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domingo, 11 de novembro de 2018

Macau por Adolfo D'Eça (1918)

Há 100 anos, em Novembro de 1918 a revista Illustração Portugueza publicava uma artigo de duas páginas com textos e fotos da autoria de Adolfo D'Eça. Eis a proposta para o post de hoje... uma viagem a como era Macau há um século...
Qual é o itenerario a seguir para evitar o calor intenso do verão ou para fugir á densa humidade dos mezes invernosos? E qual é o local mais proximo, para onde se ir procurar descanso para a fadiga da longa viagem. São estas as perguntas que os turistas, ao entrarem nas companhias dos vapores, em Hong-kong, costumam fazer. Macau!!... 
Eis tambem a única resposta que sempre obtéem. É que esta colonia portugueza, colonia n'uma das margens da ilha de Heung-Shan, medindo cinco kilometros no seu maior cumprimento, sobre trez na sua maior largura, oferece, pelo seu aspéto pitoresco e encantador, uma agradavel impressão áquele que a visitar pela primeira vez.
Deixando Hong-Kong n´um dos vapores comodos de 6 pés de cala, o turista, depois de 4 horas de uma travessia atravez inumeras ilhas, descobre na eminencia um dos pontos mais culminantes da peninsula, a Fortaleza da Guia, com o seu farol, que conta perto de um seculo de existencia; o primeiro farol rotativo que alumiou a navegação nos mares da China; farol construido pelo distinto macaense, que, em vida, se chamou Carlos Vicente da Rocha. No museu das Janelas Verdes, em Lisboa, deve ainda estar o farol em miniatura que serviu de molde e que foi feito pelo referido extinto. Chegada a esta altura o vapor é obrigado a reduzir o seu andamento para entrar no canal.
Avista-se então a cidade de Macau, edificada nas encostas dos montes. É de pitoresco e magnifico aspéto aquele anfiteatro subindo desde o semi-circulo de Praia Grande como em escalões pelas alpenduradas das montanhas os edificios pintados de diversas côres, destacando no meio de frondentes arvoredos e por cima de todos coroando os mais altos picos as velhas fortalezas do Monte e da Guia; o elegante e grandioso Hospital de S. Januario, o magestoso frontespicio da destruida Igreja de S. Paulo, pesada mole de maciça cantaria, adornada de estatuas de bronze em tamanho natural; a branca ermida da Senhora da Penha, residencia favorita do ultimo prelado de Macau e o magestoso Hotel de Boa Vista, hoje transformado no Liceu Nacional. 
Entrando a seguir no porto interior a vista é tambem linda, mas d'um aspéto diferente. Filas de juncos chinezes de varias dimensões ancorados em ambas as margens do rio, deixam vago um estreito caminho para a entrada e saida dos vapores da carreira. Minutos depois chega-se ao terminus de uma Viagem de 44 milhas. O vapor atraca-se ao caes, onde se efetuam o desembarque dos passageiros e a descarga das mercadorias.
O turista conduzido em automoveis ou em jerinshas (carros puxados á mão) percorre por momento algumas das estreitas ruas do bairro chinez, entra na Nova Avenida (Ribeiro d'Almeida), onde estão construidos edificios novos e elegantes, que dão uma impressão mais agradavel do que as antigas lojas avistadas logo á entrada do porto interior; ao mesmo tempo que o seu movimento comercial dá de conhecer ao forasteiro que está n'uma cidade, que, embora pequena, conta com uma população de 80 mil almas. Minutos depois encontra-se na Praia Grande a curva graciosa que de bordo atraiu a atenção do viajante: edificios grandiosos, taes como: Palacio de Justiça, Palacio do Governo, residencias de capitalistas chinezes e edifícios construídos à europeia. 
Ha varios passeios em Macau. O mais preferido pelos turistas é: a Avenida Vasco da Gama de uma extensão de 600 metros e fechado n´uma extremidade por um rico jardim cuidadosamente tratado e n´outra pelo elegante monumento dedicado a Vasco da Gama. 
Saindo d´esta Avenida percorre o viajante estradas bem lançadas e assombradas por grandes arvores até que atinge «As Portas do Cerco», portico historico onde existem lapides atestando os feitos dos dois heroes tão bem-quistos e venerandos pelos macaenses Amaral e Mesquita. 
Voltando continua o viajante o seu passeio atravessando a antiga povoação da Patane, hoje transformada em um local assás prazenteiro, até chegar á Gruta de Camões, onde, segundo a tradição, o grande poeta passou horas bem amargas para concluir a sua gigantesca obra os Luziadas. Não deixa turista algum a Cidade de Macau sem visitar as ruinas da Egreja de S. Paulo, cujo frontespicio começou a contemplar de bordo do vapor. 
Só depois de admirar estas antiguidades que atestam o dominio secular de Portugal sobre aquela possessão genuinamente portugueza é que o turista regressa a Hong-kong contente, satisfeito e bem impressionado do que viu, estudou e admirou n'essa velha cidade portugueza, que possue paginas tão brilhantes na historia das conquistas portuguezas. 
Adolfo D´Eça in Illustração Portugueza, 4 de Novembro de 1918

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