Páginas

sábado, 10 de outubro de 2020

Da Identidade dos Macaenses

Historicamente, a população de Macau tem duas componentes étnicas principais: Han-chineses (principalmente das províncias de Guangdong e Fujian) e Portugueses, da Europa (reinóis/metropolitanos) e Euro-asiáticos (macaenses). (...)
Em Portugal, a referência a pessoas de determinada localidade expressa-se, pelo adjectivo derivado do nome da mesma localidade. Por exemplo: lisboeta é o natural de Lisboa, ou gente de Lisboa. Na China, a forma para designar a naturalidade é semelhante. Por exemplo: Beijing ren, Xangai ren (gente de Pequim, gente de Xangai).
No caso de Macau, único em todo o território da China, Ao Men ren (gente de Macau, em mandarim) Ou Mun yan (em cantonense) é uma designação que não inclui toda a população de Macau. Na minuciosa especificação que os chineses fazem da população de Macau, Ao Men ren ou Ou Mun yan não significa toda a população de Macau. Significa, apenas, a população chinesa de Macau.
Os macaenses são designados, pelos chineses de Macau, por “t’ou-san” (filhos e filhas da terra, habitantes locais).
A população chinesa de Macau distingue os portugueses em: macaenses e reinóis, ou metropolitanos. Aos euro-asiáticos ou macaenses chamam “t’ou-san”, como já se disse. Aos “portugueses de Portugal” chamam “Kuai-lôu” (gíria: diabo, ele ou ela). E especificam ainda o género: “ngau-sôk” (lit.: tio boi) e “ngaû-pó”(lit.: mulher vaca).
Por seu lado, os macaenses distinguem-se dos chineses. Tradicionalmente autodenominavam-se “macaístas” ou “maquistas” e designavam os chineses por “chinas”.
Os chineses de Macau que recebiam o baptismo e adquiriam um nome cristão/português eram conhecidos por “chong cao” (convertido ao cristianismo, novo cristão).
O peso social dos macaenses em Macau outorgou-lhes a distinção social “t’ou-san” que, ao mesmo tempo, impede “Ao Men Ren” ou “Ou Mun yan” de significar “todos os naturais de Macau”, como acontece em todas as localidades do Continente. Isto significa que, do ponto de vista dos chineses de Macau, a sua terra é uma singularíssima excepção na China. É deles. Mas é, também, dos macaenses.
Sugestão de leitura: "Os Macaenses"
Padre Manuel Teixeira, 1965


O fenómeno da miscegenação não é vulgar no interior da China. Quando existe alguém, meio chinês e meio estrangeiro, a designação é “Hun Xue Er”, literalmente: misturado; mestiço.(...)
A comunidade macaense euro-asiática de origem chinesa, bem como os precedentes macaenses euro-asiáticos de origem não-chinesa, atribuíam um peso desigual aos elementos constitutivos da sua herança cultural ambivalente.
Historicamente, a componente portuguesa era maximizada e a componente asiática secundarizada.
Para um observador menos atento, certos comportamentos, com maior visibilidade no relacionamento de netos luso-chineses com avós maternos chineses, poderiam parecer incompreensíveis. Não resultando de conflito inter-geracional, a sua origem situava-se em “zona de diferença étnica”, aprofundada por eventual incompatibilidade cultural (escarro ou arroto ruidoso, uso dos pausinhos que vão à boca para retirar comida da travessa, etc.).
A primeira geração de um casamento luso-chinês (homem português com mulher chinesa é o “casamento regra” entre 1945/74) é detentora de uma herança biológica mestiça paritária (50% chinesa-han/50% portuguesa-europeia). Mas este equilíbrio genético – que se mantém pela vida fora – não é observado no desenvolvimento comportamental dos indivíduos.
Segundo Albert Bandura, psicólogo contemporâneo que elaborou a teoria da aprendizagem social, uma das mais importantes fontes de influência na aprendizagem humana é o comportamento dos outros. Diariamente somos expostos a uma enorme multiplicidade de modelos que, em diferentes contextos, exibem, desde os comportamentos mais simples, aos mais complexos. A observação desses comportamentos e das suas consequências será, em grande parte, determinante na aprendizagem.
Mas a aprendizagem humana é selectiva. Os indivíduos tendem a imitar as figuras que lhe são significativas.
Em regra, na primeira etapa da vida, o horizonte de observação e aprendizagem do indivíduo é o seu ambiente familiar, nomeadamente a estrutura interna da família.
Quer na China, quer em Portugal, a autoridade parental, o papel de liderança da família, é atribuído ao marido / pai. Daí decorre a assumpção da herança cultural paterna como património familiar principal, mesmo quando ele opta pela educação dos seus filhos no exterior ou em escolas estrangeiras.
Sugestão de leitura: Galeria de Macaenses Ilustres do século XIX
Padre Manuel Teixeira, 1942


Os casamentos inter-étnicos luso-chineses são principalmente entre homens portugueses e mulheres chinesas. Em tais casamentos, as referências culturais portuguesas são transmitidas de uma geração para a seguinte como as principais referências. Uma das decisões mais importantes nos casamentos luso-chineses diz respeito à educação das crianças. A educação nas escolas portuguesas era a escolha óbvia. Tão óbvia quanto a autoridade do pai dentro da família.
A opção pela educação em português era a centrifugação definitiva que separava as duas componentes culturais das crianças macaenses, moldando a sua matriz cultural portuguesa e relegando os elementos da sua herança cultural chinesa para a periferia dessa matriz básica.
É, portanto, compreensível que os macaenses falem, leiam e escrevam português, mas, em regra, não podem ler nem escrever chinês, embora falem cantonense.
A capacidade de ler e escrever uma língua é a chave para o acesso à respectiva cultura. No caso dos macaenses, o domínio do português falado e escrito tem sido o factor decisivo da sua ligação à cultura portuguesa. Da mesma forma, a incapacidade de ler e escrever chinês tem sido o factor determinante do seu distanciamento da cultura chinesa, de cujas formas mais eruditas são absolutamente estranhos.
Depois de concluírem os estudos secundários, alguns jovens macaenses, em regra, iam para as Universidades portuguesas e os restantes permaneciam em Macau. Para estes, a sua entrada na vida profissional, principalmente no Funcionalismo Público, coroavam os esforços iniciados com a decisão tomada pelo pai quando eram crianças e recompensava-os com o prestígio social de fazer parte da máquina administrativa que regulava a vida de Macau.
Era impossível e impensável que um jovem macaense completasse o ensino secundário e fosse continuar os estudos numa universidade chinesa, no Continente ou em Taiwan. (...)
Texto de Jorge Morbey
Sugestão de leitura:
Famílias Macaenses, de Jorge Forjaz (1ªedição 1996/2ª edição 2018)
Três volumes com 7,5 kg, 3500 páginas, 245 capítulos, 250 fotografias e 440 famílias registadas e estudadas, eis como se poderia resumir a obra Famílias Macaenses, da autoria de Jorge Forjaz. Uma obra que a Fundação tinha preparado para os mais de 1200 Macaenses que, em 1996, desembarcaram em Macau para o II Encontro das Comunidades Macaenses. Fruto de mais de cinco anos de trabalho ininterrupto em vários continentes, a obra é, afinal, também um encontro, este muito mais vasto, e de dimensão planetária única, de todos os Macaenses hoje espalhados pelo mundo. 

1 comentário:

  1. Parece-me um tanto seletivo!!! E ninguém lhes dá o troco?!:)

    "...Aos “portugueses de Portugal” chamam “Kuai-lôu” (gíria: diabo, ele ou ela). E especificam ainda o género: “ngau-sôk” (lit.: tio boi) e “ngaû-pó”(lit.: mulher vaca)...."

    ResponderEliminar