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quinta-feira, 21 de setembro de 2017

‘Pancho’ Borboa: de padre a pintor

Francisco Borboa Valenzuela é um nome que a maior parte dos leitores terão dificuldades em associar a Macau. 
Mas na verdade várias obras deste artista plástico - conhecido por "Pancho" - estão bem presentes no quotidiano do território desde a década de 1960 e ainda hoje podem ser apreciadas. 
São os casos, por exemplo, do mural da fachada lateral do hotel Sintra e das paredes e tectos da entrada do 'velhinho' hotel Lisboa. Mas há mais…
Para além de Macau, Borboa assinou trabalhos um pouco por todo o mundo: 
Austrália, Malásia, México, Filipinas, Espanha, Bornéu, Taiwan e Hong Kong. 
Aos 94 anos, celebrados em Julho passado, "Pancho" vive em Taiwan e ainda está no activo.
Um “mexicano” nascido na Califórnia
Francisco Borboa nasceu em 1923 em San Juan Bautista, na Califórnia (EUA). Foi ainda em criança para o México (Sinaloa) onde iniciou os estudos. Os professores reconhecem o seu talento natural para a arte e incentivam-no. Em 1943 Borboa ingressa no sacerdócio em San Cayetano, Santiago Tianguistenco, e cinco anos depois, em 1948, tinha então 25 anos, partiu para a China como membro da Companhia de Jesus. 
Aprende mandarim em Pequim mas a revolução em marcha obriga-o a sair da capital do Império do Meio: primeiro vai para Shangai e depois para Wuhu. Desses anos ano recorda uma vista a uma igreja católica e se dislumbra com a pintura chinesa. “Primero que nada, la pintura china no tiene bosquejos, hay que pintar directamente”, explica.
Um ano depois da fundação da República Popular da China (1949) decide sair do país. Vai de comboio até Tienshin e de barco até Hong Kong de onde segue para as Filipinas. Sem visto para entrar no país a autorização de entrada virá do punho do próprio presidente. Nas Filipinas, onde começa por viver num antigo campo de prisioneiros da segunda guerra mundial, Borboa conclui os estudos em filosofia e teologia em 1953. Pouco depois é convidado para professor no Ateneo de Cagayán, em Oro City.
Em 1957 é ordenado sacerdote. Um ano depois inicia mais uma etapa da “provação”. Viaja para o Japão (Hiroshima) onde fica até 1960 seguindo depois para Taichung, em Taiwan onde trabalha para a Kuang Chi Press e conhece uma rapariga chamada Ana 
Em 1962, com quase duas décadas anos de vida religiosa, Borboa decide abandonar a Companhia de Jesus e pede à Cúria Romana para o dispensar do sacerdócio. A resposta chega um ano depois. “Petitio sine fundamento” (Pedido sem fundamento).
Deixa Taiwan e fixa residência em Hong Kong onde vai encontrar alguns dos antigos professores das Filipinas. Os anos passam e a autorização de Roma não chega mas Borboa não desiste e resolve escrever a Ana que tinha conhecido em Taiwan propondo-lhe casamento. Ana aceita e vai ter com Borboa levando consigo um visto com a duração de apenas um mês. 
Ao fim do terceiro mês fora do país, Ana recebe um ultimato das autoridades de Taiwan: ou casa ou regressa ao país natal. Pressionados e sem autorização do Vaticano, o jovem casal acaba por casar, mas pelo registo civil. “Entonces Ana y yo fuimos a la iglesia y enfrente del Santísimo prometimos casarnos, pero vivir como hermanitos hasta que llegara mi dispensa sacerdotal y así nos pudiéramos casar por la Iglesia”.
A dispensa do sacerdócio só chegaria em 1966. Quando o padre Granelli lhe dá a notícia e lhe pergunta quando pretende casar, Borboa não hesia: “Amanhã!”. O futuro passa por Hong Kong onde o Francisco e Anna Liang Lee de Borboa irão viver as próximas duas décadas.
De padre a pintor
Será em Hong Kong que Borboa inicia uma nova carreira, a de artista plástico, tornando-se pintor e muralista. É da sua autoria, por exemplo, o mural que existe no Club Lusitano feito em 1967. A primeira exposição ocorre na então colónia britânica em 1972. 
A primeira visita de Pancho a Macau acontece pela primeira vez em 1962 “para renovar o visto”. Desses tempos, recorda-se que “foi uma estadia muito curta” mas ficou com a impressão de ser “uma cidade muito bonita”.
No início da década de 1970 regressaria a Macau mas desta vez por mais tempo deixando a sua marca artística nos novos hotéis Lisboa e Sintra, da STDM - Sociedade de Turismo e Diversões de Macau. “Através de um contacto com o arquitecto Eric Cummins fui contratado para desenhar e executar os murais e tectos em mosaico do hotel Lisboa,” recorda. “Stanley Ho esteve directamente envolvido na empreitada” realizada na entrada (interior e exterior) do hotel que seria inaugurado em Fevereiro desse ano, primeiro o casino e só depois o hotel. 
“Foi uma obra de grande envergadura. No interior – lobby principal – desenhei as caravelas do tempo dos Descobrimentos. Colar os mosaicos com cimento no tecto é mais difícil do que pintar o tecto da capela sistina. O enorme candeeiro de cristal que está ao centro foi importado da Europa. Junto às escadas colocámos uma estrutura em ferro com painéis coloridos feitos com fibra de vidro.” 
Borboa e a mulher em Macau: 1974
Por volta de 1974 Borboa seria novamente chamado por Stanley Ho mas agora para executar o mural de 40 metros da fachada lateral do hotel Sintra. “O mural em mosaicos - feitos em Hong Kong - foi feito por mim mas o desenho é da autoria de um artista indiano chamado FM.” As iniciais do nome podem ver-se na parte inferior direita da fachada enquanto ao meio surge a assinatura de Borboa. “Tive de fazer uma interpretação do desenho”.
Desses tempos Pancho recorda ainda nomes como o padre Sequeira ou o colega de profissão, Óseo Acconci.
Outros trabalhos
Francisco Borboa voltará a Macau mais de vinte anos. Já em meados da década de 1990. “Em 1996, eu a minha mulher, Ana Liag, passámos a residir em Macau onde ficámos até 1999. Fomos a convite do padre Ruiz”. Luiz Ruiz (1913-2011), sacerdote jesuíta espanhol, chegou a Macau em 1951 e viveu no território mais de meio século anos. Fundou o Centro Social Mateus Ricci e a Caritas Macau e dedicou a sua vida aos mais necessitados, em especial aos leprosos. “Enquanto a Ana trabalhava como secretária e intérprete do padre eu dediquei-me ao meu trabalho de pintor e muralista.” 
É assim que surgem novas obras: um mural de cinco metros em madeira com pintura acrílica no Seminário de S. José intitulado “Jesus blessing Macau and China”; um mural na escola Estrela do Mar“; outro “numa escola jesuíta perto das ruínas de S. Paulo” e na capela mortuária instalou um mural em mosaico a que deu o nome “Ressurreição.”
Na Taipa, onde Borboa e a mulher moravam - “num dos edifícios mais altos da ilha” - Borboa fez um mural “no asilo dos órfãos de S. Luís Gonzaga com a ajuda dos rapazes que lá viviam que fizeram um excelente trabalho”.
De Macau, Pancho e a mulher partiram rumo a Taiwan onde residem actualmente. Dos anos vividos no território ficaram boas recordações. “A grande torre estava ainda a meio da construção e já se notava que muito em breve a cidade se tornaria na Las Vegas do Oriente. Gostámos muito de Macau e do seu sabor português… em especial do vinho do Porto Lágrima de Cristo e do chouriço. A comida portuguesa é excelente.”
Em 2012 Francisco “Pancho” Borboa, com 89 anos, recebeu o prémio Ohtli, o reconhecimento do Estado mexicano pelo trabalho desenvolvido na promoção da cultura e imagem do país no estrangeiro. Na ocasião a responsável pela entrega da medalha de prata e diploma, Munoz Ledo, justificou assim a distinção. “Pancho tem sido durante muitos anos um silencioso embaixador cultural do México na região da Ásia-Pacífico. Com a sua obra, atraente, colorida, bela e evangelizadora, há muitos anos que vem construindo um estilo com forte raiz mexicana.”
Actualmente com 94 anos “Pancho” continua a trabalhar no seu estúdio em Taiwan sempre com a mulher ao lado. Abdicou do sacerdócio mas nunca perdeu a fé. Aliás, a maioria dos seus trabalhos tem motivos religiosos. Um dos mais recentes (2015) é um mural de 12 metros de altura colocado no centro pastoral de Taipé. Intitula-se “Jesus e seus discípulos”.
Em meados de 2016 foi publicado o livro “los Caminos del Viento: la vida de un misionero jesuíta”, uma biografia de Borboa escrita por Ruben Aguillar a partir de 2013 através de uma troca de e-mails, tal como aconteceu com o autor desta reportagem.
Texto de João Botas em mais um exclusivo do blogue Macau Antigo

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