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terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Bazar: "o quarteirão mais brilhante e animado da cidade chinesa"

O quarteirão mais brilhante e animado da cidade chinesa é o bazar. Trata-se de ruas estreitas cheias de lojas por onde circula uma multidão atarefada. Aqui, um carregador com uma vara ao ombro e, em cada uma das suas extremidades, uma carga suspensa; ali, uma jovem barqueira que passa rapidamente, a cabeça envolta num lenço de seda, mostrando uma longa veste e calças de algodão azul que deixam ver os seus belos pés nus que a moda não ousou mutilar. Mais além, uma velha senhora de pés aristocráticos, o que quer dizer semelhantes aos do casco de um cavalo calçado com um sapato. Ela marcha mancando e segurando um guarda-sol meio aberto que protege a sua cabeça cheia de cabelos grisalhos. Ou, então, encontra-se um jovem janota no seu robe azul, relógio à cintura, cabelos negros enfiados numa pequena touca, sapatos de seda de sola branca, ar ocioso e satisfeito, nariz empinado e leque na mão. Ou um sério burguês de barba grisalha com um rosto de tranquila beatitude, comodamente sentado numa cadeira que dois carregadores transportam o mais depressa que podem, gritando para arranjarem espaço e empurrando todos aqueles que não se afastam prontamente à sua passagem. 
Podem ser ainda dois operários semi-nus que, tomados de razões, brigam um com o outro, mas só depois de amarrarem as suas tranças à volta da cabeça para não darem qualquer vantagem ao adversário. Ou até mesmo incriminados que um guarda da polícia vai levar ao mandarim segurando-os pelo rabo-de-cavalo: não há qualquer receio que venham a fugir porque um chinês assim manietado pela trança sempre obedece à mão que o agarra.
A primeira vez que vi a grande rua do bazar acreditei que estava a ver uma decoração de ópera. Nunca tinha encontrado em nenhum outro lado esta estranheza de cores unida a estas bizarras formas. À direita e à esquerda, fileiras de colunas de madeira pintadas a vermelho sustentando toldos esculpidos. Depois, à frente de cada loja destaca-se um pilar carregado de alto a baixo, como um bastão de tinta da China, de inscrições em grandes caracteres. Aqui e ali, grossas lanternas cobertas de figuras grotescas e, dos dois lados da rua, as lojas que se abrem sem janelas e sem vidros a toda a sua largura, deixando ver a exposição de mercadorias e os detalhes do seu mobiliário. Existe normalmente um balcão atrás do qual o comerciante, com os seus pesados óculos sobre o nariz, passeia reflectidamente o pincel nos seus registos ou procura, com grandes gestos e modulando o melhor possível a sua voz monótona, fascinar a fantasia do seu cliente. Ao fundo, descobre-se um altar com a sua estátua pintada e dourada com pequenas velas que ardem, enquanto à entrada da porta se encontram alguns amigos sentados em cadeiras de bambu, falando sobre os negócios e os acontecimentos do dia, fumando através do longo tubo dos seus cachimbos.
As mercadorias estão dispostas na mais perfeita ordem e até com a aparência elegante das nossas lojas parisienses. No entanto, os objectos de arte e os mais dispendiosos vendem-se sobretudo na rua em que estamos alojados. O que melhor caracteriza o bazar é que se pode encontrar tudo, mas tudo o que é feito exclusivamente para a China sem qualquer influências europeias, desde a loja de estofos às lojas de comestíveis. O que permite surpreender os segredos dos hábitos quotidianos e íntimos da vida chinesa, conquanto a um nível pouco elevado já que os habitantes chineses de Macau geralmente possuem fortunas medíocres e a qualidade das mercadorias é, como em todo o lado, proporcional à riqueza dos consumidores.
Existem mesmo em algumas ruas lojas de ocasião que vendem um pouco de tudo como nas tendas a quatro soldos nas feiras das nossas aldeias: cachimbos, bastões, caixas de rapé, ábacos, pauzinhos para comer, guarda-chuvas, bússolas, leques, cintos, espelhos, pinturas grosseiras e milhares de objetos diversos. Encontram-se também comerciantes de velharias em cujas lojas se podem descobrir velhas divindades em madeira policromada, cobertas de pó e comidas pelos vermes, sentadas em tronos ou a cavalo em pássaros. Encontrei um dia numa destas lojas, bastante sombria e suja, um velho chinês que, dono da loja, tinha sentado no seus joelhos uma pequena criança. O único raio de luz que atravessava esta poeira e obscuridade iluminava directamente o rosto do velho que, como uma estátua de porcelana, abanava a cabeça, punha a sua língua de fora e revirava os olhos para entreter o petiz que ria.
Nas esquinas e nos cruzamentos depara-se com barbeiros, cozinheiros e vendedores de legumes que vendem as mercadorias no meio das ruas. O barbeiro rapa a cabeça do seu cliente com uma grande navalha triangular. O cozinheiro vende caldo, arroz e bolos sob o seu guarda-sol de papel oleoso. O vendedor de legumes, para além das couves, dos inhames, das abóboras e dos melões, tem também raízes de nenúfar, castanhas de água, raízes de bambu e brotos de feijão verde. Os frutos do mar vendem-se num barracão. Aí se encontram polvos, rãs, tartarugas, mexilhões, vermes do rio, peixes de todas as formas e cores, alguns com grandes barbas como os lagostins, outros com bicos achatados como os patos. Não é raro encontrar, transportados em caixas à vista, cães e gatos destinados a satisfazer a gastronomia dos pequenos comerciantes do bazar, enquanto ratos secos se encontram ao lado de pedaços de búfalo e de porco nas bancas dos carniceiros.
Theophile de Ferrière Le Vayer, Une Ambassade française en Chine. Jornal de Voyage. Paris: Librairie D Amyot, 1854 (o relato foi feito in loco em 1844)
Pintura - óleo sobre tela - vista da Praia Grande
primeira metade séc. 19 - autor anónimo


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