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quarta-feira, 6 de maio de 2020

"Uma Viagem no Sui An*"

"A atrofia de imaginação e sentimentalismo está reflectida no nome dos vários barcos que fazem a travessia de Hong-Kong a Macau. Esperaria naturalmente o viajante encontrar o nome de "Luís de Camões", dos "Lusíadas", ou mesmo o de "Druida" em memória do pequeno mas esforçado navio comandado pelo Capt. Lord Henry Churchil que está sepultado no velho cemitério protestante de Macau. Mas, não. 
O barco chama-se "Sui An". Se o seu nome nada diz, o barco no entanto é bonito, muito próprio para pic-nics e o viajante americano sentado no convés pode facilmente imaginar-se a caminho da ilha Coney. Uma das particularidades mais interessantes que notamos em todos os barcos é a presença de um guarda. Armado e equipado, passeia serenamente no convés infundindo confiança ao viajante como a dizer-lhe - "Não tenha receio! Que estou aqui". Apesar de muito pitoresco e divertido é todavia de grande utilidade, por causa dos piratas que infestam o Mar da China. Este homem, que mal deixa ver o rosto encoberto nas barbas espessas, é uma alma forte que está preparada a defender-vos com risco da própria vida. Quem já fez a viagem, não esquecerá. nunca figura tão abnegada. 
O "Sui An" começou sua carreira marítima na Scothish Highlands. Era airoso e veloz. Mas a longa estadia no Oriente causou-lhe urna lassidão, aliás nada de estranhar nesta parte do mundo. Vai rodando suas hélices negligentemente, oferecendo todos os detalhes nas três horas que gasta a chegar a Macau. 
Avistando o farol o "Sui An" entra na mais bela baía do Oriente. A visão guarda a recordação da arquitectura clara da Europa meridional - casas com terraços, cor azul, rosa, amarelo, espalhando-se tudo sobre um bonito e arborisado cabo. O aspecto geral da paisagem apreciada do vapor é sugestiva e lembra uma alegre e risonha praia do Mediterrâneo ao longo de Riviera. As cores das casas à portuguesa levou Frederic Courtland Penfield a denominar Macau "um arco íris encalhado no Oriente". Então o "Sui An" entra no dique e dá duas horas antes de voltar ao Pico Vitória. Portugal, índia, África Ocidental na China. (...)
A doce saudade do jardim de Camões é perturbada pelo estalar do jogo feito à mão. Os sinos das igrejas não deixam ouvir o tinir das moedas do fantan. O psalmodiar dos ramos sobre a sepultura de Morrison é interrompida pela fervura do ópio nas grandes caldeiras. Brancas e pequenas nuvens flutuam num céu de azul infinito. Ao longe, no lodo, brincam semi-nus uns rapazitos chineses. A mãe enlevada contempla-os O "Sui An" move-se vagarosamente. Deixa Macau. Dirige-se a Hong-Kong."
Publicidade da época aos vapores Sui An e Sui Tai
da Hongkong, Canton & Macao Steamboat Co. Ltd.
Excerto traduzido do artigo de Edgar Allen Forbes "Macao Land of Sweet Sadness" (o equivalente a "Macau - Terra da Doce Saudade") publicado na edição de Setembro de 1932 da revista National Geographic.
O original foi primeiramente editado em 1927 num pequeno opúsculo de 23 páginas intitulado "Macao, Land of Sweet Sadness: The Oldest European Settlement in the Far East, Long the Only Haven for Distressed Mariners in the China Sea".
* Sui An, nome da embarcação a vapor que fazia as ligações fluviais entre Macau e Hong Kong, significa "maré-baixa"

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