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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

José d'Almeida: de Portugal a Macau passando por Singapura

Actualmente, no centro financeiro da cidade-Estado de Singapura, existe uma "D'Almeida Street" cujas origens remontam a um português com fortes ligações a Macau e que esteve ligado à fundação de Singapura como posto comercial da Companhia Britânica das Índias Orientais por Sir Stamford Raffles em 1819 com a permissão do Sultanato de Jor. Trata-se José d’Almeida Carvalho e Silva (1784-1850), um dos primeiros colonizadores europeus e um dos poucos proprietários de terras em Singapura.
A histórica começa em 1808 quando José d'Almeida (nascido em S. Pedro do Sul), depois de se ter formado em medicina, foi nomeado cirurgião-chefe do navio Vasco da Gama, estacionado em Lisboa. Viajou para o Oriente rumo a Macau onde viria a ser diretor do Hospital São Rafael, Almotacé da Câmara/Senado em 1815, vereador do Leal Senado em 1822, escrivão do juiz de direito de Macau, irmão, tesoureiro e provedor da Santa Casa da da Misericórdia, e um dos fundadores da nova Casa de Seguros de Macau. Foi também em Macau que casou, pela primeira vez, com Rosalia.
Nessa primeira viagem rumo a Macau, ao passar por Singapura, José d'Almeida comprou um terreno onde viria a construir uma casa em Beach Road. 
Com a Revolução Liberal de 1820 em Portugal o território de Macau rompeu a ligação com Goa, na Índia, e uma força militar foi enviada de Goa para tomar o poder em Macau. É nesse contexto que José d'Almeida foi preso no final de 1823 e enviado a Goa para julgamento. Daqui conseguiu fugir para Mumbai juntamente com o Padre Francisco da Silva Pinto e Maia, que mais tarde estabeleceria a Missão Portuguesa em Singapura. Ainda regressou a Macau onde juntou a família e rumaram de forma definitiva para Singapura em 1825 onde abriram um dispensário na Commercial Square/Praça Comercial (redenominada Raffles Place em 1858). A zona era muito pantanosa e propícia a doenças sendo os seus conhecimentos como médico muito apreciados. Foi o primeiro de muitos negócios.
Pouco depois de estarem a viver em Singapura um navio mercante português e outro espanhol que transportavam produtos perecíveis oriundos de Manila ficaram encalhados junto à cidade devido ao mau tempo. Foi a oportunidade para José d'Almeida vender os produtos que estavam a bordo fundando a empresa comercial Jose d'Almeida & Co. que viria a tornar-se uma das maiores do território
Notícia do nascimento de um descendente em 1860

José d'Almeida visitou a Europa pela última vez em 1842 e foi nomeado cavaleiro pela então Rainha de Portugal D. Maria II. Foi também nomeado Cônsul Geral de Portugal nas Colônias do Estreito (de Malaca a Singapura). Mais tarde, tornou-se membro do Conselho da Rainha em Portugal. FOi ainda agraciados com altas honras por Inglaterra e Espanha. Viria a morrer a 17 de outubro de 1850 e foi sepultado em Fort Canning Hill. Um dos últimos relatórios que faz enquanto cônsul é de 2 de Julho de 1850
Planta da cidade em 1828 desenha pelo tenente inglês Philip Jackson

A Beach Road onde ficava a residência de José d'Almeida assinalada na planta
e onde foi construído o imponente Raffles hotel em 1887
A casa de José d'Almeida, virada para a praia, corresponde à actual Liang Seah Street

Com a prosperidade dos negócios a casa de José d’Almeida depressa se tornou numa referência cultural em Singapura, em especial pelos colonos europeus, sendo muito apreciados os saraus culturais e musicais.
Em 1836, José d'Almeida é um dos fundadores da Singapore Agricultural and Horticultural Society tendo feito várias experiências no cultivo de produtos como o algodão, açúcar, café e baunilha mas sem grande sucesso. Ainda assim, estava criado o jardim botânico de Singapura que em 2015 foi reconhecido pelo Unesco como Património Mundial da Humanidade. 
Em 1838 José D'Almeida casou pela segunda vez em Singapura com Maria Isabel Nunes.
Lado sul da Commercial Square

O cargo de Cônsul Geral de Portugal nas Colónias do Estreito viriam a dar grandes dissabores, nomeadamente para os herdeiros, com o consulado e a empresa a funcionarem no mesmo espaço e a terem funções idênticas, o financiamento de viagens marítimas dos portugueses na região, incluindo Macau e Timor, onde os negócios nem sempre tiveram sucesso acumulando-se as dívidas.
Anúncio de 1846

O consulado ainda passaria para as mãos do neto de José d’Almeida, William Barrington d’ Almeida. Mas foi o último. As dívidas e o desinteresse das autoridades portuguesas levaram ao quase abandono da representação diplomática de Portugal em Singapura e os sucessores começam a optar pela cidadania britânica. O único laço com Portugal já na segunda metade do século 19 seria mantido através de Macau onde William vai mantendo negócios chegando mesmo a visitar o território.
The London Gazette 8.12.1865: falência da empresa

Curiosidade: já são poucos os que descendentes de José d'Almeida que ainda vivem em Singapura. A ocupação japonesa no período da segunda guerra mundial fez com que muitos familiares emigração para países como o Reino Unido e Austrália.
Curiosidade II: Esta história remonta à década de 1820; na década de 1840 cidadãos portugueses de Macau viriam a ter uma papel relevante na 'fundação' de Hong Kong.

Sugestões de leitura:
Fr. F. Bata - Um português em Singapura: Dr. Jose D‘Almeida, Macau: Imprensa Nacional, 1984
Manuel Teixeira - As Missões Portuguesas em Malaca e Singapura 1511-1958,  Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1959
João Guedes - From scientist in Macao to Founder of Singapore, Macao Magazine, 2017

1 comentário:

  1. Sempre fascinante seguir e aprender tanto com este teu trabalho de mineiro de saberes. Obrigado!

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