Páginas

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Alvarenga e outros brasileiros

Foram vários os casos de cidadãos nascidos no Brasil que foram governadores de Macau.
Lucas José de Alvarenga (1768-1831), nascido em Minas Gerais, foi um deles. Governou entre 1808 e 1810 chegando ao território no navio britânico Elphinston. Antes (1799) formara-se em direito na Universidade de Coimbra.
“Indo eu só para Macau, o primeiro que foi governar ali portugueses tão ricos e poderosos, alguns dos quais eram membros do Senado”, escreveu no diário.

O convite para governador foi de facto inusitado - Alvaranga não tinha nenhuma experiência administrativa - e partiu do então vice-rei da Índia, D. Bernardo José de Lorena, também oriundo do Brasil e que acompanhou Alvarenga na viagem rumo ao Oriente, sendo que Lorena ficou em Goa.
"Península e Porto de Macau": mapa de 1834
O contexto da época era muito difícil. Os ingleses ameaçavam constantemente conquistar Macau e os piratas na região também. Acresce que na época vivia o Ouvidor Miguel de Arriaga Brum da Silveira constantemente desavindo com o Senado. Foi de tal maneira que logo à chegada o governador seria impedido de exercer o cargo. Estas e outras vicissitudes escreveria Alvarenga anos mais tarde, já regressado ao Brasil, no livro "Memória e Observações à Memória" publicado em 1830.
Nesse livro escreve assim sobre o convite para governador feito pelo governador da Índia, Conde de Sarzedas (D. Bernardo José de Lorena, ex-governador da capitania de Minas Gerais): “apesar das aparências de talento com que elle me suppunha, eu me julgava sem a experiência necessária para o desempenho destas tão árduas comissões".E acrescenta sobre o seu mandato:
"Assentei logo firmemente de empenhar todos os meus esforços, para aproveitar-me [nesta ocasião forçada] de toda a atividade do meu espírito, e memória, dos meus estudos prévios, e desse pequeno talento que o Céu me deu, para poder assim com dignidade [e mesmo com algum esplendor] concluir honrada, e airosamente não só a Comissão em geral de arranjar e por tudo em boa ordem [o que me dava algum cuidado pela oposição, e má vontade, que eu tinha de encontrar no Senado]; como principalmente as duas dificílimas tarefas, que tinham sido a causa primária da minha nomeação para aquele Governo, onde me era portanto indispensável unir bem estreitamente as Armas às Letras".
Quanto ao Senado e o Ouvidor classifica-os como “mortais inimigos de todos os governadores”. Sobre a luta contra os piratas escreveu:
"Foram-se aumentando os insultos; as Costas batidas, e saqueadas; importantes contribuições impostas às povoações, que com medo das bárbaras mortes, que viam dar-se horrorosamente aos outros, as pagavam prontamente (...) chegaram enfim os piratas pela sua quantidade e força, a senhorearem-se dos canais de Wampu; e então em conseqüência de uma representação feita pelos chinas à cidade e das circunstâncias que ocorriam [...] expedi a ordem positiva nº. 3º em data de 7 e 11 de setembro de 1809, para serem batidos os piratas, e se desembaraçarem os canais, que tinham já ocupado (...)
Os nossos dois navios somente, Brigue e Belisário [...], fizeram tal estrago nos inimigos, que não só deixaram com efeito livres e desembaraçados os ditos canais para o comércio; mas ficou desde então arraigado nos corações dos piratas um certo terror, que (quanto a mim) o julguei sempre uma das principais causas para as sucessivas vitórias".

Este facto não é de somenos importância já que Alvarenga granjeou para si os loutros da vitória sobre os piratas embora na época ninguém o tivesse feito. Diz ele:

"tendo eu sido o Governador naquela Época, o Autor, e único, que dirigia não só todos os negócios públicos, mas muito privadamente este, em que tudo se fez debaixo das minhas ordens, e se concluiu quatro meses antes da chegada do meu Sucessor; tudo isso seria bastante, ou de sobejo para dar uma idéia do objeto, contexto , e falta de exatidão dessa Memória."
A "Memória" a que Alvarenga se refere é... o livro "Memória sobre a destruição dos piratas da China de que era chefe o célebre Cam-Pan-Sai, e o desembarque dos ingleses na cidade de Macau e sua retirada", escrito por José Ignácio de Andrade e publicado em Lisboa, em 1824, e onde Alvarenga quase não é mencionado sendo os elogios dirigidos ao Ouvidor.
Sentido-se ofendido, Alvarenga escreveria em 1828 a obra "Memória sobre a expedição do governo de Macau em 1809, e 1810 em socorro ao Império da China contra os insurgentes piratas chineses, principiada, e concluída em seis meses pelo governador, e capitão general daquela cidade, Lucas José d’Alvarenga".
Alvarenga passaria despercebido na sua acção como governador (regressaria ao Brasil em 1818) destacando-se no entanto como poeta.
Para a posteridade deixou escrito: “Memória sobre a expedição do Governo de Macao em 1809, e 1810 em socorro ao Império da China contra os insurgentes piratas chinezes, principiada, e concluída em seis mezes pelo Governador e Capitão Geral daquella cidade”, “Artigo Addicional à Memória” e “Observações à Memória”, publicados no Rio de Janeiro, em 1828, 1828 e 1830.


Na imagem a "Carta do Combate Naval da Boca do Tigre", manuscrito de ca. 1810. Ilustra o combate naval entre uma esquadra portuguesa de 6 navios, 118 bocas de fogo e 730 homens e a frota pirata de Kam Pau Sai, de cerca de 300 juncos de guerra, 1500 peças e cerca de 20.000 homens.
António de Albuquerque Coelho foi outro brasileiro que chegou a ser governador de Macau em 1718. Mas foram muitos os casos de brasileiros que seriam destacados para Macau como magistrados, missionários, professores, marinheiros, soldados, funcionários, escritores. Para já, deixo apenas alguns exemplos: Pe. Francisco de Sousa (missionário); José de Aquino Guimarães de Freitas autor de “Memória sobre Macau”, publicada pela Real Imprensa da Universidade de Coimbra em 1828; e João Baptista Vieira Godinho: autor das obras: “Memória sobre a necessidade de estabelecer em Macau um adjunto da Fazenda Real”, “Memória sobre a necessidade de se pagar na Alfândega de Macau 1 até 1 ½ por cento de direitos de saúde”, “Memória sobre a autoridade régia que em grande parte se acha aniquilada em Macau” e “Memória sobre o anfião, que sendo o comércio livre em Macau, e de contrabando na China, tem sido a causa da ruína de alguns Governadores e de muitos moradores daquela cidade por intriga destes”.

1 comentário:

  1. A história contém um sem fim de curiosidades
    e é muito gratificante quando não são esquecidas :)

    ResponderEliminar