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quinta-feira, 3 de maio de 2018

Achegas para a Geografia de Macau



"Na cidade, nas horas de maior bulício, as pessoas acotovelam-se e os transportes colectivos e individuais têm dificuldade em passar. Com uma densidade populacional de cerca de 29 000 h/km2, Macau integra-se bem no tipo da cidade oriental, formigueiro de gente. Por entre o amontoado de casario sobressaem algumas colinas graníticas a que a densa vegetação, que as cobre quase por completo, e a aspereza das encostas dão maior realce. Em pleno centro, a colina do Monte, encimada por uma fortaleza à Vauban, mandada edificar pelos Portugueses, domina a cidade; no flanco do Noroeste ergue-se a elegante fachada de pedra, restos da "mais linda igreja do Oriente", que um incêndio devorou em 1825. À roda da igreja e no contraforte da fortaleza situou-se, até ao século passado, o mais importante bairro português. Ainda aí hoje se vêem alguns palácios e sobrados que se desafiaram uns aos outros em beleza; mas na quase totalidade foram abandonados pelos descendentes dos antigos moradores e acabaram por ter o triste destino dos palácios de Xabregas, em Lisboa. Apenas na Rua de Santo António algumas destas casas grandes continuam habitadas por famílias de dinheiro e de bom gosto. Ainda no centro, a colina de Camões é inteiramente ocupada por um grandioso jardim. A oeste da Península encontram-se as colinas da Barra e da Penha, uma e outra conquistadas pela implantação de vivendas ricas envoltas em jardins floridos, o mesmo se verificando de 1960 para cá, com os relevos de São Januário e Guia, a sudeste; porém em Mong-há, a norte, e na Ilha Verde, a noroeste, onde ainda não chegou a onda de construção, salientam-se as manchas de verdura intactas, fazendo realçar ainda mais as elevações.
De todas as zonas em que se pode dividir a cidade, a que mais atrai a atenção do Ocidental é a do bairro do Bazar, habitado principalmente por chineses e com uma vida comercial muito intensa. Ruas estreitas e sombrias são ladeadas por prédios esguios de dois ou três andares; quase todos possuem varandas muito salientes, as dos andares inferiores protegidas pelas varandas dos outros, apoiadas em colunas geralmente de madeira; as dos últimos andares são cobertas com folhas de zinco ou simples oleados, que as abrigam das chuvadas de monção de Abril a Setembro. O rés-do-chão de quase todos os prédios é ocupado por lojas , indicando os grandes letreiros, em vistosos e coloridos caracteres chineses, o ramo de negócio. E muito mais do que uma loja de aldeia europeia, cada pequenina loja é um mundo de artigos; bancadas de madeira de um e outro lado das portas, às vezes em montras, e uma amostragem seleccionada indica os artigos que há para venda: produtos alimentares, de vestuário, calçado, brinquedos, bugigangas várias, uma secção de câmbios, etc., etc. Mas também existem lojas especializadas na venda de certos produtos: antiguidades, ervanárias (é bem conhecido de todos os ocidentais a sua importância na medicina oriental), casas de vinho chinês, isto é, de álcool destilado de arroz, diferindo de sabor consoante os animais que se juntam, até ficarem desfeitos (por exemplo: gatinhos, cobras, lagartos). É nestas ruas que o bulício é maior e as pessoas se acotovelam mais amiúde nas horas de maior movimento; quando subitamente todo este movimento cessa e a azáfama comercial se interrompe, as janelas iluminadas e as portas entreabertas, donde sai o ruído surdo das pedras de majongue, são o único sinal de vida, pela noite fora.
Na larga Avenida Almirante Sérgio, que rodeia o porto interior, em contraste, encontra-se o maior número de casas comerciais dedicadas a um mesmo ramo: tudo relativo à pesca, desde a venda dos mais variados apetrechos para os barcos e para a faina, até à compra e exportação do pescado. Também é nesta zona da cidade que está localizada a grande maioria das suas pequenas indústrias (serração de madeira e construção naval, tinturaria e estampagem de tecidos, confecção de vestuário, luvas e calçado, artigos eléctricos, esmaltagem, garrafas térmicas), que ocupam 16 000 pessoas (1/4 na confecção de artigos de vestuário e outro 1/4 no fabrico de explosivos e pirotecnia) e contribuem para alimentar, pela maior parte, as exportações e abastecer uma clientela modesta de grande número de portos da África Oriental.
No istmo, perto da porta do Cerco e bordejando a periferia oriental da cidade, vêem-se desenvolvendo aterros há mais de três décadas; em 1961, formavam um conjunto de 68 ha, repartidos por quatro pequenos retalhos. À medida que iam crescendo logo se implantavam hortas, minuciosamente cuidadas por agricultores que "têm atrás de si um tesouro de experiência acumulada por gerações de camponeses pacientes e engenhos" (Gourou). Estas hortas iam substituir as que o crescimento da cidade expulsava do seu núcleo; nos últimos cinco anos elas próprias tiveram a mesma sorte, dada a expansão rápida da cidade. Os moradores foram obrigados a retirar para as ilhas, onde, por enquanto, há espaço susceptível de ser aproveitado para a agricultura.
Texto de Raquel Soeiro de Brito in "Achegas para a Geografia de Macau" - Revista da Junta de Investigação do Ultramar, nº 81 (Colóquios sobre as províncias do Oriente. Volume 2), 1968.

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