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domingo, 2 de outubro de 2016

Memórias da escola primária


Testemunho de Reinaldo Amarante
Desafiou-me o amigo João Botas que fizesse um exercício de memória e relatasse para o seu blogue “Macau Antigo” a minha experiência nos dois primeiros anos da escola primária, os que frequentei ainda em Macau já que depois, viemos para Portugal.
Aos 4 anos fui para a Escola Infantil “D. José da Costa Nunes” onde fiquei até Junho de 1956. No ano lectivo de 1956-1957 passei para a Escola Primária Oficial “Pedro Nolasco da Silva”, a Escola Central, como era conhecida. Como a maioria dos miúdos macaenses do meu tempo exprimia-me correctamente em Cantonense, falava muito mal e percebia muito menos o Português. Aliás, só falava Português com o meu Pai e o meu Avô materno, ambos portugueses de gema, um de Figueira da Foz e outro, de Vila Nova de Gaia. De resto, com a restante família, Mãe, irmãos, tios, Avó materna e primos, criada e amigos era em chinês que comunicava oralmente. 
Da Escola Central lembro-me muito pouco das aulas no geral. Usávamos os mesmos manuais adoptados em Portugal. Como na Escola Infantil tinha aprendido pelo Método de João de Deus, já sabia ler mas havia palavras que não tinha hipóteses de entender porque representavam coisas que não conhecíamos em Macau: pucarinho, moinho…Na 1ª classe tive dificuldade na tabuada. Era cábula até que a minha Mãe se aborreceu e obrigou-me a decorar tudo sob ameaça de castigo de ficar sem brincar até saber tudo na ponta da língua. Tínhamos aulas de Canto Coral dadas numa sala onde estávamos todos sentados em bancos corridos e a respectiva professora tocava piano e nós cantávamos. Gostava das aulas de Ginástica; lembro-me do equipamento todo branco, sapatilhas, calções e camisola. Segundo a minha caderneta havia Moral mas não me lembro nada dessas aulas. Como era subsidiado, tomava o pequeno-almoço (foi onde comi papas de aveia…) e almoçava na Cantina. Às 4ªs feiras era sempre um prato tipicamente português, na maioria das vezes, feijoada, que apreciávamos bastante. Para ir para a brincadeira mais depressa fazíamos um furo no pão e enchíamos com a feijoada numa espécie de sandes e vínhamos comer para fora. Também ficou-me na memória um “Arroz Chau-Chau” em que procurávamos ver quem tinha mais camarões no prato. 
Mas do que me lembro mais era dos recreios. Em frente do edifício escolar havia um espaço muito amplo com frondosas árvores de grande porte onde fazíamos os mais diversos jogos infantis. Ao contrário do que vim encontrar em Portugal em que só havia um tempo de recreio a meio da manhã (ou da tarde…) tínhamos dois ou três tempos, à semelhança dos 2ºs e 3ºs ciclos e Secundário. Jogávamos à bola num espaço na retaguarda da escola. Foi onde veio o meu trauma relativo ao futebol já que, numa das jogadas, chutei a bola para a frente mas o remate saiu torto e em vez da baliza foi parar ao vidro de uma janela…
Ao lado do edifício da escola havia um outro que devia pertencer à Mocidade Portuguesa porque regularmente assistíamos a exercícios de ordem unida com espingarda dos mais velhos. 
Eu ia a pé para a escola. Na 2ª classe vivíamos com os meus avós na Rua Francisco Xavier Pereira, sei que atravessava um espaço descampado ao lado da cadeia, seguia em frente, passava pelo Cemitério de São Miguel Arcanjo, pelo Campo de Hóquei e só então chegava à escola. É possível que a memória já me esteja a trair… Quando chovia muito tinha permissão para regressar de rickshaw mas era muito raro, na maioria das vezes chegava a casa molhado dos pés à cabeça. Nada comparado com as criancinhas de hoje em que os automóveis dos papás entopem o trânsito nas horas de entrada e saída.
Como curiosidade, quando vim embora para Portugal no ano de 1958, os alunos da 4ª classe tinham começado a ter aulas de violino. 
Curiosidades (que julgo o Reinaldo irá gostar de saber bem como os leitores do blogue):
- A escola foi inaugurada a 5 de Outubro de 1939;
- O edifício da EPO foi construído pelo Leal Senado no então prolongamento norte da Avenida “Vasco da Gama” (actual Sidónio Pais) e tem a sua fachada principal voltada para o lado oeste, sendo composto por duas alas, a do Sexo Masculino (do lado esquerdo) e a do Sexo Feminino (do lado  direito de edifício), separadas por um corpo central, comum às duas escolas.
- No ano lectivo 1958-59 frequentavam a escola 483 estudantes (263 raparigas e 220 rapazes).
- A Escola Primária Oficial Pedro Nolasco da Silva foi extinta em 1997 (Decreto-lei n,º 24/97/M de 16 de Junho), tendo no mesmo edifício surgido a Escola Secundária Luso-Chinesa de Luís Gonzaga Gomes que ainda hoje ali funciona.
- Pedro Nolasco da Silva (1842-1912), nascido em Macau, foi intérprete-tradutor, professor, funcionário público, escritor, jornalista e dirigente associativo. Entre os vários cargos que ocupou, foi presidente do Leal Senado, sócio-fundador e presidente da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses, fundador e director da Escola Comercial Pedro Nolasco, chefe da Repartição Técnica do Expediente Sínico (1885-1892) e provedor da Santa Casa da Misericórdia
O logotipo
Nota: Em cima a capa do Caderno Escolar da EPO com uma figura do herói macaense Nicolau de Mesquita; na contra-capa, este caderno impresso na Livraria tai Seng tinha escrito: 
Como nos devemos portar na escola
Sabeis, meus meninos, como podeis agradar ao vosso professor?
Não façais barulho na aula.
Não deiteis papéis para o chão
Não risqueis as carteiras, nem sujeis as paredes.
Tende os livros e cadernos sempre limpos e em ordem.
Estai com atenção.
Sede amigos um dos outros. Os alunos de uma escola devem ser como irmãos.


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