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sábado, 8 de novembro de 2014

Fósforos "Made in Macau"

O elemento básico para fabricar fósforos foi descoberto acidentalmente pelo alquimista alemão Henning Brand, embora existam registos da sua existência na China no século XIV (Texto de Cho Keng Lu em 1366). Em 1669 ao destilar uma mistura de urina e areia na procura da pedra filosofal (que ao tocar qualquer tipo de metal, esse metal virava ouro) Brand vaporizou a ureia obteve um material branco que brilhava no escuro e ardia com uma chama brilhante. Ao feito deu o nome fósforo (do latim phosphŏrus e este do grego φωσφόρος, ou seja, Fonte de Luz). Brand manteria a sua descoberta em segredo até 1675. A notícia correu mundo e pouco depois, em 1680 o cientista britânico Robert Boyle - um dos fundadores da química moderna - reparou que uma chama era formada quando o fósforo era esfregado no enxofre. Boyle acreditava que a chama não era causada pela fricção, mas sim por algo inerente ao fósforo e ao enxofre. E tinha razão. Encontrara o princípio que conduziria à invenção do fósforo.
Os fósforos que hoje conhecemos (formato palito) ficam a dever-se ao químico/farmacêutico inglês John Walker que em 1827 criou em Inglaterra o fósforo que acendia através de fricção. Em 1844 o sueco Pasch inventou os fósforos de segurança que começaram a ser comercializados por volta de 1850. Foram posteriormente melhorados mas mesmo assim já nessa altura eram muito parecidos aos que hoje se usam. Os rótulos das caixas de fósforos são, tradicionalmente, veículos privilegiados de publicidade, objectos que nos revelam muito da época em que foram produzidos.
Manuel da Silva Mendes, antes de ir para Macau (1901) refere o que conhecida da China e dos chineses. “Nunca tinha visto nenhum em carne e osso. Conhecia-os porém: conhecia-os das figuras de caixas de fósforos e do Café Chinês da Póvoa de Varzim. Era este café (onde perdi as ditas seis ricas libras) mobilado todo à chinesa! Mesas, cadeiras, sofás, alizares das paredes com embutidos de osso e madrepérola, pintados com pagodes, chineses de rabicho sobre robes de chambre (parecia) e chinesas coradinhas, ‘mignons’, pequeninas, muito engraçadas, todas chim-chim, envolvidas em mantons de seda bordada, coisa rica… Eram estes chineses e estas chinesas que eu trazia na cabeça”.
Foi no século XIX que os fósforos do tipo ocidental chegaram até à China vindos da Europa e eram conhecidos, nesse tempo, por "fogo ocidental" ou "fogo auto iluminante". Pouco depois, a própria China começou a produzir este tipo de fósforos e Macau também. Note-se no entanto que o fabrico de fósforos na China, em termos de indústria, era uma prática corrente desde o século XVII e uma importante fonte de receitas dos imperadores (por via dos impostos) que detinham o monopólio do fabrico. As primeiras fábricas de fósforos macaenses surgiram no início do século XX.
Na década de 1920 existiam a Cheong Ming (1923), Tung Hing (1927)​, na Estrada Coelho do Amaral,​ e a Tai Kuong (1930), nos nºs 27 e 45 da Rua da Alegria. Já na década de 1930 há registo da existência de uma Comissão de Explosivos. A 24 de Março de 1930 o chefe da Repartição Técnica do Expediente Sínico envia uma carta ao Comissário de Polícia onde inclui a tradução para português das marcas de fósforos existentes em Macau (imagem ao lado e em baixo). O registo inclui também uma lista completa de fábricas de panchões e fábricas de fósforos em Macau, com seus nomes, locais e pessoas responsáveis. Em 1940 o Grémio das Indústrias de Fósforos em Portugal apresenta uma reclamação ao governo de Lisboa onde se insurge contra a abertura de novas fábricas de fósforos em Macau. Para além de questões que hoje podemos encarar como eventual concorrência desleal, havia ainda a preocupação sobre a propriedade das respectivas fábricas em Macau. Em plena 2ª guerra mundial manusear este tipo de materiais era considerado uma questão delicada. Na troca de telegramas com o Governo de Macau os ministérios em Lisboa tentam obter informação para responder ao Grémio.
Nas décadas de 1940-1950, surgiram as fábricas Tai Li, Man Kuok​ (Kock)​, Tai Kwong, Tung Hing Fok Kei, Lien Yi Co Ltd e Hong Kong Match Factory Co., sendo esta última de Hong Kong mas com fábrica na rua Marginal do Canal em Macau.
No período áureo foram produzidas mais de milhão e meio de caixas por dia (85 milhões de fósforos). A última fábrica a encerrar a actividade foi a Cheong Ming (em certos rótulos surge por via de erro de impressão Cheong Meng) já na década de 1970. Ocupava os números 95 a 103 da Rua da Alegria.
Para produzir caixas de fósforos todo o material era importado. O fósforo, enxofre e clorato de potássio vinham de França, a madeira (palitos e madeira em folha para as caixas) do Japão e as etiquetas de Hong Kong. Numa publicação oficial de 1932 pode ler-se: "Os fósforos aqui fabricados apresentam-se sob variadíssimas etiquetas, todas com motivos chineses, de cores verde, vermelha e amarela; são bons e têm sobre os importados a grande vantagem de serem mais baratos e em nada inferiores aos japoneses".
Em 1960 estavam registadas cinco fábricas de fósforos que empregavam 1348 trabalhadores.​ Nessa década os serviços de economia cobravam um imposto de 1/4 de avo por cada caixa de 50 fósforos de produção estrangeira. Em 1968 as fábricas ainda em laboração eram a Cheong Meng (Rua da Alegria, 101)​, Hong Kong Tong Kei Fo Chai Cheong (Rua Marginal do Canal das Hortas, 2-4), Man Kuoc Fo Chai Cong Si (Ilha Verde) e Tai Kuong Leong Kei (Av. Almirante Lacerda, s/n).
Numa publicação oficial do Estado Novo em 1957 lê-se: "As suas indústrias são importantes, destacando-se a da pesca que emprega cerca de 20.000 pessoas, chegando a atingir um rendimento de 5 milhões de patacas anuais. A indústria dos panchões ou estalos da China, os pivetes, os fósforos, os tecidos, o vinho chinês e os artefactos de malha, constituem as principais indústrias de Macau".
A maior parte da produção era exportada, nomeadamente para as então colónias portuguesas em África, mas também para as Filipinas, Japão, Malásia e Tailândia, representando uma das maiores indústrias da economia local. O território beneficiou então de uma lei portuguesa que permitia a livre circulação de bens produzidos nas províncias portuguesas. Ainda hoje se pode atestar os tempos áureos do fabrico de fósforos através das etiquetas: Grupo Desportivo de Lourenço Marques, Best Safety Matches, Minerva Central, Fósforos Amorfos Justiça, Pachecos/Luanda, Silvana/Benguela, entre outros, em que surge impressa a expressão “Fabricado em Macau” ou “Made in Macau”.
Com a chegada do Japão ao mercado e o surgimento do isqueiro a chama desta indústria extinguiu-se para sempre.
Algumas das fábricas /marcas de fósforos​ existentes em Macau: Cheong Ming/Meng (Rua da Alegria, 101) imagem acima; Tung Hing (Estrada Coelho do Amaral); Tai Kuong/Kwong (Rua da Alegria, 27 e 45); Tai Tung Cheong Kee; Hong Kong Match Factory; Hong Kong Tong Kei Fo Chai Cheong (Rua Marginal do Canal das Hortas, 2-4); Man Kuoc Fo Chai Cong Si/Man Koc (Ilha Verde); Tai Kuong Leong Kei (Av. Almirante Lacerda, s/n); Tai Li, Man Kuok (Kock); Tung Hing Fok Kei; Lien Yi Co Ltd; Hong Kong Match Factory Co. (Rua Marginal do Canal).
Artigo da autoria de João Botas publicado no JTM de 6.11.2014
The matches industry flourished in the 1920s but saw a decline in the 1970s in Macao. The fifty years history, though transient, marked the production of matches recognised as the best in the Far East. In addition to catering for the needs of the local market, Macao supplied Hong Kong, the Chinese mainland, Southeast Asia, Europe and America.


1 comentário:

  1. What an amazing account of an important era in the history of Macau. Great research and very good presentation. Congratulations to the writer!

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