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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Vida cultural nos anos 50

Transcrição de um excerto (não se inclui aqui cinemas e outros...) de um pequeno capítulo do livro “Roteiro do Oriente”(Agência Geral do Ultramar, 1954), do jornalista Barradas de Oliveira que, em 1952, acompanhou o Ministro Manuel Maria Sarmento Rodrigues na viagem oficial a Macau. O capítulo intitula-se “Notícias da vida cultural de Macau” e é uma síntese síntese das principais actividades e instituições culturais desta então Província Ultramarina de Portugal no Oriente:
“O nível cultural de Macau é acentuadamente elevado. Não admira. Começou por ser a cidade um pequeno centro comercial e de expansão religiosa, e a certa altura atingiu, neste último aspecto, uma importância enorme, com larga influência em todo o Império do Meio. O Colégio de S. Paulo Grande, que foi dos jesuítas (e estes, como é sabido, marcaram sempre os lugares por onde passaram pelo alto grau de cultura desenvolvida), teve a honra de primeira universidade católica do Extremo-Oriente. O actual Colégio de S. José, a maior recordação dos antigos institutos religiosos, ainda hoje é um centro de estudo excelente, para mais enriquecido com alguns categorizados professores de universidades católicas chinesas, ao presente encerradas pelos comunistas. Bastariam os estudos históricos sobre a vida da missão de Macau, centro de uma actividade que permitiu, só aos evangelizadores da Companhia na terra china, escrever 1.330 obras sobre os mais variados assuntos, para constituir um ramo de actuação de alto valor.
Afora o Seminário, não faltam escolas primárias e institutos secundários, oficiais e particulares, onde se ministram os ensinamentos basilares da aquisição de cultura. Mas o desenvolvimento desta tem outros meios: a biblioteca, o museu, o observatório meteorológico, o Círculo Cultural de Macau, a delegação do Círculo de Cultura Musical, os jornais, as emissoras, os espectáculos, as exposições de arte e, acima de tudo, o convívio de homens cultos.
A Biblioteca
A Biblioteca Pública ocupa quatro salas da Casa do Leal Senado, duas das quais inteiramente revestidas de magníficas estantes e com galerias, tudo em estilo D. João V, acomodando cerca de 14.000 volumes, na sua maioria portugueses e ingleses. Foi fundada em 1931 por um professor do liceu e formada por alguns livros do fundo próprio e outros depositados por amigos, na proporção aproximada de meio por meio. Grande parte dos livros pode ser emprestada aos leitores que, até ao máximo de três volumes por cada pessoa, têm a faculdade de levá-los para casa, retendo-os por espaço não superior a uma semana. Tem uma frequência média de 15 leitores por dia, entre os quais muitos soldados expedicionários.
Dispõe de alguns livros preciosos, entre os quais velhíssimas edições do ‘Catecismo’ mandado fazer por D. Fr. Bartolomeu dos Mártires e impresso em Braga, em 1564; da ‘China Monumentalis’, de Kircheri; das ‘Décadas’, de Couto e Barros; do ‘Nobiliário’, de D. Pedro; e da ‘Monarquia Lusitana’. (...)
Estas notas talvez fossem desnecessárias no caso de se tratar de uma biblioteca erudita, restrita a estudiosos; mas pareceu-nos útil para determinar a categoria de uma biblitoeca popular, aberta ao grande público. Resta acrescentar que o Ministro do Ultramar, quando da sua recente viagem à Província, conferiu à biblioteca o título de Nacional, com o inerente direito a receber um exemplar de cada uma das obras publicadas em qualquer ponto do Império Português.
Ao mesmo tempo, diga-se de passagem, foi criado o Arquivo Geral da Província, a fim de arrecadar, coligir e conservar a importante massa documental existente, já conhecida, bem como as espécies que forem sendo descobertas.
O Museu
O Museu Etnográfico Luís de Camões é, por enquanto, e apenas, uma colecção de coisas preciosas, especialmente porcelana e pintura chinesa antiga, às quais se juntaram algumas peças de interesse duvidoso. Carece de ser enriquecida, estudada e exposta em instalações apropriadas – conforme já foi concertado entre o Ministro do Ultramar e o director do Museu, o Cónego Morais Sarmento.
O Observatório Meteorológico
Poderá dizer-se que o Observatório é um elemento de utilização técnica ao serviço de actividades precisamente determinadas. E daí o estranhar-se a sua inclusão entre os instrumentos principais da cultura da cidade de Macau. Sucede, porém, que um observatório é, também, por definição, um centro de estudo, que é como quem diz, de investigação, de trabalho científico. A categoria científica deste provém-lhe, em primeiro lugar, do nível do observador; em segundo lugar, dos métodos empregues; e, por último, da própria natureza dos elementos colhidos. Os meios de que dispõe são dos mais modernos que existem – desde o radar aos detectores de radiações cósmicas – e os resultados do labor realizado estão publicados em grandes, enfartados e misteriosos cartapácios. No Extremo-Oriente, pode dizer-se, a navegação é orientada pelas indicações dos observatórios de Manila, Hong-Kong e Macau. E este último marca com notória galhardia o seu lugar.
O Círculo de Cultura Musical
Depois da actividade, tão pertinaz como educativa, que tem desenvolvido na Metrópole, o Círculo de Cultura Musical alargou a órbita do seu movimento às terras ultramarinas do Império. Se, em todas as oportunidades que se me deparam, tenho feito ressaltar sempre a importância basilar de uma verdadeira obra de educação musical no conjunto formativo de nova mentalidade do povo português, pelo recurso a novas fontes de seiva espiritual e pela adaptação a novas situações de ordenamento colectivo, não será possível agora deixar de louvar a iniciativa de expansão do Círculo de Cultura Musical. Não visa directamente, como na orientação exposta, a formação do maior número, mas a elevação das élites. Nem por visar objectivos diferentes, porém, a obra deixa de ser igualmente útil e merecedora dos maiores aplausos.
Todavia, se não há louvores a regatear ao Círculo, não poderão também ratinhar-se ao homem que, no caso preciso de Macau, deu possibilidades da criação ali de uma delegação do Círculo de Cultura Musical, inaugurada por sinal com um grande espectáculo em que tomaram parte artistas de tão grande categoria como o violinista Silva Pereira e o pianista Sérgio Varela Cid. Refiro-me ao Dr. Pedro Lobo, dinamizador e mecenas de todas as actividades culturais. A ele se devem, no aspecto que vimos tratando, dois espectáculos de categoria artística em qualquer parte do Mundo: o primeiro, com os artistas que citámos; o segundo, com óptimos executantes de orquestra, solistas e intérpretes de canto.
De desejar agora será que o auspicioso início mantenha a mesma altura dos primeiros passos.
O Círculo Cultural
Ao mesmo Dr. Pedro Lobo se deve a magnífica realização do Círculo Cultural de Macau, centro de estudos e ponto de irradiação de iniciativas e trabalhos. A sessão inaugural, a que nos foi dado assistir, ilustrou logo as paredes veneráveis do salão nobre do Leal Senado com uma conferência curta, mas altamente elucidativa, do Dr. Manuel Cabrita. Que a actividade futura, com seu boletim e sua vida de pequena academia local, corresponda ao início promissor!
Imprensa
Passemos agora a um meio de expansão cultural tão vasto como é a Imprensa. Limitemo-nos ao presente, abstraindo da memória de tão bons periódicos, dos 92 que existiram, como foi a revista ‘Tai-Sai-Yang-Kuoc’ – o que em português significa ‘Grande Reino no Mar do Ocidente’, ou seja, ‘Portugal’.
Há presentemente em Macau um jornal diário escrito em português – o ‘Notícias de Macau’ – e cinco escritos em língua chinesa: ‘Va Kiu Pou’ (A Comunidade Chinesa); ‘Cheng Va Pou’; ‘Si Man Pou’ (O Cidadão); ‘Tai Chung Pou’ (O Jornal para Todos); e ‘Sai Kai Pou’ (O Mundo).
Devemos convir em que, para uma população entre 200 a 300 mil pessoas, não é nada mau. Quanto às outras publicações, cumpre registar: ‘O Clarim’ (semanário); ‘Religião e Pátria’ (quinzenário); ‘Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau’ (mensal); e ‘Mosaico’ (trimestral).
Da mesma maneira que nos jornais, além do noticiário e das transcrições, há artigos originais de verdadeiro interesse e não faltam, em qualquer das revistas que apontamos, trabalhos originais de autêntico valor.
À lufa-lufa dos jornais pode associar-se, por lhe ser conexa, a de 35 tipografias que há na cidade, 6 litografias e 8 livrarias. Livrarias de vender livros, note-se. Não confundir com papelarias, que estas são muitas mais."

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