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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Museu Luís de Camões por L. Gonzaga Gomes

“O Museu Luís de Camões é assim denominado por se encontrar situado no Jardim da Gruta de Camões, decerto um dos mais aprazíveis locais de Macau. Está instalado em vetusto palacete, um dos raros exemplos de construção arquitectural dos meados do século XVIII, que sobrevive ao camartelo inexorável do incessante progresso.
Foi dono, tanto deste edifício como do amplo parque que o rodeia, o abastado negociante, Manuel Pereira, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real do Conselho de Sua Majestade, Conselheiro da Fazenda, Comendador das Ordens de Cristo e da Senhora da Conceição de Vila Viçosa, um dos fundadores da Casa de Seguros de Macau e seus Vice-presidente e Tesoureiro. Tendo-se radicado nesta cidade, aqui constituiu família, casando três vezes e aqui faleceu em 10 de Março de 1826, tendo sido sepultado na igreja do extinto Convento, hoje Quartel de S. Francisco.
Entretanto, como os chineses não consentiam a estadia permanente dos comerciantes estrangeiros, nem dos seus barcos, em Cantão, foi-lhes permitido, finda a época das transacções comerciais nesse porto, isto é, de Outubro a Março, domiciliarem-se em Macau, em moradias que os portugueses lhes alugavam, não obstante a terminante proibição em contrário do Vice-rei da Índia.
Tinha, assim, Manuel Pereira o seu palacete alugado à Companhia das Índias, inglesa, quando, em 1792, chegou a Macau Lorde George Macartney, primeiro embaixador enviado pelo Rei da Inglaterra à corte do Imperador K’in-Long (1736-1795 AD).
Servia o palacete de Manuel Pereira de residência ao Superintendente da Comissão Selecta da referida Companhia das Índias e, nas suas amplas salas luxuosamente mobiladas e com fina e requintada elegância, se aposentou o ilustre enviado de S. M. B. Jorge III, quando, em 1794, regressara, exausto e acrimonioso da corte do Filho do Céu, pelo acabrunhante desaire da sua gorada missão.
Lorde Amberts consumiu, também, merencoriamente, nas salas desse palacete, amargas horas de decepção, pois, infrutuosa foi, igualmente, a missão de que fora incumbido, em 1816, pelo mesmo Jorge III, junto de Ká-Heng (1796-1821). Ora, já em 1883, se aventara a ideia de se adquirir esse palacete para ali se instalar um museu colonial.
Em 1885, propuseram-se os jesuítas franceses comprar o palacete e o parque, para instalarem ali um sanatório. Embora o Comendador Lourenço Marques, que era, nessa ocasião, seu proprietário, por ser matrimoniado com a filha do Conselheiro Manuel Pereira, pudesse ter vendido o imóvel por belo preço, preferiu cedê-lo ao Estado, apenas por $30 000 patacas, ou seja metade da oferta proposta pelos jesuítas franceses. A transacção foi efectuada, no governo de Tomás da Rosa, e sancionada pelo, então, Ministro da Marinha e Ultramar, o escritor Manuel Pinheiro Chagas, evitando-se destarte a consumação de um sacrilégio que a História não teria perdoado, porquanto, foi na chamada “gruta”, que encabeça um morrozito, transformado em edénico jardim pelos ingleses, seus arrendatários, que, segundo a tradição, Luís Vaz de Camões, o poeta máximo da Lusitanidade, se acolhia, fugido da materialidade mundanal e da afanosa veniaga que ia pelo incipiente burgo para, solitário e meditabundo, se entregar à evocação das esplendorosas gestas nacionais, fixando-as em imperecíveis e rutilantes estrofes que vieram a constituir “Os Lusíadas”, a Bíblia sagrada da Pátria Portuguesa.
O palacete em questão sofreu, no seu interior, profundas modificações, devido às obras que houveram de se fazer, no decurso do tempo, para o adaptar às necessidades de diversos serviços que foram ali, subsequentemente, instalados: Depósito de Material de Guerra, Repartição das Obras Públicas, Repartição das Obras dos Portos, Imprensa Nacional, e, finalmente, após apropriados restauros, aberto ao público, em 25 de Setembro de 1960, em cerimónia integrada nas Comemorações Henriquinas. Tal como se encontra, presentemente, o Museu Luís de Camões compõe-se de um vestíbulo e onze salas”.
Luís Gonzaga Gomes, in "Boletim do Instituo Luís de Camões", Vol. VII, nº 3, Outono de 1973

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