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sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 de Abril de 1974


NM: capa das edições dos dias 26 e 27 de Abril de 1974

Em Macau, o dia 25 de Abril de 1974 amanheceu quente e húmido, “talvez com mais sol que o habitual”, recordam os contemporâneos. Rui de Mascarenhas “atracção nacional e vedeta internacional” era o homem do dia em Macau. Cantava no festival “Abril em Portugal” com o patrocínio do Hong Kong Hilton Hotel, British American Tobacco e Vinhos do Porto “Ferreirinha”. O serviço de cozinha “tipicamente portuguesa” mais o espectáculo custava 25 patacas - 105 escudos ao câmbio da altura.
“Os Segredos de um Vendedor de Porta à Porta" era, para maiores de 17 anos, o filme mais sugestivo dos quatro “teatros” que, em Macau, exibiam cinema em sessões quase contínuas. Os restantes filmes, todos de produção de Hong Kong, falavam de “O caso” e de “Quatro Verdadeiros Amigos”.
Os jornais do dia seguinte mostraram que o 25 de Abril foi um dia cheio de peripécias. O “Notícias de Macau” dava conta que uma interna de 16 anos, fugira do Asilo de S. Francisco Xavier das Irmãs Canossianas, em Mong Há, desconhecendo-se o seu paradeiro. Já o comerciante Lim Fu Shou queixava-se à PSP de lhe terem roubado o carro “Honda” e o recheio que consistia, segundo a queixa, “em 44 garrafas de vinho do porto, três de vinho “Rosé”, quatro de “Coca-Cola”, um transístor de marca “Phillips” e dois baldes de plástico.
Ho Yin ao centro discursando
A “Gazeta Macaense”, por outro lado destacava que o carro de outro comerciante, Luís Bonifácio Fão, não estava onde o tinha deixado na noite anterior e cautelosamente “presumia que tivesse sido furtado”.
O que os jornais não contavam era que em Portugal tinha havido um golpe de Estado, mas ninguém ficou admirado. As notícias nacionais e internacionais, aceites para publicação pela comissão de censura local, eram apenas as enviadas pela ANI e a Lusitânia e tinham mais de uma semana de atraso. Os responsáveis pelos dois jornais de língua portuguesa de Macau só muito mais tarde souberam que as agências não lhes tinham enviado trabalhos nesse dia.
Assim, o “Notícias de Macau” publicava um trabalho do “cronista parlamentar”, Haendel de Oliveira(1), datado de 17 de Abril, sobre o magno problema das “Transplantações-um problema técnica e moralmente delicado”, em que se elogiava que “pertinente observação se nos afigura ser a que ontem fez a deputada pelo Estado da Índia Drª Teresa Lobo (...) sobre transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas”(2).
Mas toda a gente já sabia o que se estava a passar. “Ao fim da tarde, a rádio de Hong Kong, que transmitia o noticiário da BBC, falou do golpe em Portugal” recordou o arquitecto José Maneiras, na altura já “do reviralho”, como então se dizia, ou mesmo o Comendador Morais Alves(3), das fileiras do regime, que recordou ainda que “foi o Pedrinho Lobo(4) que me avisou das notícias”.
José Maneiras diz que “as primeiras notícias foram confusas”. Falavam do controlo pelos golpistas do Terreiro do Paço, de que o Governo “estava em fuga”, mas também que “ainda havia bolsas de resistência nos quartéis”. Apressou-se a telefonar a outro “do contra” – o arquitecto Francisco Figueira(5) – mas este não acreditou às primeiras. E com boas razões.
Vizinha da grande China onde imperava Mao Tse-tung, a população portuguesa não sentia a “asfixia” do regime como em Portugal. A PIDE/DGS não existia, ainda que se soubesse de “uns bufos mais ou menos encartados”. A censura era feita pelo Gabinete do Governador mais por “inerência de funções”, embora também não houvesse nada para censurar pois a informação já vinha controlada de Lisboa.
Macau servia mesmo de “refúgio” para uns velhos republicanos (Damião Rodrigues(6) e Vivaldo da Rosa) ou recém-saídos das lutas estudantis como Neto Valente, Francisco Figueira, etc. Na pacatez que então se vivia, estes e mais uns tantos portugueses, naturais ou radicados em Macau, iam reunindo no café, falando do que se dizia e sabia da vida portuguesa e da governação local “tudo com muito cuidado”.
Nas Forças Armadas em serviço em Macau também sopravam “novos ventos” por força da vinda de oficiais mais novos. Rocha Vieira era então Chefe do Estado Maior do Quartel General e pela “província” encontravam-se os capitães Pinto Ferreira e Ghira, o 1º tenente Ramalho e os comandantes Guerra da Mata e Catarino Salgado.
Em 1974, os oposicionistas tinham ganho novo alento. Spínola publicara “Portugal e o Futuro” e era já indisfarçável a dissidência no interior do regime. José Maneiras, recém-regressado de Portugal, onde se licenciara em Arquitectura, trouxera as entrelinhas duns recortes dos jornais “República”, “Diário de Lisboa” e “Expresso” e a convicção de que “a coisa estava para breve”. Aumentaram os telefonemas para Lisboa que na altura podiam demorar cinco ou mais horas a efectivar-se.
Quando se soube do 16 de Março, os anti-situacionistas viram justificado o optimismo. A casa de Francisco Figueira (o “solteiro geográfico” do grupo) serviu então, de base, para se “viverem” as peripécias do “golpe das Caldas”, em longas noites passadas “a vodka e cigarros tentando apanhar a BBC ou a Voz da América”. Duas semanas depois, porém, o ânimo já tinha definhado. O regime parecia são como um pêro, os “golpistas tinham sido detidos ou transferidos e Spínola e Costa Gomes não davam de si”.
“Estava já tudo conformado e a 1 de Abril, resolvi pregar uma peta ao Figueira”, conta José Maneiras. Com o pano de fundo dos receios de um golpe de extrema-direita, “contei-lhe que tinha ouvido as notícias de um golpe em Portugal e tinha sido formado um novo Governo com o Rapazote(7) como presidente do Conselho, o Kaulza(8) para a Defesa e um outro “ultra” para o Ultramar. Relembra Maneiras que a reacção de Francisco Figueira foi tão violenta - “nunca mais ponho os pés em Portugal e vou-me embora de Macau” - que teve de lhe explicar que era “brincadeira do Dia das Mentiras”. Por isso quando, em 25 de Abril lhe contou o que estava a passar em Portugal, foi difícil fazê-lo acreditar que desta vez era a sério.
Edição da Gazeta Macaense de 27 de Abril 1974
GOVERNADOR FALA À PROVÍNCIA
O então Governador general Nobre de Carvalho, também estava confuso, pois os acontecimentos precipitavam-se a um ritmo e com um “conteúdo” a que a então “Província” não estava habituada. Já com muitos anos em Macau, Nobre de Carvalho acabara, a 23 de Abril de falar na sessão de abertura da Assembleia Legislativa, de que era, também presidente(9).
O Governador salientara, então que “vendavais procelosos fustigam a Nação portuguesa que continua a ser alvo de uma cabala internacional visando, em especial, a nossa política ultramarina acerca da qual se fazem afirmações falsas e caluniosas”.
Nobre de Carvalho prosseguiu que “o venerando Chefe do Estado Senhor Almirante Américo Thomaz, evidenciando, como sempre, o seu espírito firme e calmo continua dando ao País um alto exemplo de trabalho, dedicação e espírito de sacrifício” e que “sob a sua égide, prossegue o Governo Central, chefiado pelo Professor Marcello Caetano – esse clarividente estadista, homem de pensamento e acção – que atenta e devotadamente dirige a política geral do País, onde é já bem evidente a profunda transformação para melhor, operada em todos os sectores da vida nacional, como consequência de uma acentuada melhoria económica e da aceleração da politica social”.
Foi um discurso grande – o “Notícias de Macau” deu-lhe as primeiras páginas e interiores de três dias seguidos (com a mesma manchete, para não destoar), discurso que terá agradado muito à Assembleia pois o vogal Henrique de Senna Fernandes entendeu caber-lhe “em nome da Assembleia Legislativa, felicitar, em primeiro lugar, Vossa Excelência, Senhor Presidente, pelo realismo com que se referiu à hora grave que a Nação atravessa”.
Diz o “Notícias de Macau” que o orador, “certo de reflectir a vontade dos vogais daquela Assembleia”, propôs que fosse enviado ao ministro do Ultramar um telegrama onde se lhe solicita que “se digne transmitir Sua Excelência Presidente do Conselho Professor Doutor Marcello Caetano rendido preito respeitosa admiração grato reconhecimento desta Assembleia (...) e expressa seu inteiro apoio política ultramarina que define o rumo melhor serve superiores interesses nacionais e que impõe nesta hora grave país atravessa a maior coesão todos os portugueses”. O texto foi aprovado “por aclamação” e combinada nova reunião para dia 29.
SILÊNCIO NO PALÁCIO
Enquanto a informação portuguesa local “desconhecia” o que se passava em Portugal, as rádios e televisões de Hong Kong iam acrescentando pormenores, a partir de certa altura já com imagens dos acontecimentos. Aos olhos de todos era claro que o movimento vencera e que Spínola era a primeira figura de proa. “Abrimos o champagne, festejámos o fim do anterior regime, mas não ficámos muito convencidos de que alguma coisa iria mudar em Macau”, disse-nos um dos elementos do grupo anti-situacionista. A oficialidade mais nova - onde António de Spínola era “herói” - tentava levar o Governador Nobre de Carvalho a “ligar-se” ao novo regime, enquanto o então comandante militar, Mesquita Borges(10), o tentava convencer do contrário. O Governador hesitava. Pretendia que “a nova ordem política anunciada, salvo em alguns aspectos, em pouco irá afectar a vida político-administrativa desta terra”, e justificava que “em Macau, a excelente convivência e a mútua compreensão entre cidadãos de diferentes etnias, credos, ideologias e culturas já revelava à evidência uma forma de pensar e de viver, diferenciada, digamos assim, sob certos aspectos das restantes regiões do território nacional”.
A pressão, e as dúvidas, eram tantas que a 30 de Abril, decidiu-se a enviar um telegrama ao ministro do Ultramar a solicitar instruções. O ministro Rebello de Sousa(11) já não governava há quatro dias, mas os jornais de Macau ainda lhe atribuíram a resposta a informar Nobre de Carvalho sobre a sua manutenção no cargo. Possivelmente foi confusão. Como entre as primeiras leis da Junta de Salvação Nacional, a 29 de Abril se contava uma que exonerava “das suas funções os Governadores Gerais de Angola e Moçambique”, depreendia-se que o de Macau, entre outros, se mantinha. Assim se explica, aliás, que a 30 de Abril, Nobre de Carvalho agradecesse directamente a Spínola a confiança da Junta e lhe manifestasse o apoio.
PRIMEIRAS NOTÍCIAS SURGEM A 27
Finalmente nos jornais do dia 27 de Abril aparecem as primeiras notícias sobre o “Movimento das Forças Armadas”. Ainda visado pela Censura, o “Notícias de Macau” anunciava que “o General Spínola foi proclamado Chefe do Portugal Novo”, mas adiantava que “continua a aguardar-se a revelação dos nomes dos principais responsáveis pelo MFA e as declarações que então deverão ser feitas por aqueles sobre quem recairão as pesadas e honrosas responsabilidades de governar a Nação”. Comentava candidamente “que mudem os sistemas políticos será sempre secundário, pois o que importa é que os governantes de ontem, de hoje e de amanhã, sejam verdadeiros portugueses, pois isso é sobretudo e sobre todos o que interessa”. Só a importância desta notícia retirou a quarta parte do discurso do Governador para a parte debaixo do jornal. Ao lado, Dutra Faria, director executivo da ANI escreve sobre “Miterrand, o inquietante”, “o socialista que se apresenta como candidato das esquerdas, apoiado pelos comunistas”...
“GOLPE DE RINS” QUASE GENERALIZADO
No dia 29 de Abril, a Assembleia Legislativa de Macau dá um verdadeiro “golpe de rins” que nem todos aceitarão. Antes da Ordem do Dia, Nobre de Carvalho (depois de saber que se mantinha como Governador) afirma que “trata-se de uma oportunidade única aquela que agora é proporcionada a toda a Nação Portuguesa, graças à iniciativa de um punhado de cidadãos e oxalá o país compreenda a importância de tal facto e comprove, pelo seu espírito cívico, que merece uma remodelação da vida portuguesa uma nova ordem politica, nos moldes que foram anunciados pela Junta de Salvação Nacional”.
Na mesma sessão, o vogal Carlos Assumpção acentua o “indefectível fervor patriótico e a doação total à causa pública que animam os ilustres homens de armas que compõem a Junta”, o vogal Ho Yin(12) acha que a continuação do Governador Nobre de Carvalho é “motivo de júbilo para esta Província” e o vogal Humberto Rodrigues(13) destaca a presença na Junta de Salvação Nacional do general Jaime Silvério Marques, ex-Governador de Macau, o que é “motivo de grande júbilo e de fé e de esperança no novo regime de que em boa hora faz parte, designadamente no engrandecimento de Macau”.
José Maneiras, também vogal da Assembleia Legislativa, estava noutra. “Desafecto ao antigo regime, com o qual nunca me identifiquei ideologicamente e sem disso fazer segredo) conscientemente desenquadrado de todas as suas formações e estruturas politicas e sem me deixar seduzir por posições confortáveis que me poderiam advir, tudo a bem da coerência dos princípios que me norteiam (...) afirmo a minha adesão aos princípios estabelecidos para a edificação de um Portugal Novo, solidamente alicerçado nos mais sagrados ideais da democracia”, relata o “Notícias de Macau”.
E começa um discurso na Assembleia, lendo na íntegra o poema “No Meu País há uma Plavra Proibida" de Manuel Alegre, puxando “de uma folha de papel que clandestinamente guardava, com enternecido carinho”. A certa altura surge a ideia (as fontes não determinam por parte de quem) de enviar à Junta de Salvação Nacional um telegrama de apoio. A professora Graciette Batalha(14), vogal da Assembleia já falecida recusa-se a assinar. Em livro de memórias, publicado nos finais da década de 80, Graciette Batalha recorda a sua posição contra a incoerência de uma Assembleia que, uns dias antes, tinha enviado a Thomaz e Caetano, um telegrama de idêntico teor.
O Leal Senado de Macau, “como lídimo representante da população da cidade de Macau e atentas às suas honrosas e gloriosas tradições de lealdade à Pátria” e a Câmara Municipal das Ilhas enviaram moções de apoio “aos princípios e objectivos” da Junta, e, em especial, pela manutenção do Governador.
Nobre de Carvalho, mais descansado quanto ao seu futuro próximo, recebia D Duarte Pio de Bragança, príncipe da Beira, de passagem por Macau, e diversas individualidades, entre as quais o Intendente Pires Estrela “acompanhado de alguns funcionários mais categorizados dos serviços de Administração Civil”, segundo o “Notícias de Macau”.
NM: 3 Maio 1974
CDM NASCE NO “FAT SIU LAU”
Os desafectos do regime não estavam dispostos a deixar tudo na mesma. Às 18 horas de 30 de Abril, no restaurante “Fat Siu lau”, na popular “Rua da Felicidade” nascia o CDM – Centro Democrático de Macau, tendo com o fundadores “médicos, advogados, engenheiros, arquitectos, oficiais da Armada e do Exército, funcionários públicos e de instituições privadas”.
À reunião-jantar presidiu o Dr Vivaldo Eurico Modesto da Rosa que, segundo o relato da “Gazeta Macaense”, “historiou os antecedentes da revolução e condenou o regime do governo deposto e em termos entusiásticos e enérgicos manifestou a esperança que da referida revolução saísse uma sociedade mais digna e mais livre”.
Segundo o relato deste jornal – o evento passou só chegou ao “Notícias de Macau” a 3 de Maio – foi decidido enviar “um telegrama à Junta da Salvação Nacional e a um jornal de Lisboa, manifestando a adesão dos democratas portugueses de Macau aos correlegionários de Portugal”, eleita uma comissão coordenadora “para orientar as futuras reuniões e elaborar os estatutos da organização a criar” e sugerido pelo comandante Guerra da Mata “que nas próximas reuniões se convidassem senhoras que estivessem integradas no movimento democrático em Portugal”.
Publicado na revista Macau em Abril de 1994
Foram mais de três dezenas os fundadores do CDM. Das assinaturas dos telegramas ficaram para a história os nomes de Vivaldo da Rosa, José Fernandes, Martins Dias, Dias Brito, Manuel Gomes Eusébio, Herculano Estorninho, Damião Rodrigues, Adolfo Aboim, Roçadas Ramalho, Francisco Figueira, Jorge Saraiva Parracho, José Celestino Silva Maneiras, Palmiro Augusto Estorninho, Fernando Augusto Batalha da Silva, Geraldo Maria Lopes do Rosário, Jorge Neto Valente, Valdemar Gamaral Garcia, Augusto António Catarino Salgado, Armindo Costa, António Júlio Estácio, Mário Fernandes Ribeiro, António Manuel Vieira Pinto Ferreira, Anízio Rómulo Luiz, Manuel Palha Calado, Alfredo Ghira, António Vicente Gracias, Tarcísio Luz, e Francisco Arnaldo Mendes Joaquim Silvério Guerra Mata.
Nasceu assim a primeira Associação Cívica de Macau, que assinaria depois um protocolo de cooperação com o Partido Socialista que teve uma enorme importância na resolução de questões do funcionalismo públicos antes de 1999 e que ainda hoje se mantém. O CDM é hoje a única associação de cariz política devidamente registada na RAEM.

CENSURA ACABOU A 3 DE MAIO
A “Gazeta Macaense”, que tinha Leonel Borralho como principal animador (o director era o arquitecto Pereira Chan, mas apenas para cumprir a lei de Imprensa de então que obrigava a ter um licenciado como director) apercebeu-se que “Da Junta Militar, de 7, 3 estiveram em Macau" e como de Macau, então com jogadores integrados na selecção nacional portuguesa, resolveu mandar dois telegramas ao general Spínola.
Um a saudá-lo “nesta hora histórica e quando os hoquistas macaenses se integram na selecção nacional pela primeira vez” e outro pedindo a extensão a Macau da “abolição da censura prévia, dando como fiador sua integridade jornalista General Jaime Silvério Marques”.
Coincidência ou não, nesse mesmo dia, o major Henrique Lajes Ribeiro(15), na qualidade de chefe da Repartição do Gabinete do Governador reuniu com os directores e representantes dos jornais portugueses locais para “em nome de Sua Exª o Governador, como representante da Junta de Salvação Nacional, lhe dar conhecimento de que fora abolida nesta Província, a censura à Imprensa”.
Diz o “Notícias de Macau” que foi depois apresentada “uma comissão in loco” (sic) constituída por dois militares, o capitão-tenente Catarino Salgado e o capitão Estrela Soares. Assim, só a partir de 4 de Maio de 1974, os jornais portugueses de Macau deixaram de inserir o “Visado pela Censura”. Nesse dia são abundantes as notícias de Lisboa: dá-se conta do comício do 1º de Maio e da participação de Mário Soares e Álvaro Cunhal; do regresso do exílio de Fernando Piteira Santos e Manuel Alegre; da suspensão de sete funcionários da Emissora Nacional, entre os quais o Dr Clemente Rogeiro, presidente da Direcção vitalício; a custódia militar a que ficou confinado o ex-deputado Cazal Ribeiro; a mudança do nome do Ministério das Corporações para Ministério do Trabalho “por vontade dos sindicatos” e “tendo sido ocupadas as suas instalações pelo Exército”. Que a “Província” estava, apesar de tudo, muito longe de Portugal, prova-o essa edição do “Notícias de Macau” quando insere um trabalho de António Maria Zorro, director da ANI para o Ultramar subordinado ao título “a praga do esbanjamento” em que protestava contra o dinheiro gasto pela população no Entrudo. Vinha datada de Lisboa, Abril, 23, e foi a última peça da ANI a ser publicada em Macau...
*Este texto resulta de um trabalho inicialmente publicado pela “Tribuna de Macau” por ocasião da passagem do 20.º aniversário do 25 de Abril. O texto recebeu algumas notas explicativas sobre figuras menos conhecidas dos leitores que então não estavam em Macau, até porque já passaram várias décadas dos acontecimentos.
NOTAS
1. Nos meados dos anos 80 foi director do Gabinete de Comunicação Social de Macau no tempo do consulado Almeida e Costa;
2. A existência de um deputado pelo Estado da índia que tinha sido anexado pela União Indiana nos anos 60 era uma das ficções do regime anterior em Portugal;
3. O Comendador Morais Alves foi uma importante figura de Macau, onde desempenhou variadíssimos cargos com grande competência. A sua morte foi muito sentida nas variadas comunidades de Macau, onde gozava de grande prestígio;
4. Pedro Lobo foi uma figura da comunidade macaense com relevantes serviços na área da hotelaria e turismo;
5. Francisco Figueira haveria de ficar na história da vida pública de Macau pela defesa do património que nas décadas de 70 a 90 esteve “sob fogo” dos interesses dos promotores imobiliários;
6. Pai de José Manuel Rodrigues, advogado e actual presidente da APIM;
7. António Gonçalves Rapazote, foi ministro do Interior entre 1968 e 1973, responsável directo pela PIDE. Era considerado um dos “duros” do regime;
8. O general Kaulza de Arriaga ficou conhecido pelas campanhas militares em Moçambique. Era tido como um dos duros do regime desde que em 1961 contribuiu para desmontar o fracassado golpe de Estado de 1961;
9. Em 1974 já se chamava Assembleia Legislativa, mas não tem nada a ver com a AL criada pela Estatuto Orgânico de Macau. Tinha funções meramente consultivas e era composto por vogais escolhidos pelo Governador, que presidia;
10. Engenheiro. Mais tarde foi deputado eleito na Assembleia Legislativa;
11. Pai do ex-líder do PSD e actual comentador político Marcelo Rebelo de Sousa. Foi Governador Geral em Moçambique;
12. Pai de Edmund Ho, primeiro Chefe do Executivo da RAEM. Foi o líder da comunidade chinesa de Macau durante décadas;
13. Engenheiro. Responsável durante décadas pela firma H. Rodrigues que ainda hoje tem porta aberta na Nam Van, perto do BNU;
14. Docente do ensino secundário, Graciette Batalha foi a maior investigadora do “patuá”;
15. Nos anos 90 foi secretário-adjunto para a Segurança do Governador Rocha Vieira;
Artigo da autoria de José Rocha Dinis publicado no JTM de 25-4-2012

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