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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O "1,2,3" de 1966 segundo Garcia Leandro

Por esta altura, em 1966, era quase Inverno em Macau mas ao nível político e social viviam-se dias bem quentes no que ficou para a história como o motim do 1,2,3. No blogue existem dezenas de post's sobre o tema (basta consultar as etiquetas ou utilizar o campo de pesquisa), alguns com testemunhos inéditos, e hoje publico mais alguns elementos que ajudam a compreender o que de facto se passou. Desta feita escolhi uns excertos da visão dos acontecimentos por parte do general Garcia Leandro, que foi governador de Macau entre 1974 a 1979 e publicou em 2011 o livro “Macau nos Anos da Revolução Portuguesa (1974-1979)”. A imagem é do jornal Star, publicado em Hong Kong.

“As sucessivas revoluções internas que Mao foi desencadeando na China atingiram o seu zénite com a ‘Revolução Cultural’, com consequências graves e violentas em Hong Kong e Macau, em 1966 e 1967. A 25 de Novembro de 1966, chegou a Macau o governador Nobre de Carvalho. Poucos dias depois, viu-se envolvido na crise do ‘1-2-3’, a mais grave que abalou Macau no século XX e que foi, sem dúvida, o maior levantamento social jamais vivido no Território. Com o apoio político da China maoísta radical, os guardas vermelhos entraram em acção, manifestando-se contra a presença portuguesa e provocando distúrbios públicos, recorrendo à violência física e tentando ocupar edifícios oficiais. Em Hong Kong aconteceu o mesmo.
O novo governador, sem qualquer responsabilidade no que se passara antes da sua chegada e no que veio a ocorrer, foi abandonado pelo Governo de Lisboa e teve de resolver sozinho a situação, tendo a Administração Portuguesa em Macau sido muito humilhada. De um modo que, hoje, é difícil de acreditar!
Em Lisboa, os jornais iam preparando a opinião pública para o pior, chegando mesmo a noticiar «graves acontecimentos»… que não tinham ocorrido. Toda esta crise está bem explicada e detalhada no livro de José Pedro Castanheira ‘Os 58 Dias Que Abalaram Macau’.
A autoridade da Administração só se começou a recompor, de forma difícil e lenta, a partir de 1970. Nobre de Carvalho, que foi ganhando a confiança da população local, teve o seu poder sempre muito condicionado pelos incidentes do ‘1-2-3’, em consequência deste imbróglio, criado pela situação política local e pelas dificuldades de gestão em Lisboa.
Nobre de Carvalho viria a ser apoiado pelos empresários locais e de Hong Kong e concentrou todas as suas capacidades na construção da primeira ponte Macau-Taipa, inaugurada em Outubro de 1974. É ainda durante a sua Administração que se concretizam dois grandes investimentos privados, com muito significado na época: o Hotel Lisboa, da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, em 1970, e o Palácio da Pelota Basca (Jai Alai), em 1974.
Quase no final do mandato de Nobre de Carvalho, no segundo semestre de 1973, viria a ocorrer o ruir brusco e descontrolado da Bolsa de Hong Kong e, em Outubro do mesmo ano, Macau e Hong Kong seriam profundamente abalados pela primeira grande crise mundial do petróleo. Em 1974, a situação agravou-se com a revolução portuguesa de 25 de Abril, que veio pôr, novamente, tudo em causa. Os responsáveis locais e a população foram apanhados de surpresa e o Governo de Macau só veio a reconhecer a nova situação política de Portugal a 29 de Abril… Acontece que o Conselho Legislativo dera, em 22 de Abril, a sua concordância ao governador para ser enviada uma mensagem de apoio e confiança ao professor Marcelo Caetano. Com os acontecimentos do dia 25, caiu-se num impasse, não sendo fácil dar apoio à nova situação que contrariava completamente a linha de orientação anterior. No entanto, no dia 29, seguiria novo telegrama de apoio à revolução, contra a opinião coerente da dra. Graciete Batalha. (Este episódio é explicado num outro capítulo do livro).
Logo nos primeiros dias, sucederam-se os escândalos, publicados diariamente na imprensa. A censura (nunca tinha existido para os jornais em língua chinesa) terminara para a comunicação social portuguesa. E levantaram-se, naturalmente, muitas dúvidas quanto ao futuro de Macau.” (...)


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