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sábado, 15 de setembro de 2018

Os tufões de 1874 e 1875

A 22 e 23 de Setembro de 1874 Macau foi assolada pelo mais devastador tufão de que há memória. Mal refeita dos estragos causa, menos de um ano depois, a 31 de Maio de 1875 um novo tufão viria a atingir o território.
Artur Lobo d'Ávila, filho de José Maria Lobo de Ávila (1817-1889), governador entre 7 de Dezembro de 1874 e 30 de Dezembro de 1876), deixou um relato do que se passou nesse dia no Palácio do Governo.
“O Governador, Visconde de S. Januário, aconselhara a família do seu sucessor, a transferir-se para a ala direita do palácio, por ter sido a menos batida pelo tufão. Assim fizemos , mas com resultado exactamente negativo, pois foi essa ala a que ruiu com a nova tormenta de Maio de 1875.
O tufão começou, como de costume, por uma lestada. E quando da Secretaria da junta, quis regressar a casa, já os cules não puderam trazer-me na cadeira; e, de gatas, tive de atravessar o jardim na parte posterior do palácio para entrar em casa.
Os tufões ficam assinalados com os nomes dos governadores. No de S. Januário, o barómetro desceu tanto, que acabou por estoirar a coluna de mercúrio, a ponto de o oficial às ordens - 1.º tenente Júlio Elbão de Sampaio - dizer ao Governador, que a agulha doidejava, marcando o nome do fabricante.
Durante essas tormentas, os telhados são descosidos e, em pedaços, voam pelos ares. Quem se arrisca a sair, corre perigo de vida, mesmo resguardado com um tundum, espécie de capacete de duríssimo bambu. (...)
António de Azevedo e Cunha defendeu o palácio, enquanto foi possível. As janelas foram interiormente, revestidas com taipans de madeira e escoras. Mas, mesmo assim, o mar, rugindo furiosamente, despedaçou as da secretaria, instalada no rés-do-chão. Foi neste momento que o Cunha, o ajudante do Governador, a ordenança Carlos, - filho de macaístas - eu, alguns soldados e operários, descemos ao referido andar, onde a tremenda inundação começava a causar terríveis e trágicos efeitos.
O Cunha, que empunhava uma pequena lanterna, vendo os da frente atingidos por uma derrocadas, gritou aos que o seguiam: – Para trás, rapazes. . .
Quinze pessoas, entre europeus e chinas, ficaram soterrados nos escombros negros e tristes.  Quando foi possível, à luz de archotes desenterrámos o ajudante-de-ordens do Governador, Alferes Caetano Diniz Junior, que tinha ficado entre as ruínas, a sua figura era confrangedora e arrepiante. Tinha perdido os sentidos e ao recobrá-los todo ensanguentado e de olhos esbugalhados, muito a custo, disse-nos: - Lembrei-me de meu pai...  Vi-o...  Foi ele que me salvou...
Depois foram desenterrados e socorridos, como era possível, os demais sinistrados, que, entre ais e gemidos, aflitivamente, pediam que os salvassem. A ordenança de cavalaria, Carlos de Manila, achou-se também às portas da morte; o china, Paulo, morreu.
Um pesado banco chinês, revestido de mármore, depois de despedaçadas as janelas, deslocou-se com o furacão e veio bater nas pernas do Governador, meu pai, ferindo-o profundamente. Este desastre, porém, evitou que ele caísse do primeiro andar para o montão de ruínas que aumentava no pavimento inferior.
Até ao amanhecer, os que escaparam aos horrores desta tragédia e os feridos, estiveram refugiados num godão - pequena arrecadação, semi-subterrânea, em que entrava a água do amor, depois de ter galgado as ruínas do aterro da Paria Grande - sobre feixes de lenha.
A população de Macau, passada a tormenta, julgou que no palácio só havia cadáveres…E pela tarde, uma proclamação do Governador terminava assim:
“Macaenses – A cidade de Macau, que ia ressurgindo das ruínas do terrível tufão do ano passado, foi novamente experimentada por idêntico flagelo. Peço-vos serenidade, conformidade e trabalho, para vencermos esta nova crise, pois que, como vosso Governador, velarei por vós, assim como convosco partilhei os horrores do cataclismo que, como é notório, esteve a ponto de deixar sem família."

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