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sábado, 23 de maio de 2015

Ofício do Mandarim da Casa Branca: Maio de 1829

15 de Maio de 1829 - Ofício do mandarim da Casa Branca ao procurador da cidade de Macau, exigindo informações do comércio desta colónia, em cumprimento de ordens de Pequim, transmitidas pelas autoridades de Cantão. Segue-se um excerto.
«À vista disto ele mandarim da Casa Branca, pelas indagações feitas, sabe que os navios americanos, holandeses, ingleses, franceses e dinamarqueses que vêm a Vampu negociar, estão debaixo da inspecção dos anistas, sendo portanto estes obrigados a responder pelo cumprimento das providências e disposições que se tem tomado. Enquanto às averiguações sobre Macau e sobre um regulamento que aí existe para o número estipulado de vinte e cinco navios, que podem entrar e sair nas costas e portos de comércio, incluindo-se neste número os de Portugal, que vêm de vez em quando, e os de Manila, sendo fora do dito número os que trazem de Manila arroz para vender; enquanto à medição destes navios, às viagens que fazem em cada ano, às fazendas que trazem e levam; enquanto finalmente à maneira por que em Macau tem existido desde a mais remota antiguidade um Senado português que governa e administra tudo: de todos estes pontos deverá ter o mesmo Senado em seus arquivos suficientes documentos e memórias, e desse modo poderá obter uma exacta informação para, juntamente com as outras, ser levada à presença de sua majestade imperial. Ora, não podendo ele mandarim encontrar nos seus arquivos memórias certas e documentos autênticos, e como é o sr. procurador quem governa e administrativa os negócios europeus em Macau pelo que deve ter inteiro conhecimento de tudo: ordena ele mandarim ao sr. procurador que, obedecendo prontamente, lhe dê uma exacta informação dos nomes dos vinte e cinco navios dessa praça; se presentemente está o número preenchido, ou, se falta algum, que número seja; se as fazendas que trazem passam, ou não, pela alfândega e quem é que as compra; se se dá parte ao hó-pu depois de vendidas as fazendas, ou logo que chegam, a fim de se levar ao conhecimento do hó-pú de Cantão, e, depois de obtido o despacho, terem então o seu destino; se com o arroz se procede da mesma forma como com as outras fazendas. Outrossim ordeno também ao sr. procurador que dê uma exacta e circunstanciada informação das pessoas que, juntamente com o sr. procurador, formam o Senado; de quantas são; se estes europeus, escolhidos para governar, são homens de juízo e probidade; se recebem anualmente salários, ou não, e quanto seja. Outrossim que dê também uma exacta informação das pessoas que vendem fazendas aos navios, e se das fazendas que entram e saem tira o Senado algum direito, ou não, e os direitos em que lugar ficam depositados, e que divisão se faz deles; se os europeus obedecem às leis, ou não, se trazem contrabandos, se compram sai-cy a troco de patacas, se o sai-cy se exporta, e se em Macau se introduzem fazendas proibidas».
A Casa do Mandarim - assinalada ao centro e à esq. do istmo da Porta do Cerco - neste mapa do séc. 18
Agora a resposta que teve este ofício por parte do Senado
«N.º 27 - O procurador acusa a recepção da chapa do sr. mandarim da Casa Branca, na qual, em obediência às ordens do Kuang-chau-fu, e este dos mandarins Pu-cham-si, Gan-cha-si, e do próprio vice-rei da província, em virtude de uma ordem imperial, comunicada pelo superintendente dos seis tribunais superiores e motivada por uma representação do censor político do império, pretende haver dele, procurador, várias informações sobre Macau, lugar do distrito de Hian-chan, habitado há três séculos pelos portugueses: ao que ele, procurador, satisfaz na presente chapa.
Primeiramente, quanto aos vinte e cinco navios, não falta nenhum, e os seus nomes constam da tábua que há mais de século regula: mas o procurador não pode deixar de notar uma coisa, até em benefício dos direitos de ancoragem para o imperador, e é que, antes da dita estipulação, era maior o número dos nossos navios, atento o maior número de negociantes que aqui havia e o maior comércio que então tinham os portugueses para o Japão, etc.; e depois da estipulação dos vinte e cinco navios pelo imperador Kang-hi, havendo diminuido progressivamente o comércio, perdida a viagem do Japão, etc., diminuiu-se também o porte dos vinte e cinco navios, sendo todos agora embarcações de pequenos portes, e diminuindo assim as medições. Pelo que, se o grande imperador quiser olhar por Macau e pelo aumento de suas imperiais rendas, poderia, e ele procurador pede, aumentar mais dez números para navios pequenos de dois mastros, com os quais números não será o comércio maior do que o que faziam os primeiros portugueses com vinte e cinco, e aumentarão os imperiais direitos de medição: e com esta concessão exaltarão os portugueses a graça do imperador, assim como os seus antepassados exaltaram as particulares graças dos ilustres avós do imperador actual.
Quanto às fazendas, passam pela alfândega, como sempre, e dá-se parte pelos procuradores ao hó-pu e aos mandarins do distrito logo que chegam os navios; acompanhando a participação com o competente manifesto da carga, antes desta se vender: o que desde toda a antiguidade os leais portugueses têm feito, sem nota alguma de omissos, acontecendo o mesmo com navios de Manila e de Portugal e com os navios que trazem somente arroz; as quais participações e manifestos hão-de constar dos arquivos dos hó-pus e dos mandarins do distrito.
Quanto à corporação do Leal Senado, sempre, desde a mais remota antiguidade de Macau, se compõe do mesmo número de vogais, escolhido entre os mais ilustres e conspícuos da terra, assim pela sua probidade como por seus talentos e experiências do país; e todos eles servem este ofício sem receberem salário algum: tal é o bom carácter dos portugueses e a sua lealdade aos seus reis, posto que deles tão distantes por milhares de léguas de caminho por mar. As pessoas que vendem fazendas aos portugueses são os chinas, ou os mesmos portugueses uns aos outros, quando as têm, e os capitães dos navios portugueses têm os seus nomes nos cartórios dos mandarins, quando se lhes dão os manifestos das cargas; e estas vêm para os portugueses ou da China ou das terras portuguesas ou de outras terras com que os portugueses comerceiam; e a alfândega portuguesa não tira direitos de exportação, de onde lhe vem por isso mui pouco rendimento, o qual todo se aplica para a conservação da cidade e a polícia dela e para a guardar dos piratas e de qualquer inimigo que possa de repente sobrevir por mar, visto que a cidade está situada à borda do mar.
Os portugueses são de todos obedientes às leis, não negoceiam em contrabandos, nem em sai-cy, e nos cartórios dos mandarins existem os certificados de não trazerem os navios contrabandos. Porém, que diferença do miserável comércio presente comparado com o antigo! A prata já quase se não vê; os navios reduzidos a menos cargas e às de menos lucro; a cidade com menos população portuguesa e as casas em menor número. Tendo permitido os imperadores habitarem nela os portugueses desde a Porta do Cerco até à Barra, os portugueses somente habitaram uma pequena parte de tão curto limite, tendo livres as praias para desembarcarem e para concertarem os seus navios, e alguns baldios para as suas hortas; mas, de há vinte anos para cá, a população china que só era de oitocentas almas, cresceu a quarenta mil, e a dos portugueses baixou a menos de três mil; das hortas dos portugueses no campo, alugadas aos chinas, fizeram estes suas várzeas; os baldios tomaram-os os chinas para suas boticas; e até muitas casas dos portugueses os chinas tomaram de aluguer e ficaram com elas sem pagarem os aluguéis (tais são as de Santo Agostinho, as da Rua de S. Paulo, as de Gregório de Abreu e as da Praia Pequena, que os chinas tomaram toda, edificando muitas barracas até no lugar em que era a rua). Assim vão continuando pela Barra e por Patane, onde antigamente havia casas dos portugueses; e estes, reduzidos à Praia Grande e às casas do centro da cidade, reedificando-as quando estão velhas, não tomam terrenos, nem sequer para suas igrejas, que não passam do número existente desde remota antiguidade. Tal é a diminuição da população portuguesa e tal o aumento da chinesa; contudo os portugueses, sempre fiéis ao prometido, apesar de ocuparem agora menos terreno que dantes, pagam sempre o mesmo foro da terra, sem diminuição alguma.
O bazar, que era fora da cidade, acha-se agora dentro dela, e também a multidão de casas chinas, não se podendo distinguir as dos bons homens das dos maus e dos ladrões e lanchais, que cada dia roubam aos portugueses e à gente pobre a sua roupa e os seus poucos teres. Espera portanto o procurador que, como à presença do imperador têm de subir estas informações, o imperador se lembre dos portugueses, e faça célebre o seu novo reinado com alguma graça especial, assim para o aumento do número dos navios como para que se removam tantas barracas na Praia Pequena, Barra, Praia Grande, etc., etc., e para que os chinas restituam as boticas e casas que eram dos portugueses, e conceda a estes terem suas hortas no campo, e ter mais liberdade que dantes, pois são bastantes três séculos para prova da probidade, honra e bom carácter da nação portuguesa no império da China.
Os portugueses estão agora pobres por falta de comércio, mas sempre dispostos para qualquer honroso serviço que quiser deles o imperador; pois os portugueses de hoje não se esquecem dos grandes serviços que há vinte anos fizeram ao imperador, armando muitos navios para bater o grande pirata A-pau-chai e reduzi-lo à obediência do imperador, com suas embarcações, com sua gente de muitos milhares de almas, gastando o Senado de Macau muito dinheiro em pólvora, bala, artilharia, etc., e sacrificando também suas vidas no imperial serviço, do que tudo existem frescas memórias nos arquivos sínicos e portugueses. É quanto se oferece ao procurador dizer ao sr. mandarim da Casa Branca, para ser presente ao vice-rei da província e ao mesmo imperador, de quem espera o procurador ser atendido.
Macau, 23 de Maio de 1829 -- Pedro Feliciano Oliveira Figueiredo.»

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