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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Macau nas anedotas de Bocage

É sabido que Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805), simplesmente Bocage, embarcou para a Índia, com destino a Damão, em 1786 , a bordo da nau “Nossa Senhora da Vida, Santo António e Maria Madalena”, fazendo escala no Rio de Janeiro. Contra todas as expectativas, desertou e refugiou-se em Macau donde sairia para Lisboa em 1790, auxiliado por amigos, entre eles, Lázaro da Silva Ferreira, governador interino. O Padre Manuel Teixeira, emérito historiador de Macau, procurou com o seu raciocínio dedutivo registar a trajectória do poeta : “ Presumimos que Bocage estivesse em Macau desde Setembro ou Outubro de 1789 a Março de 1790, em que partiu para Lisboa. A razão é simples. Ele compôs em Cantão uma elegia à morte do príncipe D. José. Ora este faleceu a 11-9-1788, mas a notícia só chegou a Macau a 15-9-1789 e a Cantão pela mesma altura”. Terá sido provavelmente essa aventura oriental que consolidou ainda mais o pendor boémio e aventureiro da personalidade marcante deste livre-pensador amante das liberdades.
Não obstante a fugaz estadia de poucos meses, dedicou a Macau e a algumas personalidades uns quantos poemas, quase todos bem conhecidos e bastante bem contextualizados. De resto, é duvidoso associar Bocage a um infrene universo de anedotas, anedotas de todos os géneros, incluindo aquelas lendariamente eróticas e satíricas. As polémicas, sobretudo aquelas travadas com o seu inimigo roaz, o frade lagosta, José Agostinho de Macedo, a sua aventurosa errância oriental , o proselitismo generoso dos seus discípulos da Escola Elmanista ou o peso de uma tradição gulosa por situações extraordinárias e insólitas , terão contribuído para mitificar a sua personalidade, vincando a multidimensionalidade da sua vivência e exponenciando a sua genialidade, maestria poética, incluindo o improviso, terreno onde se revelou um temível contendor. Daniel Pires, na apresentação da 7ª edição das Anedotas do Bocage refere que “não é menos verdade que houve editores que, para ganharem dinheiro facilmente, instrumentalizaram o seu nome, optando pelo primarismo e pela obscenidade. Confundiram talvez conscientemente erotismo com pornografia, sensualidade com boçalidade, ironia subtil com sarcasmo”. Até ao 25 de Abril de 1974, Bocage polarizou as anedotas de cunho político porque a liberdade de expressão não existia, mutilando-se assim a sua vera dimensão poética.
Do manancial de anedotas cuja autoria lhe é dada, Macau ocupa este lugar absolutamente marginal na sua criatividade :
Nicolau Tolentino e Bocage tinham os pés muito grandes e sempre que se encontravam improvisavam epigramas um ao outro. Uma vez disse Tolentino a Bocage :

Eram três juntas de bois
E daqueles mais selectos
A puxar pelos teus sapatos
E os teus sapatos quietos.

Bocage respondeu :

Se o Padre Santo tivesse
Um pé dos teus, Nicolau
Podia, mesmo de Roma
Dar beija-pé em Macau.

Pouco mais do que a veia cómica e vagamente anti-clerical se pode realçar neste improviso. Daniel Pires adiciona esta preciosa informação : “em Macau, faz parte do patois local a palavra bocagem que, sintomaticamente, significa anedota”. Cândido de Figueiredo registou no seu dicionário, em 1913, a palavra “bocagem” como sendo um termo brasileiro do sul que significa “palavreado”. A mesma origem ?
Artigo da autoria de António Aresta publicado no JTM de 16.11.2015

1 comentário:

  1. Fico sempre abismada com a quantidade de viagens de grandes distâncias que essas pessoas faziam, muito antes dos "low-costs"!
    boa continuação de bom Ano!
    Angela

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