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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

José M. Braga (1897-1988): Jack Braga


António Aresta, docente e investigador, publicou a 14 de Abril de 2011 no Jornal Tribuna de Macau este texto sobre a vida e a obra de José Maria Braga que o pintor Fausto Sampio retratou (imagem de cima) em 1936 na sua passagem por Macau. 
Erudito e eclético investigador da história dos portugueses em Macau e no extremo-oriente, José Maria Braga (1897-1988), assinava Jack Braga, prestou incontáveis serviços à cultura portuguesa. Natural de Hong Kong, era um “homem de grande estatura, olhos claros e brilhantes”, oriundo de uma família de pioneiros do estabelecimento da colónia britânica, onde o seu pai tinha sido director do influente “Hong Kong Telegraph”.
José Maria Braga gostaria de ter sido médico. A sua filha Maria Braga recorda esse passado: “as lágrimas deslizaram-lhe pelo rosto abaixo e nunca mais se voltou a falar sobre isso. Tinha apenas 15 anos e tinha recebido há pouco os resultados do seu exame de aptidão – fora o melhor aluno em toda a colónia de Hong Kong. Os irmãos do Colégio de S. José vieram à sua residência e deram-lhe instruções para solicitar uma bolsa de estudo para ingressar na Escola Médica. O seu pai, o ilustre J.P.Braga, chegou a casa e ordenou-lhe para não fazer o requerimento, porque se esperava que ele começasse a trabalhar e a ajudar a família. Depois de tudo, era o filho mais velho de uma família de 13 crianças”.
A família retorna a Macau no início dos anos vinte, e José Maria Braga ingressa no Seminário de S. José, na qualidade de Professor. Aqui leccionou Inglês, Literatura Inglesa e Inglês Comercial, durante vários anos, aos jovens macaenses que alimentaram a diáspora comercial em Hong Kong, Cantão, Xangai, Banguecoque, Yokohama e Tóquio. Casou em Macau com Augusta Isabel Osório da Luz, em 1924.
A memória do Padre Manuel Teixeira é preciosa: “quando chegamos a Macau em 1924, era ele um jovem professor de 28 anos no Seminário de S. José, onde ensinava Inglês e Literatura Inglesa. O único historiador que então florescia era o Padre Régis Gervaix, nosso professor de Francês, no mesmo Seminário onde leccionava Braga. Mas Gervaix foi convidado pelo Governo Chinês para professor de literatura francesa na Universidade de Pequim, para onde partiu em 1925. Jack Braga, que já desde 1920 se interessava pela história de Macau, retomou a bandeira nas suas mãos e ergueu-a triunfante. Durante uma dezena de anos, foi ele o grande historiador desta terra, como o Padre Gervaix desde 1916. Os seus trabalhos publicados em inglês tornaram Macau muito conhecido no estrangeiro. Havia outro grande historiador: Era Montalto de Jesus, que já em 1902 publicara a sua obra magistral ‘Historic Macao’, que se esgotou rapidamente. Foi Jack Braga que o levou a publicar uma 2ª edição e tratou de todos os arranjos; mas, quando esta saiu em 1926, caiu o Carmo e a Trindade; o livro foi queimado junto ao Tanque do Mainato e o seu autor condenado pelo Tribunal, vindo a morrer na miséria. Ainda espera a sua reabilitação. Ficou de pé apenas Jack Braga”.

Jack Braga com a mulher
Colabora assiduamente na comunicação social deixando aí bem vincados os seus interesses pela história, sobretudo pela história de Macau. Deixou artigos e estudos assinados no Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, no Boletim do Instituto Português de Hong Kong, nos Arquivos de Macau, na revista Renascimento, no Notícias de Macau, no “Journal of Oriental Studies”, “The Macao Review” ou no “South China Morning Post”.
Dotado de uma infatigável curiosidade intelectual, como refere a sua filha Carolina Braga, “dedicava a maior parte do seu tempo livre à pesquisa histórica, depois do seu trabalho como gerente da Watco, uma empresa de fornecimento de água da China para uso em Macau. Trabalhava também nas actividades de importação e exportação”. Como consequência disso a sua obra é muito vasta, pelo que aponto alguns títulos: “Picturesque Macao”, 1926; “The Americans in Macao and South China”, 1930; “Early Medical Practice in Macao”, 1935; “A Biblioteca do Capitão C.R.Boxer”, 1938; “O Ínicio da Imprensa em Macau”, 1938; “Os Alvores da Impressão Xilográfica em Macau”, 1941; “Os Tesouros do Colégio de São Paulo”, 1942; “China Landfall: Jorge Álvares voyage to China”, 1955; “Macao: a short handbook”, 1963; “A Voz do Passado”, 1964; “O Ensino da Língua Portuguesa em Hong Kong”, 1969.
Na apresentação da obra de seu pai, José Pedro Braga, intitulada “The Portuguese in Hong Kong and China: their beginning, settlement and progress during one hundred years”, publicada no volume XII (1978), do Boletim do Instituto Luís de Camões, de Macau, (243 páginas), José Maria Braga escreveu o seguinte: “This is José Pedro Braga’s book. Nay, it it his tribute to his race, the Portuguese in China. ‘Our people’, he called them. None better than he knew the latent worth of these people. None better than he could tell of all that was best in them. None better than he understood their frailties”. Como se observa, o sentido da verdade está bem acima das emoções ou das conveniências.
do livro "short handbook"
Geoffrey Bonsall registou esta interessante particularidade para a história social e cultural de Macau: “durante a guerra do Pacífico, J. Braga e Robert Ho Tung viviam em Macau. Jack contou-me que quando Sir Robert regressou a Hong Kong após o termo do conflito, foi ele que o convenceu a legar a casa onde vivera em Macau para instalar a Biblioteca Sir Robert Ho Tung”. Um outro aspecto é revelador da sua generosidade: “estudiosos e escritores, como o versátil Austin Coates, utilizaram os seus livros e os seus conhecimentos. Muitos frequentaram a sua casa e consultaram a sua biblioteca no apartamento de Bonham Road onde a sua simpática mulher, Augusta, acolhia todos de bom grado”.
A faceta de bibliófilo merece uma nota breve.
A sua biblioteca particular estava recheada de verdadeiras preciosidades, entre livros, colecções de jornais e revistas, manuscritos, mapas, cartas, gravuras, fotografias ou pinturas. Tudo amorosamente coleccionado ao longo dos anos, por vezes em sadia competição com Charles Boxer, de quem era grande amigo.
Em 1966, na ressaca do maoísmo radical, que em Macau ficou celebrizado no 1-2-3, que trouxe grande instabilidade social e política, todo esse enorme e valiosíssimo acervo foi disputado por universidades e bibliotecas nacionais de diversos países. Acabou por ser adquirido pela Biblioteca Nacional da Austrália, a terra da família da sua mãe.
Nasceu, assim, “The Braga Collection in the National Library of Australia : The Portuguese in Asia and the Far East”, cujo Catálogo é o retrato cultural de José Maria Braga, um espírito eclético e com interesses pluridimensionais. Vale a pena folhear o Catálogo.Entre tantos espécimes valiosos registo os seguintes: uma edição de 1489, da “Cidade de Deus”, de Santo Agostinho; de Gabriel de Magalhães, a “New History of China”, de 1688; uma versão italiana, de 1682, do “Colóquio dos Simples” de Garcia de Orta.
Contam-se por centenas as monografias dedicadas à segunda guerra mundial, com especial ênfase sobre o expansionismo japonês.
A hemeroteca revela-se, também, muito importante: jornais de Macau (Voz de Macau; Macao Tribune; Notícias de Macau; União; Renascimento), jornais de Hong Kong (Hong Kong Telegraph; South China Morning Post; Sunday Examiner), jornais de Portugal (Comércio do Porto; Diário de Notícias; O Primeiro de Janeiro; O Século), e outros (O Portuguez na China; Anglo-Lusitano; The Asian Student; The China Mail).
Na colecção de pinturas, destaque para as obras de Smirnoff, Chinnery, Fausto Sampaio, Marciano Baptista, George West ou Charles Smith. E ainda, mapas antigos de Portugal, Macau, Hong Kong, Cantão, Nanquim e Pequim. Todo este manancial de informações é importante demais para ficar esquecido, subaproveitado ou para fazer esquecer o seu patrono.
Cemitério de S. Miguel por Smirnoff
No obituário que lhe dedicou o jornal de Hong Kong, “South China Morning Post”, são mencionadas algumas acções e facetas virtualmente desconhecidas: “enquanto esteve em Macau, J. Braga foi conselheiro não-oficial de vários governadores, especialmente no tocante às relações entre os governos de Macau e de Hong Kong. Foi correspondente da ‘Reuters’ e do ‘South China Morning Post’. É pouco conhecido o trabalho de J. Braga em prol dos Aliados durante a Guerra do Pacífico. Ele foi, em Macau, o oficial de ligação entre vários grupos dos Serviços Secretos, incluindo o do Governo chinês e o grupo de apoio ao Exército britânico. Foi ele quem organizou o correio clandestino que transportava mensagens vitais entre Hong Kong, Macau, Chung King e as estações radiofónicas dos Aliados instaladas atrás das linhas japonesas na China”. Uma fascinante história para ser esmiuçada com tempo.
Bem andou o governo de Macau, em 1993, através do Instituto Cultural de Macau, do Arquivo Histórico e da Biblioteca Central, ao promover uma homenagem a José Maria Braga, consubstanciada numa exposição biobibliográfica que esteve patente na Biblioteca do Leal Senado. Mas fica a sensação de que não terá feito tudo o que podia ou devia em tempo útil, sobretudo no plano simbólico. É, pois, inevitável a comparação com tudo quanto foi dispensado, e muito bem, a Charles Boxer.
José Maria Braga era académico correspondente, desde 1965, da Academia Internacional da Cultura Portuguesa. A coroa britânica condecorou-o em 1950, com o título de “Chevalier of the Order of Saint James of the Sward”. O governo português, a título póstumo, concedeu-lhe o título de Grande Oficial da Ordem do Infante D.Henrique.
Jack Braga padrinho de casamento em Macau em 1939.
Foto cedida por Candido Jorge Cuan (casamento dos seus pais)


1 comentário:

  1. Adorei saber mais sobre Jack Braga... E pensar que foi este homem que guardou "aquele" segredo toda a vida, da obra que a toda a minha família julgava perdida e que o João conseguiu recuperar...
    Cada dia que passa este blog desvenda "segredos de deuses", muitos parabéns e bem haja.

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