Páginas

domingo, 1 de março de 2015

Primeiro faroleiro era o fiel da fortaleza

Com os seus 94 metros (ou serão 91,2 m), o Monte da Guia é o ponto mais alto de Macau e no sopé encontra-se a fortaleza de Nossa Senhora da Guia, que no seu interior tem o primeiro farol existente pelas costas do mar da China.
No "Jornal Único" em 1898 Eduardo C. Lourenço escreveu: “diz o seguinte um relatório militar publicado algures num Boletim da província: “...as fortalezas de Macau, em número de cinco disseminadas, onde a sua colocação foi reconhecida como necessária, formam um grupo de obras de fortificação permanente, que tem por fim manter a posse e a segurança do território em casos de invasão por terra ou de violenta tentativa de desembarque; situadas a diferentes altitudes, quatro acham-se subordinadas ao comando de uma, que é a da Senhora da Guia, a qual por esse facto vê o terreno para além das outras.”
Já Jorge Graça diz: “Em virtude da sua alta localização, a artilharia conseguia atingir toda a península com uma cobertura de fogo, aumentando assim a potencialidade das fortificações da cidade. Por esta razão, o seu objectivo principal era impedir a utilização de uma posição tão estratégica por parte de qualquer possível inimigo. No plano global da defesa de Macau desempenhava uma função menor, tendo apenas a missão de uma bateria auxiliar. Funcionava também como aviso e posto de observação, tendo um sino que tocava sempre que se avistava um navio ou se esperava um tufão.”
A fortaleza de Nossa Senhora da Guia estava colocada fora da muralha da cidade e foi construída em 1638. Segundo Jorge Graça, no livro Fortificações de Macau – Concepção e História, a inscrição da pedra que se encontra à entrada da fortaleza (mas que actualmente não se consegue ler) diz: “Esta fortaleza foi edificada pela cidade à sua própria custa pelo capitão de Artilharia António Ribeiro. Os trabalhos iniciaram-se em Setembro de 1637 e ficaram concluídos em Março de 1638, quando Câmara de Noronha era Capitão Geral da Cidade.” Mas o padre Manuel Teixeira diz que foi reconstruída e aumentada de Setembro de 1637 a Março de 1638, pois anteriormente existia uma bateria de canhões. Já o capitão Eduardo Lourenço refere que, a edilidade local iniciou em 1622 a construção de uma fortaleza e de uma ermida, ambas sob a invocação da Senhora da Guia.
Em 1808 as tropas britânicas ocuparam a fortaleza. Esta, sem alterações até 1865, foi depois sofrendo ao longo dos tempos modificações e das suas quatro torres de vigia hoje, apenas existem duas, que não são as originais, sendo feitas de betão.
Dentro da fortaleza existe uma pequena capela com o mesmo nome onde existe no lado esquerdo, um pequeno campanário com um sino: “Este sino era usado para dar horas e para avisar a cidade da aproximação de quaisquer navios. No lado direito da capela fica o famoso farol da Guia, a primeira construção do género a ser edificada na costa da China.”
Instalado em 1865, durante o governo de José Rodrigues Coelho do Amaral, o projecto do farol é da autoria do macaense Carlos Vicente da Rocha.
A torre do farol, da base à cúpula, tinha 13,5 metros e está situado dentro da fortaleza, no ponto mais alto do monte da Guia. Com uma forma octogonal, foi o primeiro farol pelas costas do mar da China e, segundo o padre Manuel Teixeira, foi custeado pela comunidade estrangeira de Macau, sendo o maior contribuinte o comerciante da rua Central, H.D. Margesson. Carlos Vicente da Rocha foi também o autor do engenhoso maquinismo que funcionava com um candeeiro de petróleo.
Desde 24 de Setembro de 1865, a elevação da luz emitida do farol era de 101,5 metros acima do nível do mar nas mais altas marés de tempo calmo e podia ser vista, à noite e com céu limpo, a 20 milhas. A lanterna era vermelha e a luz branca e rotatória fazia um giro completo em 64 segundos.

Dez anos mais tarde, foi o próprio Carlos Vicente da Rocha que mandou disparar os tiros para assinalar a aproximação de um grande tufão. Esse tufão, que passou por Macau no dia 22 de Setembro de 1874, causou avarias no seu sistema e grandes estragos na torre do farol, que teve que ser reconstruída.
Num artigo publicado pelo Capitão E. Lourenço no Jornal Único de 1898 ficamos a saber que o velho Diogo foi o primeiro faroleiro e que acumulava as funções com as de fiel da fortaleza. Este reformado soldado, de aspecto marcial e rude no trato, passava as noites em vigília com medo que a luz do candeeiro a petróleo se apagasse.
Em 29 de Junho de 1910, este farol deu lugar a um outro, com uma aparelhagem moderna de rotação, que veio de Paris. A torre, com 14,5 metros, passou a ser circular e no topo está um aparelho luminoso de terceira ordem, com uma distância focal de 0,375 metros e uma intensidade de luz com um alcance de 25 milhas, sendo a sua altura sobre o nível do mar de 105,7 metros. Na base, a torre tem um diâmetro de 7 metros e é feito de alvenaria grosseira, com reboco de estuque e caiado, tanto interna como externamente de branco. Mas Jorge Graça, contrariando as medidas dadas pelo Anuário de Macau diz: “Tem uma altura de 16 metros que, em conjunto com os 94 metros da Colina da Guia, possibilita que a sua luz seja vista a grande distância”.
Segundo, o padre Álvaro Semedo no seu livro "Nova Relação da China", o Monte da Nossa Senhora da Guia, era comparado ao Morro de Chaul. Esta comparação não conseguiu o Padre Manuel Teixeira explicar apesar de saber que a tradução feita ao longo dos tempos e encontrada em muitos livros de História não ser Charil, mas Chaul. Ora como a forma do monte da Guia, que principia com um declive suave acabando abruptamente na sua encosta nascente, é igual ao do Morro de Chaul, situado na costa Ocidental da Índia e onde os portugueses tinham a fortaleza de Korlai, servindo a referência ao coco para subentender a Índia, já que este é o país dos coqueiros, quando expusemos ao padre Manuel Teixeira esta nossa hipótese, ele aceitou-a como possível. Por isso, nos primeiros tempos os portugueses comparavam o monte da Guia ao de Chaul. As coordenadas de Macau, 22º 11’ Norte na latitude e 113º 33’ Este de longitude, correspondem às do farol.
No compartimento das portas de entrada da fortaleza encontra-se toda a sinalização para ser hasteada quando é preciso anunciar aos habitantes o tipo de borrasca que se aproxima de Macau e no mastro, situado na parte sul da fortaleza, vão sendo colocados os diferentes sinais que anunciam, ao momento, o grau de tempestade. Esse elemento visual é acompanhado por um sinal sonoro que lhe corresponde.
Artigo da autoria de José Simões Morais publicado no JTM de 23-9-2011

Sem comentários:

Enviar um comentário