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sábado, 24 de junho de 2017

O Dia da Cidade e o ataque holandês em 1622

Na edição de 28.6.1862 do Boletim do Governo de Macau foi publicado um texto sobre o ataque holandês a Macau em 1622...
"No dia 22 de junho de 1622 aportaram á Rada de Macau dezenove navios hollandezes, resolvidos a apoderarem-se da cidade, como já tinham feito a outras tantas colonias de Portugal nesse tempo de desgraças, devido a circumstancias que não convém avivar hoje. Estavam na Rada tres navios inglezes que iam para Cantão negociar; a estes pediram os hollandezes coadjuvação, que lhes foi promettida, dando-lhes a saque a cidade, o que o inimigo não acceitou, por ser essa sua mira principal, e pela couvicção que possuia, fiado na sua grande armada e na nossa pequena guarnição, de ter certa a victoria. Na tarde de 23, rompeu a esquadra do inimigo o fogo sobre o forte de S. Francisco, — que então só possuia a bateria de cima, e não as duas que boje lhe observamos — a fim de irem assim tomando os navios posições favoráveis, encostando-se o possível á terra, para melhor desembarcarem a força destinada a atacar a cidade, e não terem embaraços pelo fogo da nossa artharia dos fortes de S. Francisco, e Bom-Porto, hoje conhecido pelo BomParto. Aconteceu nesta tarde que, ou pelos nossos tiros, ou por outro incidente, que a historia nos não esclarece convenientemente, um dos navios hollandezes se abrisse de tal forma, que foi a pique sobre as amarras. Grande, porém, era a consterna- ção da cidade, por haver só nella oitenta portuguezes capazes de pegarem em armas, além dos seus moços ou escravos, mas ainda assim sem capitão que os guiasse, pois o governador Carrasco tinhase retirado para Goa sem que houvesse sido substituído, e o capitão-mór da viagem do Japão também se achava ausente, estando d'este modo o governo da cidade entregue ao Senado.
Raiou, finalmente, o dia 24 de junho, destinado para que Macau alcançasse a famosa victoria, que tão honroso é recordar áquelles que se prezam de ter nascido portuguezes. Os navios do inimigo, que desde a vespera tomaram posições convenientes, acercando-se da terra quanto possível era, começaram o desembarque na praia de Cacilhas, e em poucas horas, servindo-se de mais de trinta lanchas, escaleres e catraios, favorecidos pelo fogo dos seus navios, saltaram em terra oitocentos homens, capitaneados por Ivornelius Reyerzoon, que commandava a frota. O inimigo, chegando a terra, deitou por barlavento fogo a um barril de polvora molhada, para, a coberto do fumo que se desenvolveu, fazer o desembarque com mais segurança.
Observando isto Antonio Cavallinho, que morava numa casa de campo, num outeiro fronteiro á fortaleza de S. Paulo do Monte, sahiu com cinco portuguezes e seus moços para lhes impedir o desembarque — tal era o seu valor; reconhecendo, porém, a impossibilidade de fazer frente a tão poderoso inimigo, occultou-se com a sua gente entre as enormes pedras que guarneciam aquelle outeiro. Os hollandezes avançaram em pé de guerra até o plano por baixo da Guia, onde fizeram alto, por causa de dois tiros que sobre elles foram disparados da fortaleza do Monte, com uma bombarda, que á pressa,se assestára por aquelle lado, sendo estes tiros feitos pelos padres da Companhia de Jesus, que áquella cidadella se tinham recolhido, abandonando o seu convento de S. Paulo ás religiosas de Santa Clara, senhoras è filhas dos moradores da cid) de, que para maior segurança se tinham ido abrigar narquelle templo. Estes tiros foram dirigidos com tanto acerto, que um d'elles foi insultar a reserva, onde vinha a polvora de sobresalente, e breve houve lima explosão nalguns barris, matando bastantes hollandezes. Precisavam os invasores, para entrar na cidade, de passar ao lado de um espesso bambual, que lhes ficava á sua direita, e perto da porta do campo, bambual de que hoje nãò restam vestígios, porque sendo destruído, em 1791, por Filippe Lourenço de Mattos, foi depois amanhado em horta, a qual pertenceu primeiro a D. Rita Ragmond, e passando em seguida por novas tranformações, e novos donos, está hoje aquelle terreno cheio de casas chinas, propriedade de Francisco Volong, china naturalizado portuguez. Tendo, pois, o inimigo de passar ao lado d'este bambual, temeu alguma emboscada pelo facto de não haver pessoa alguma a estar soffréndo não só os tiros do Monte, como também descargas successivas do lado da Guia; assim mudou de plano e diligenciou subir ao alto do outeiro, sobre o qual já existia uma ermida, mas esta subida lhes foi embaraçada não só pelo fogo com que Cavallinho os atacava, como também pelo que do alto da ermida lhes fazia Rodrigo Ferreira, que naouelle logar se achava com oito português, vinte filhos do paiz e seus creados.
Dia do Padroeiro de Macau, São João Baptista (24 de Junho), foi comemorado como Dia da Cidade desde 1622 – quando foi instituído pelo Senado para lembrar a vitória sobre os holandeses – até 1999; actualmente resta a memória, uma placa toponímica e o monumento da Vitória
Cessando o fogo nos navios hollandezes e reconhecendo os capitães que commandavam os fortes de S. Francisco e Bom-Parto, que o inimigo desembarcava, e vinha por terra atacar a cidade, enviaram a toda a pressa João Soares Vivas com cincoenta mosqueteiros a defender a entrada, chegando este soccorro ao campo no momento em que o inimigo tentava tomar o outeiro da Guia; uniu-se a este auxilio Lopes Sarmento de Carvalho, encarregado da porta da cidade, e com tal furor acommetteram os hollandezes, que os puzeram em confusão, e ainda que o chefe d'estes soldados tentasse fazer frente aos nossos, essa ousadia lhe custou a morte, sendo o inimigo carregado até Cacilhas.
A morte de Kornelius causou tal desordem entre os hollandezes, que estes só procuraram fugir, deixando pelo caminho, armas, correames, tambores e bagagens, e apezar de terem ficado em Cacilhas duas companhia! de reserva, estas se apoderaram do mesmo medo e terror de que os seus camaradas vinham possuídos, e sem pensarem na defeza, trataram apenas de salvar a vida, chegando muitos a atirarem-se ao mar, para a nado se escaparem, tumulto este de que resultou virar-se um dos escaleres e morrerem bastantes afogados. A' sombra dos portuguezes, corria desenfreado o povo sobre ,os fugitivos, sem lhes dar quartel, e conla-se que era tal o furor, que até um cafre matou muitos dos inimigos com um grande espeto, ainda què outros affirmam ter sido com uma alabarda, apanhada no campo. Os hollandezes perderam entre mortos e prisioneiros, quinhentos homens, oito bandeiras, uma peça e muitas armas e bagagens. Estas armas existiram, até irem para Gôa os jesuítas, e o seu convento; depois ignora-se o destino que tiveram. Do nosso lado perdemos quatro portuguezes, dois hespanhoes e alguns escravos, tendo vinte feridos.
A Hollanda tomou tal horror a Macau, e tanto medo ao nosso ferro, que apezar de se ter apoderado de quasi todo o sul e de estar Gôa bem distante, d'onde só podiam vir soccorros mais promptos, não voltou a investila, ainda que alguém ha que affirma ter sido enviada outra esquadra a atacar a cidade, porém que apanhando um tufão ao entrar nos mares da China, todos os navios que a compunham se perderam. Às maravilhas praticadas por este punhado de homens, principalmente aquelles que nunca abandonaram o seu entrincheiramento, são altamente reconhecidas.
Esta victoria das nossas armas deu logar a um voto feito pelos moradores de então, que prometteram ir todos os annos, com o corpo do Senado, á Sé Cathedral render graças a Deus na vespera de S. João, de cujo voto existe termo no archivo da Camara. Todos os annos se realisa a procissão na tarde de 23 e a festa solemne em 24, na Sé, O vice-rei de Cantão, assim que soube d'esta victoria, dizem que mandára quatrocentos picos de arroz para os moços que tanto ajudaram a defeza da cidade, os quaes já estavam forros, porqae seus amos antes da peleja lhes tinham dado alforria.
Monumento da Vitória: década 1910/20

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