macau (1946-1973)”, livro publicado pelo Instituto Português do Oriente, revelam pormenores deste período ao Hoje Macau.
Como é que o Estado Novo lidava com o comércio do ouro em Macau e que benefícios chegaram aos portugueses?
O Governo português, pela Administração de Macau, legislou em conformidade com os interesses de Macau. Em termos genéricos e materiais, pode dizer-se que aos portugueses de Portugal nenhuns benefícios chegaram. Como se escrevia na ‘insuspeita’ Far Eastern Economic Review, em 1 de Março de 1962, Macau não foi a ‘árvore das patacas de Lisboa’.
Aos portugueses de Macau, inicialmente, poucos benefícios chegaram. Porém, com o andar do tempo, foram chegando alguns benefícios à população em geral, mas não tantos quanto seria desejável. Não foi com o Ouro, mas sim com o Jogo, a partir de 1962, e com o acordo de Gongbei, a partir de 1967, que foram criadas as condições económicas e políticas para o take off de Macau.
Quem eram os principais países beneficiados com as trocas comerciais do ouro, e como era feito esse processo?
Entre 1953 e 1973 praticamente todo o ouro que chega a Macau vinha de Inglaterra e passava pelo aeroporto Kai Tak, em Hong Kong. A Mount Trading Co., Ltd., da Jardine Matheson & Co. e Samuel Montagu & Co., a Commercial Investment Co., Ltd., uma subsidiária da Wheelock Marden e a Premex Co., Ltd., com accionistas suíços e panamianos, são as principais firmas consignadoras em Hong Kong. Antes, entre 1946 e 1953, chegava ouro a Macau vindo da costa ocidental dos Estados Unidos, via Manila. Os interesses franceses, movimentam-se pelo Banque de l’Indochine, pelo Banque Nationale pour le Commerce et l’ Industrie e pelo bem conhecido despachante Denis Fréres d’ Indochine, com base em Saigão. Não é simples seguir os movimentos, bem sinuosos, do ouro (o segredo a isso obrigava e o ‘ouro não deixa cheiro’!), mas lá fomos descortinando, ao longo dos últimos anos, alguns desses movimentos. Pensamos ter traçado um quadro correcto do que se passou.
Quais as principais diferenças entre os diversos monopólios que passaram por Macau: o ópio, o ouro e o jogo?
São negócios de diferente natureza. Contudo, em determinado tempo, parece que algum ouro terá financiado algum ópio (ou terá sido o contrário?). Philippe Pons escreveu, com alguma ironia, que “Macau passou de um centro nevrálgico do tráfico de ópio para um do ouro com a mesma pessoa como maestro”. O jogo, financiou, com certeza, o ouro. Digamos que, em determinadas épocas, terá havido mais simultaneidade do que causa-efeito.
Qual foi o papel da STDM e, em especial, de Stanley Ho, nesta área?
Stanley Ho não teve ligações directas ao ouro, tanto quanto julgamos saber. Porém, o Banco Seng Heng teve fortes ligações ao ouro.
O comércio do ouro passou por várias fases. Qual foi a mais marcante?
A mais interessante, do nosso ponto de vista, a despertar mais curiosidades e a exigir mais estudos, é a segunda fase, entre Maio 1947 e Outubro de 1953, dado que os aviões da Matco e da Cathay andavam num verdadeiro corrupio entre várias cidades da região.
A logística então instalada em Macau, num muito curto espaço de tempo, é deveras impressionante, demonstrando bem a capacidade dos empresários de Macau. Durante este período, o ouro, transportado em hidroaviões, chega directamente a Macau em voos da Macau Air Transport Company, da Cathay Pacific Airways, da Thai Airways Company e da Civil Air Transport Company, entre outras, e é proveniente, principalmente, de Saigão, Banguecoque e Manila. De Macau, o ouro segue para destinos tão longínquos como a Índia, com entrada por Calcutá. A Far Eastern Economic Review chama, à Macau desses anos, o El Dorado do extremo oriente.
Como surgiu o decréscimo das trocas comerciais?
Com a abertura oficial do mercado do ouro em Hong Kong, em Janeiro de 1974, Macau desapareceu, de um dia para o outro, do mapa mundial do ouro. O mercado vinha enfraquecendo desde 1968, com o fim da London Gold Pool e o início do Two-tier Price System. O ano de 1968 é o último da superioridade orçamental do ouro como origem de recursos para a Administração de Macau.
A obra refere ainda os nomes do português Pedro Lobo e do empresário e deputado chinês Henry Fok. Quais as suas posições dentro deste sector?
Henry Fok não tinha ligações directas ao ouro, tanto quanto é do nosso conhecimento. Pedro Lobo era o director dos Serviços Económicos que tinha atribuições no âmbito do licenciamento da importação de ouro.
Como avaliam o papel de Pedro Lobo?
Foi um alto funcionário da Administração Pública de Macau que prestou relevantes serviços públicos, conforme se deduz da leitura dos inúmeros louvores que recebeu e das condecorações com que foi agraciado. Tentámos desvendar uma parte da sua vida menos conhecida, designadamente o início da sua carreira de funcionário em Timor, a sua passagem pela régie do ópio e uma prisão domiciliária que lhe foi imposta, em Macau, pelo Governador interino, João Pereira Barbosa, em 1936. Como referimos, o seu papel no ouro foi fundamental tal como tinha sido no ópio e foi no jogo, antes de 1960. Foi também importante a sua actuação durante a Guerra do Pacífico, designadamente na ligação da Administração Portuguesa, neutral, com os Japoneses que ocupavam Hong Kong e o lado de lá das Portas do Cerco. O abastecimento de Macau, nesses difíceis anos, muito deve a Pedro Lobo. Julgamos ter sido uma personalidade fascinante.
Chow Tai Fook, Cheng Yu Tung, esteve ligado a este negócio. Esse monopólio foi a principal razão para o actual sucesso das ourivesarias?
Cheng Yu Tung foi um dos grandes homens de negócios de Hong Kong e começou a sua carreira de ourives e joalheiro em Macau. Os seus interesses são múltiplos e a sua história
apaixonante. Damos uma pincelada dessa história no nosso livro, pois é o último concessionário e o último sobrevivente do sindicato do ouro.
Hong Kong soube tirar maiores proveitos do comércio do ouro do que Macau?
Durante os 30 anos do negócio, o circuito financeiro do ouro passou por Hong Kong. A Banca de Hong Kong estava ligada aos grandes centros financeiros mundiais. Como escreveu Catherine R. Schenk, o comércio do ouro ajudou à emergência do Centro Financeiro Internacional que hoje é Hong Kong. Na primeira (1946-1947) e terceira (1953-1973) fases, também, o circuito físico do ouro passou por Hong Kong. Mesmo na segunda fase (1947-1953), muito do ouro físico passou por Hong Kong à saída de Macau, como bem o confirma o tristemente célebre acidente do Miss Macau: avião que foi assaltado quando se dirigia de Macau, cheio de ouro e passageiros, para o aeroporto de Kai Tak, em Hong Kong.
Qual o papel desempenhado pelo Governo chinês na altura?

O Governo Nacionalista fornecia-se de ouro nos Estados Unidos: comprava-o ao preço tabelado por Bretton Woods e vendia-o ao preço de mercado. Era um excelente negócio! Há notícia que alguns elementos importantes do Governo ou próximos, como a designada CC-clique, uma poderosa facção política do Guomindang, liderada pelos irmãos Chen Guofu e Chen Lifu, teria especiais ligações aos negociadores privados do ouro. Em 1949, o Guomidang, em fuga, levou consigo para a Ilha Formosa muitas das reservas de ouro e divisas do país, para além de outros tesouros. Com a fundação da República Popular da China, o comércio do ouro e das divisas passaram para as mãos do Estado. Como refere Steve Tsang, depois de 1949, “Hong Kong tornou-se na galinha dos ovos de oiro da
RPC”. Macau, também. 
Com o comércio do ouro, como é que Macau conseguiu lidar com o pós II Guerra Mundial?
Depois da Guerra eram grandes as dificuldades financeiras da Administração Portuguesa. Com o termo da régie do ópio, a partir de 1 de Janeiro de 1946, a Administração deixou de arrecadar receitas geradas neste ‘negócio maldito’. Em Julho de 1946, ainda sem ouro, que só começou a chegar no último trimestre de 1946, Emílio Simões de Abreu, director da Fazenda, deixava escrito no relatório que acompanhava o Orçamento para 1947, o optimismo dos ventos de mudança. Sabemos que não foi assim, pois o jogo continuou, e que não foram os impostos que substituíram o ópio. O ouro chegou na altura certa, pois,
ao taxá-lo, a partir de finais de 1946, a Administração encontrou alternativa para as receitas do ópio.
Qual o papel dos ingleses e americanos em todo o comércio do eixo?
Naturalmente que os norte-americanos e, em especial, os ingleses estiveram sempre por dentro do negócio que se efectuava a ‘céu aberto’ na colónia britânica e em Macau. Bastava, para o efeito, lerem a Far Eastern Economic Review ou The Economist que seguiram o negócio de perto.
Sem o monopólio do ouro, a indústria do jogo seria diferente hoje?
Houve um tempo em que o exclusivo do jogo financiou as aquisições de ouro. Estas exigiam grandes investimentos. Com a entrega do exclusivo do jogo à STDM, em inícios de 1962, a ligação entre o ouro e o jogo terá terminado, segundo pensamos. São
dois exclusivos entregues a diferentes concessionários com áreas de negócio bem demarcadas. São negócios de diferente natureza, com diferentes exigências.
Entrevista de Andreia Sofia Silva publicada no HM de 18-9-2012

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