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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Recordando o General Melo Egídio

Nuno Viriato Tavares de Melo Egídio (1922-2011), foi governador de Governador de Macau de 1979 a 1981. Nessa qualidade foi o primeiro governador de Macau a visitar a República Popular da China (1980), cerca de um ano depois de Portugal e China terem restabelecido as relações diplomáticas.
Excerto de uma entrevista de 1999 em que Melo Egídio resume o seu mandato:
“O Presidente Ramalho Eanes convidou-me para desempenhar as funções de governador de Macau em Dezembro de 1978. Aceitei e comecei a preparar-me para o desempenho das funções. Ainda não sabia quando se realizaria a posse. O ministro dos Negócios Estrangeiros era então Freitas Cruz, que eu tinha conhecido em Moçambique e de quem era, aliás, muito amigo, e resolvi procurá-lo para fazer uma panorâmica da situação. As negociações para as relações diplomáticas decorriam lentamente em Paris ao nível dos dois embaixadores em França, de Portugal e da China, instruídos pelos respectivos governos. Eu falava frequentemente com o general Eanes e mais ou menos assumimos um compromisso tácito de que aguardávamos que estivesse esclarecida a situação para depois tomar posse como governador de Macau.
E assim foi. O estabelecimento das relações diplomáticas dá-se no dia 8 de Fevereiro de 1979 e eu tomo posse em Belém exactamente no dia imediato. Nas próprias palavras do Presidente na minha posse, o restabelecimento de relações que não se processavam já há muito tempo marcou o início de uma nova era na amizade multissecular entre Portugal e a China, mas, com a situação clarificada, poderia ter muito melhores resultados e poderiam obter-se os êxitos que ambos desejávamos, Portugal e a China, relativamente a Macau.
(...)
Eu falo sempre com saudade da visita que fiz à China em Março e senti-me até distinguido, não por ser eu, mas por ser o chefe da administração portuguesa e também porque desde 1949 não havia visitas oficiais de governadores de Macau, visto não existir relacionamento diplomático.
Fui convidado pelo ministro do Comércio Externo que me disse que eu podia ser acompanhado com comitiva que entendesse até um determinado limite e que iriam ser abordados assuntos de interesse recíproco. Acompanhado pelo secretário adjunto para os Assuntos Económicos e das Obras Públicas e Comunicações, iniciei a minha visita no mês de Março, estando programadas várias visitas, fundamentalmente à capital, a Xangai e, já no regresso a Macau, a Cantão, onde, dada a proximidade, teria oportunidade de tratar de assuntos de interesse recíproco, com muita incidência em Macau. A visita decorreu de tal maneira bem, com cordialidade, cumprindo naturalmente o programa pré-estabelecido, que a certa altura um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês perguntou-me se eu não teria interesse em contactar alguma outra entidade na China.
«Assim de repente, de repente, gostaria muito de contactar um homem, mas ele tem uma estatura tão elevada, não estatura física, mas estatura mental e envergadura política, que é o primeiro homem forte da China, Deng Xiaoping. Gostaria muito de estar com ele, mas antevejo que isso seja muito difícil.» E ele disse: «vamos ver.» A resposta foi-me dada no mesmo dia à tarde e foi afirmativa. Eu tive um encontro com o vice-primeiro-ministro chinês no dia 18 de Março de 1980. O encontro teve uma duração de cerca de 20 minutos. Foram tratados variadíssimos assuntos a nível mundial. Ele era um perfeito conhecedor do que se passava no resto do mundo e obviamente que teve de se falar no estabelecimento de relações diplomáticas, nos efeitos desse estabelecimento de relações, relativamente às relações de Portugal com a China e da China com Portugal, com Macau.
Gov. Melo Egídio numa visita a Coloane em 1979
Ele tinha sabido através de órgãos de comunicação social que em Macau havia uma certa preocupação pela nova situação criada. Com um sorriso nos lábios, disse-me que não percebia bem essa preocupação, que achava que agora é que não deveria haver preocupação nenhuma, porquanto existia uma situação clara, absolutamente definida e, portanto, fora encontrada com certeza a paz e a tranquilidade necessárias para o desenvolvimento económico e social do território que ele considerava que se ia mesmo dar. E não se enganou. Deng Xiaoping, o homem a quem a China muito deve, porque a abriu ao exterior, foi realmente o filósofo da teoria um país dois sistemas que permitiu o desenvolvimento da China. Mais uma vez ele teve razão.
Deng Xiaoping dava realmente uma importância extraordinária, mesmo prioritária, às relações culturais. Quando se abordou quais eram as consequências desse estabelecimento de relações, a troca de determinadas entidades, de embaixadores, de adidos militares, de embaixadas de carácter económico, ele disse-me que era tudo verdade e era muito importante, mas mais importante ainda era o intercâmbio entre as pessoas, porque as pessoas são difusoras de cultura.
Os chineses levam a cultura da China a Portugal e os portugueses trazem a cultura de Portugal à China. Para Deng Xiaoping os laços culturais eram os laços mais importantes que podem unir os homens e, afinal de contas, os laços culturais englobam tudo aquilo que possa depois vir”.

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