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sábado, 11 de março de 2023

Aparatos para a história do bispado de Macau

Quando o bispo D. Hilário de Santa Rosa* foi para Macau em 1742 - nomeado em 1740 - levou consigo quatro padres jesuítas, sendo um deles o Padre José Montanha. Nascido em Coimbra em 1708 ingressou na Companhia de Jesus em 1722. Chegaram a Macau no dia 5 de Novembro de 1742 e a tomada de posse foi a 12. Num documento da época pode ler-se:
"De acordo em distancia de sete legoas, tendo a Nau dado fundo com vento contrario defronte da Ilha dos Ladroens, escreve S. Exa. ao guardião de S. Francisco avizando-o que no seu Convento inteiramente se desejava recolher, e como chegasse primeiro a bordo dum escaler, ou escuna dos Padres da Companhia a buscar para terra quatro Padres seus que vinhão no mesmo navio, persuadido por elles S. Exa. se embarcou também, e por ser já tarde quando chegarão pernoitamos todos no Collegio de São Paulo, adonde S. Excia. foi com todo o applauzo recebido, sem que a tarde da noite fosse impedimento para o Governador desta Praça, Manuel Pereira Coutinho (1738-1743), lhe ter prevenido na praia uma companhia de soldados, e o seu Palanquim que não aceitou por hir com os padres; ao mesmo tempo se deu salva de artelharia. No dia seguinte e sedo se recolheu oculto ao Convento de S. Francisco, adonde foi comprimentado de todas as Relligioens, Clero, Senado e Nobreza desta Cidade. Esteve nelle perto de três semanas primorosamente assistido, em quanto se lhe preparavam casas para residir."
Tendo acesso aos arquivos do colégio de S. Paulo, o padre Montanha escreveu uma obra que intitulou "Apparatos para a historia eccleziastica do Bispado de Macao". O manuscrito elaborado entre 1749 e 1752 foi depois mandado para Lisboa (provavelmente uma cópia). Que eu saiba, nunca foi editado na íntegra. Contém uma das mais completas descrições da Igreja e do Colégio de São Paulo. Em baixo reprodução de duas páginas da obra manuscrita.
* Regressou a Portugal em 1750 e resignou em 1752 tendo morrido na pobreza em 1764. Durante os anos que esteve em Macau foi restaurada a igreja da Sé e o bispo foi muito crítico da escravatura, nomeadamente de crianças, chegando a escrever ao rei de Portugal Um retrato a óleo do bispo pode ser visto no Museu de S. Roque.
"Ano de 1603 em que se mudou o santíssimo sacramento para a igreja nova"
"Collegio de Macao"

Contexto:
A Companhia de Jesus foi reconhecida pelo Papa Paulo III em 1540. Pouco depois partiu do Vaticano rumo a Lisboa o padre jesuíta Francisco Xavier partiu para Lisboa de onde voltaria a partir para missionar no Oriente a 7 de Abril de 1541.
Os portugueses estabelecem-se em Macau por volta de 1557. Em 1567 o Papa Pio V designou o jesuíta D. Melchior Carneiro Leitão, Bispo de Niceia, para governar as Missões da China e do Japão. A Diocese de Macau seria criada a 23 de Janeiro de 1576 ficando anexada ao Arcebispado de Goa.

Alguns excertos dos "Aparatos":
As primeiras ermidas edificadas em Macau pelos jesuítas remontam a 1557, as de S. Lázaro e Sto. António feitas de "palha, como eram todas as casas de Macau", segundo o padre Montanha que acrescenta "como os chinas lhe punham fogo para furtarem (...) acudiram os moradores e fizeram a igreja de madeira e coberta de telha".

Muros da cidade cristã
"E pegado a ella (referência à Fortaleza do Monte) está hua porta que vai para o Campo de Moha, (Mong Ha) e desta porta vai correndo o muro das casas dos moradores athe S. António, aonde está outra porta para o ditto Campo, e na mesma forma vay correndo o muro para o Campo da Patane, aonde está hu postigo, e vindo de volta para a praya pequena, fica outro postigo que se fechou por não ser necessário, e do terceiro baluarte desta Fortaleza corre outro pano de muro para a parte de leste pegado ao Baluarte, aonde está o sino, aonde tem hum postigo para o Campo, e andando para o pano do muro a tiro de mosquete está a porta que vai para o Campo de S. Lázaro, e desta porta andando pelo muro a tiro de mosquete está um Baluarte (S. João) cô duas peças de ferro de 10 libras e na mesma conformidade a tiro de mosquete no mais alto d´esta muralha, e defronte da fortaleza da Guia está outro Baluarte cô huma pessa de ferro assistida para a porta da Fortaleza da Guia e dahi volta o muro para o sul em direitura ao convento de S. Francisco, e antes de chegar a elle tem hua porta que cahe para o mar, a qual se fecha todas noites (...)
Após um surto de peste bubónica, que teve origem nas habitações existentes próximo do baluarte (de S. João), no ano de 1895, foram queimadas as barracas com todos os haveres, e seguidamente construídas e alinhadas as ruas. Foi, então, desmantelado esse baluarte de S. João, que ficava no cruzamento da Travessa de S. João com a Rua da Colina. (...)

A primitiva ermida de Santo António
"E começou neste mesmo sitio em hua cazinhas térreas, mas mais abaixo junto de hua ermida de S.° António, e depois subirão ca p.ª cima, e vivendo de esmollas, cõ m.to poucos da, Gomp.ª até que andando o tempo e crecendo os da Comp.ª, digo e crecendo a povoação dos Portuguezes, e a Christandade em Japão, creceo tãbe esta Caza em numero de gente e edifícios.

Sobre a procissão em honra de S. Francisco Xavier
"Faz-se nesta Cidade em dez de Dezembro hindo na Procissaõ o Gouv.ºr e atraz do Palio com afua vella na maõ ; e entaõ o Prefeito da Congregaçaõ vay atraz da cherola do braço do Santo, e naõ hindo o G.ºr vay entaõ atraz do Palio cõ sua vella de cera na maõ.
Diante de toda a Procissaõ vaya Cruz grande que leva hum Irmaõ da Congregacam.
O Primeiro Guiaõ de Saõ Francisco Xavier Peregrino, e a cherolla de Saõ Joaõ Francisco Regis.
O Terceiro Guiaõ, e cherolla de Saõ Luis Gonzaga. O Quarto Guiaõ, e cherolla de Santo Estanslao Kostka. O Quinto Guiaõ, e cherolla dos Santos Martires de Jappam. O Sexto Guiaõ, e cherolla de Saõ Francisco Borja. O Septimo Guiaõ, e cherolla de Nosso Padre Santo Ignacio de Loyolla, Fundador da Companhia. O Oitavo Guiaõ, e cherollas das Santas Onze mil Virgens. O Nono Guiaõ, e cherollas de Saõ Miguel Arcanjo. O Decimo Guiaõ, e cherolla de Jesus, segue-se a sua Cruz, e confraria, e os Irmaons em ordem com as suas capas brancas, e tochas nas maons, e o Perfeito com a fua vara de prata na maõ, esta confraria lhe pafsou a Bulla o Papa Sixto Quinto. O Undecimo Guiaõ, e cherolla da Senhora da Annunciada com a fua Cruz, e os Irmaons estudantes com suas vellas nas maons. O Duodecimo Guiaõ de Sam Francisco Xavier, e cherolla com fua Reliquia do braço do santo, que levão quatro Religiozos da Companhia naõ Sacerdotes.
Ultimamente se segue a Commonidade com a sua Cruz. Depois o Palio. E atraz huma Companhia de soldados formados com seus oficiais"

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