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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

EXCLUSIVO: Memórias de Nona Pio-Ulski Langley - 1ª parte

Quando em Outubro de 1917 a Revolução Bolchevique levou ao colapso do Império Russo, mais de um milhão de lealistas - conhecidos como russos 'brancos', em contraste com os bolcheviques "vermelhos" - fugiram do país. Muitos rumaram à China. Mais precisamente, ao nordeste, à Manchúria.
Em meados da década de 1920, já eram mais mais de 300 mil no total, a maior parte a viver nas cidades de Harbin e Shangai. Harbin era mesmo considerada uma colónia russa e a sede no exílio da Igreja Ortodoxa Russa. Quando a China reconheceu oficialmente a União Soviética em 1922, este russos 'brancos' ficaram apátridas e as empresas russas em Harbin substituíram muitos deles.
Esta história começa com a partida da família Pio-Ulski - os avós da protagonista deste post, Nona - de Vladivostok, na Rússia.
Em 1917 a avó, Anna Nozadze, já grávida, recebe um telegrama do marido (militar em frente de combate) que lhe diz para sair de casa em Baku (junto ao mar Cáspio) e juntar-se a ele em Vladivostok. A mulher do coronel segue o conselho. Vende uma pequena jóia de diamantes para poder comprar os bilhetes de comboio que a iriam levar numa viagem de comboio ao longo de quase 12 mil quilómetros. Será no comboio que nasce a bebé (Lila, mãe de Nona), "um parto assistido por um veterinário", recorda a neta Nona.
Vão viver em Vladivostok até 1923 ano em que saem do país de comboio, na linha do transsiberiano. Uma viagem de cerca de 800 km tendo chegado a Harbin, na China, em 1924. Por esta altura Harbin já era uma espécie e colónia russa em território chinês com perto de 100 mil habitantes oriundos da Rússia.
O pai de Nona, tinha 14 anos, quando chega a Harbin. Pede para não ir estudar porque gostava muito mais de música. Tocar piano. E começa nesse mesmo ano a sua carreira a tocar, primeiros em bares e restaurantes, e depois em hotéis, incluindo o luxuoso Astoria e o Moderne.

George ao piano com uma banda de filipinos: Shangai, 2 Setembro 1930

A família irá viver em várias cidades: Mukden (1925), Pequim (1926 a 1933), Tsingtao e Shangai (1933). Será em Shangai que George conhece Lila Nozadze, em 1936, também ela formada em música, e que viria a ser a mãe de Nona. "A julgar pelos fotos deles na altura, julgo que estavam muito felizes", recorda Nona. "Os amigos russos chamavam-lhe Lyalya e ela preferia o nome Lila; no passaporte tinha como nome Lila Melitza".
Em Agosto de 1937 Shangai é bombardeada pelos japoneses. George e Lila fogem para Hong Kong em Novembro desse ano.
George e Lila Pio-Ulski: Hong Kong, 15 Julho 1939

Em Hong Kong George passa a actuar nos  hotéis: Hong Kong Hotel, Península, Repulse Bay e no Gloucester. Ele ao piano e também num quinteto de cordas. E ainda na rádio de HK. Em 1939 têm a primeira filha.
Com a invasão de Hong Kong pelos japoneses em Dezembro de 1941, deixam de tocar em hotéis e passam a actuar em restaurantes e clubes de dança, tão típicos da época, e mesmo durante a ocupação, sempre muito frequentados, pelos japoneses e pelos mais abastados. Eram estrangeiros em Hong Kong escapando assim aos campos de prisioneiros. "Nunca os ouvi falar sobre o período da guerra", diz Nona que nasceu em Agosto de 1947, dois anos depois da vitória aliada. Era a segunda filha. Sobre a infância, passada em Kowloon, diz que foi "uma doçura". E acrescenta: "Os meus pais nunca falavam russo comigo ou com a minha irmã". Por via do estigma do que passaram como emigrantes, os pais de Nona viriam a solicitar a cidadania britânica e a mudar de nome. E o mesmo aconteceu com as filhas.
George e  mulher Lila, numa actuação no Hong Kong Hotel em 1947

A família Smirnoff foi outra das que teve uma experiência idêntica. Com a particularidade de terem vivido não só em Hong Kong como também em Macau. Nona recorda-se bem...
"Éramos muito amigos dos Smirnoff. Foi uma tragédia o suicídio de George depois da guerra. A sua mulher, Nina, trabalho no hotel Peninsula durante muitos anos até emigrar para Sidney. Lembro-me especialmente dos filhos, em particular do Alex, a quem chamávamos de Sasha. era como um irmão mais velho para mim. Muito boas pessoas. Os três filhos aprenderam a tocar piano com a minha avó. A mais velha, a Irinia, aprendeu com o meu pai."

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