Páginas

quinta-feira, 8 de março de 2012

A mulher na sociedade macaense: séculos XVI e XVII

Em Mulheres em Macau, Donas Honradas, Mulheres Livres e Escravas (Séculos XVI-XVII) procurámos trabalhar a partir de informação dispersa que fomos compilando, uma tipologia de referências assente em múltiplos textos de filiação masculina, que nos possibilitam, também, o acesso à mentalidade dominante. Embora a informação recolhida tenha por base autorias diferentes, e portanto, um olhar multiforme, permite-nos, justamente por este facto, avançar com o esboço de caracterização da cultura andriarcal perante o qual o heterogéneo segmento populacional feminino se situava. O presente trabalho, ponto da situação de uma via de pesquisa que continuamos a explorar, adianta, por ora, alguns dos dados que nos têm permitido identificar a realidade social e descrever a estruturação social macaense, entre finais de Quinhentos e meados de Seiscentos. Identificar os códigos sociais impostos às mulheres, atendendo à multicultural sociedade de Macau, constitui de igual modo um dos objectivos deste trabalho.
Texto do site do CCCM
Mulheres em Macau, Donas Honradas, Mulheres Livres e Escrava, Elsa Penalva, Lisboa, CHAM-CCCM, 2011
Traje das senhoras de Macau no final do século XVIII
Para 'abrir o apetite' sobre o tema aqui fica um excerto de um texto da autoria de outro académico.
De acordo com o investigador Ivo Carneiro de Souza "no território macaense, distinguindo-se do que se passava em outros espaços coloniais, como Goa ou o Brasil, a presença de mulheres europeias é praticamente inexistente ou fragmentária até quase finais do século XIX, quando o estado central começa sistematicamente a funcionalizar e a assalariar as longínquas administrações, contingentes militares e burocracias coloniais. Em rigor, de forma generalizada, a presença social portuguesa nos diferentes enclaves asiáticos que se organizavam sob a tutela político-institucional do chamado «Estado da Índia», da África Oriental a Timor, não mobilizava mulheres de origens europeias, descontados alguns exemplos, aventuras e esforços de circulação de orfãs, maioritariamente limitado ao enclave goês mas quase sem expressão no devir social de Macau."
Estas mulheres eram "indispensáveis para sustentar os mercados nupciais e matrimoniais que permitiram a sobrevivência de sistemas de parentesco, famílias e unidades domésticas «portuguesas» e «luso-asiáticas» em Macau.
"Diante da escassez de mulheres europeias e a interdição de aceder às mulheres chinesas de mais elevada condição social, muitos comerciantes, soldados, aventureiros e agentes políticos portugueses instalados em Macau começaram, ainda nas décadas finais no século XVI, a perseguir comunicações sexuais e matrimoniais junto de grupos femininos subalternos que, de extracção asiática, chegavam ao enclave através do rapto, da compra, da negociação e do resgate escravista. Identificam-se, desde a década de 1590, várias mulheres compradas e resgatadas em diferentes espaços dos mares do Sul da China e do Sudeste Asiático que, somadas a muitas crianças e jovens chinesas continentais, eram compradas ou raptadas em acções comerciais e marítimas, começando depois a aceder ao casamento com portugueses, a entrar também nos seus serviços domésticos ou a participar num mercado sexual que, em larga medida, se encontra por investigar. Mais tarde, na viragem do século XVI para a centúria de Seiscentos, domina um movimento continuado de resgate e compra de crinças e jovens chinesas que, negociadas com os poderes dos mandarinatos locais, se recrutavam tanto entre as camadas mais pobres da população como entre as situações de orfandade local. 
A partir da sua fundação, em 1569, coube à Misericórdia de Macau passar demoradamente a cumprir a tarefa de controlar social e «moralmente» o mercado nupcial feminino do território, impondo-lhe dotes, regras e, sobretudo, a vigilância da formação católica das jovens e mulheres asiáticas candidatas ao casamento ou ao serviço entre as «famílias da terra». Desde a década de 1590, a Santa Casa começou por apropriar o monopólio do casamento e dotação dos orfãos, exercendo um controlo firme sobre a condição católica destes agrupamentos, depois estendido a outras posições de subalternidade social feminina."
PS: sobre este tema sugiro ainda a leitura do livro "Uma artistocrata portuguesa no Macau do século XVII"

Sem comentários:

Enviar um comentário