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segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Liceu de Macau: o primeiro ano lectivo

O Liceu de Macau foi criado - no papel - em 1893. Na "Carta de Lei" pode ler-se:
Art. 3.º - A instrução secundária será ministrada no Liceu Nacional de Macau, criado por esta lei.
Art. 4.º - O liceu Nacional de Macau é equiparado, para todos os efeitos, em categoria aos liceus nacionais do reino.

O "lyceu" - como se escrevia na época - seria inaugurado a 28 de Setembro de 1894 no antigo Convento de Santo Agostinho - na zona onde está actualmente a igreja com o mesmo nome e o teatro D. Pedro V - pelo governador mas sem cerimónias solenes já que a família real estava de luto. Nesse primeiro ano lectivo inscreveram-se 33 alunos: 29 rapazes e 4 raparigas. Tinham completado 4 anos de instrução primária e seguiam para mais 4 anos do curso geral do liceu onde iriam ter disciplinas como literatura portuguesa, língua francesa, língua inglesa, língua latina, matemática elementar, física, química e história natural, geografia e história.
Na edição de 6 de Janeiro do jornal "O Independente" pode ler-se:
“Pelo que vimos em alguns jornais do Reino, devem já ter sido nomeados definitivamente professores do novo Liceu de Macau os seguintes cavalheiros: O Sr. Wenceslau José de Sousa Moraes, Capitão-tenente da Armada, para reger a cadeira de Matemática; o Sr. João Albino Ribeiro Cabral, Tesoureiro geral da Província, para a cadeira de Latim; o Sr. Augusto César d’ Abreu Nunes, Director das Obras Públicas, para a cadeira de Desenho; o Sr. José Gomes da Silva, Chefe do Serviço de Saúde, para a cadeira de Introdução [lecciona a 6.ª cadeira, Física, Química e História Natural]; e o Reverendo Cónego Baltazar Estrocio Falleiro para a de Inglês”.
A 16 de Abril de 1894 o corpo docente tomou posse. Entre os professores, para além dos acima mencionados, estavam ainda João Pereira Vasco e Camilo Pessanha. Pessanha será o autor do regulamento da instituição aprovado em Agosto e José Gomes da Silva, primeiro reitor da instituição.
O espaço que albergou o Liceu era na altura usado pela guarda policial que passou para o quartel de S. Francisco.
Os exames finais de instrução primária que davam acesso ao Liceu efectuaram-se nos dias 10 e 11 de Setembro de 1894 e na edição de 10 de Outubro do jornal Echo Macaense - "Os Exames do Liceu" - ficamos a saber como foi todo esse processo.
“Funcionaram duas mesas, sendo uma composta do professor do Liceu, o Reverendo Cónego Falleiro, presidente, e dos professores de instrução primária, Rev. Pe. Alves e José Vicente Jorge e a outra, de Sr. João P. Vasco, professor do Liceu, presidente, e dos professores de instrução primária, Rev. P. Costa e Sr. Constâncio da Silva. Foram examinados e admitidos 29 rapazes e quatro raparigas” (...) Depois da instalação do Liceu, vários jovens que tinham feito os seus estudos no Seminário de S. José, requereram para fazer exames no novo estabelecimento escolar, pagando as propinas marcadas na lei. Verificaram-se os exames de algumas disciplinas, sendo uns examinandos aprovados, e outros adiados, sem dar isto lugar a queixa alguma. Aconteceu infelizmente no exame de português, 1.ª parte, que a maior parte dos examinandos foram reprovados, incluindo dois jovens que tinham sido aprovados com distinção e premiados no Seminário de S. José no 2.º ano desta mesma disciplina”.




Camilo Pessanha fez parte do primeiro corpo docente do Liceu de Macau.
Ao lado uma fotografia tirada em Hong Kong ca. 1895 por A Fong.
É um dos raros registos em que Pessanha se deixou fotografar de frente (por causa do problema nos olhos) de chapéu, camisa branca e casaco, todo aprumado, bem diferente das fotografias que viriam a ser feitas anos mais tarde, onde o professor, advogado e poeta, surge de barba desordenada e bem mais magro numa aparência doentia fruto do consumo de ópio.
Por via disto os jovens ficaram “descontentes com este veredictum do júri, que eles classificaram de injusto. Este facto despertou em nós a curiosidade, e levou-nos a ir assistir aos exames da segunda turma. Podemos asseverar que as perguntas feitas pelo júri nem eram difíceis nem caprichosas, e dos três examinandos a cujos exames assistimos, pareceu-nos que dois responderam satisfatoriamente, titubeando às vezes, como era de esperar no estado nervoso em que estavam, mas revelando conhecimento suficiente da matéria; e, com certeza, sabiam muito mais de português do que os examinandos de inglês, a cujos exames também assistimos, sabiam desta língua. A impressão que nos ficou destes dois exames a que assistimos foi, que a aprovação no exame do Liceu, tanto em português como em inglês, não tem nenhuma importância prática como garantia de que os indivíduos ai aprovados saibam qualquer destas línguas. (…) A explicação do texto e a composição são pois os critérios por onde se pode aquilatar bem o conhecimento que um indivíduo tem de qualquer língua; mas nos exames de português a que assistimos não se recorreu a estas duas provas práticas, contentando-se o júri com perguntas acerca das definições e regras de gramática e com a análise gramatical e lógica de um trecho. (…) O exame, pois, é todo teórico. Quanto ao exame de inglês, ficámos ainda mais tristes com o que vimos. (…) Basta dizer que os examinandos nem sabiam ler as palavras mais fáceis, tanto assim que o professor cónego Falleiro não cessava de corrigir a pronúncia a cada momento; e contudo foram aprovados! Foi essa injustificável indulgência no exame de inglês, e no de filosofia, que concorreu muito para exacerbar os ânimos, quando se conheceu do resultado desastroso do exame de português, porque a equidade pedia que não houvesse dois pesos e duas medidas. (…) Se é este o sistema seguido modernamente em Portugal, fique então isto de prevenção para os jovens macaenses, a fim de que, no futuro, se quiserem ser aprovados, tratem de decorar e decorar muito, até que possam repetir como papagaios, que só assim conseguirão ser aprovados, embora não tenham digerido o que decoraram”.

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