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domingo, 30 de outubro de 2022

"Um belo panorama"

"De qualquer das alturas de Macau se goza um belo panorama, mas os viajantes, em geral, preferem ver do mar esta formosa cidade. Dos navios ancorados no porto interior, abraça-se uma perspectiva magnífica: começando na aldeia de Patane, sobre a qual se ergue a decantada gruta de Camões, e correndo ao longo do rio, aqui orlado de casas chinesas, acolá de edifícios cristãos, e todo semeado de embarcações de vários tamanhos e diversíssimas formas, desde o ligeiro gig britânico até à pesada sóma chinesa; vendo mais para interior da povoação as torres da catedral, o zimbório de S. José (colégio das missões, sem missionários) boas casas e jardins, e lá no fundo do quadro as fortalezas do Monte e da Guia, campeando sobre seus elevados outeiros; o grandioso edifício da alfândega, de que já falámos, donde se continua ainda com óptimas habitações, em diferentes planos, até à fortaleza de Sant'Iago da barra, antes de chegar à qual está um dos mais venerado pagodes destas partes.
Olhai que majestade apresenta o todo desse templo chinês, desfeiado apenas por algumas carantonhas, barbaramente pintadas nas suas portas; vêde como sobem essas ruas, costeando a montanha por entre uma vegetação prodigiosa, conduzindo o viajante a várias capelinhas na progressão da subida, um pouco ao gosto do Senhor Jesus da Serra, em Braga, e mesmo em Belas; lá está sobranceira a tudo isto a Ermida de Nossa Senhora da Penha de França, já meia derrocada, e sobre a fortaleza da barra o seu, pessimamente colocado, paiol de pólvora.
É encantador este quadro, mas todos lhe preferem, e eu com as massas, neste ponto, o painel que apresenta Macau, visto do Oceano, quando demandámos o seu porto. Logo para fora da barra se encontra outro forte (pouco forte) que tem a invocação de Nossa Senhora do Bom Parto (do bom porto teimam em chamar-lhe quási todos os turistas destes sítios); forma ele um ângulo agudo, por um lado com a margem do rio, e por outro com a Praia Grande, que se encurva por uma grande extensão até aos escolhos, que servem de antemural à fortaleza de S. Francisco.
A Praia Grande, brilhante aglomerado de palacetes com colunas ao gosto asiático-bretão, e defendida em parte contra o Oceano por muralhas de pedra, tem sofríveis cais, e próximo à residência dos governadores a caricatura de um fortim, à beira-mar, que incomoda os passeantes e não tem utilidade alguma.Por trás desse enorme renque de colunas, sobre as quais assentam arejadas varandas, encobertas por ciosas gelosias, vêem-se os quintais do Bom Parto, a encosta da Penha, e outros risonhos jardins; lá muito longe as montanhas do celestial império.
Seguindo para Oriente torna-se a ver a igreja das Missões, a Sé e o frontespício majestoso do convento de S. Paulo, única parte que resta da incendiada fábrica; para dentro desses cancelos está o campo da igualdade, o cemitério cristão.Depois lá seguem os fortes de D. Maria II, do Monte, e da Guia (onde nunca estiveram os paços episcopais, erro que já li em mais de um viajante), e descendo sobre o mar encontra-se a fortaleza de S. Francisco, fechando esta perspectiva, como dissemos, onde está aquartelada a força de linha.
Seguindo então com a vista pela praia em direcção oposta, isto é, do Oriente para o Ocidente, temos a notar as igrejas de S. Francisco e de Santa Clara (convento de freiras), e junto à casa da legação francesa a entrada da principal rua de Macau, que conduz à porta do campo, uma das que fecham a cidade; continuando porém a examinar a beira-mar, deixando os assentos de pedra, que hoje estão assombrados por novas árvores, começa a longa fileira de habitações elegantes, apenas cortada aqui e ali pela entrada de uma estreita devesa.Negociantes portugueses e estrangeiros ocupam quási todas essas casas, com excepção das duas piores e mais abarracadas, que são as residências do governador e do juiz de direito".

Francisco Maria Bordalo em Sansão na Vingança, título de uma novela publicada em folhetins ao longo do ano de 1854 n'O Panorama. Nomeado secretário do novo Governador, Francisco Maria Bordalo (1821-1861) chegou a Macau em 1850 e ali viveu durante 18 meses.
A foto não faz parte da publicação mencionada. É um panorama de Macau anterior a 1874 obtido a partir da Fortaleza do Monte.

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