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quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Conservadores e liberais na toponímia

 Forte D. Maria
Sendo uma colónia portuguesa, ainda que a mais longínqua e mais esquecida do “Império”, Macau, como todas as outras não podia deixar de reflectir na sua toponímia as alterações do processo histórico da Metrópole. É por isso que as conturbações revolucionárias portuguesas, com maior ou menor atraso, não deixaram de se reflectir localmente. Sendo assim compreende-se inteiramente que D. João IV, o rei restaurador de Portugal tenha ficado perpetuado numa avenida, já que foi quem concedeu a Macau o título de lealdade que figurou no Senado da Câmara como divisa até 20 de Dezembro de 1999.
Forte D. Maria
Após a restauração de 1640, a primeira crise revolucionária portuguesa a afectar seriamente Macau foi a revolta liberal de 1820. Os ecos desta revolução fizeram-se sentir localmente dois anos depois com a aclamação de D. João VI primeiro e subsequentemente com a adopção dos princípios radicais dos revolucionários liberais do Porto que levaram a população macaense a destituir a vereação absolutista do Leal Senado elegendo em sua substituição representantes sintonizados com o novo espírito iluminista reinante na Metrópole na França e na América.
Consumado o golpe de estado local, as novas autoridades investidas pelos cidadãos eleitores prenderam o Ouvidor Miguel de Arriaga Brun da Silveira (magistrado cujos poderes extravasavam o âmbito dos tribunais, possuindo as competências de um secretário geral do governo e juntamente com este o governador nomeado pelo poder absolutista, José Gerónimo de Castro Cabral e Albuquerque, acabando deste modo com todos os símbolos do antigo regime e libertando a cidade do poder tutelar do vice rei de Goa que se entrepunha entre Macau e sua Alteza Real.
Consumado o golpe, Macau, durante um ano singrou independente do intermediário poder de Goa e também à revelia de Lisboa, onde a situação política se alterava de um modo demasiado rápido para que o correio marítimo, que então demorava quase meio ano a chegar fornece-se atempadamente conta das mudanças que se processavam na capital do Reino.
Foi assim que a ascensão de D. Miguel e o início da guerra civil ocorreram sem que os liberais macaenses se apercebessem das mudanças. A monarquia parlamentar era proclamada. Em seguida, D. Miguel reinstalava o poder absoluto, para logo Saldanha determinar pela força das armas o constitucionalismo radical, numa sucessão demasiado rápida para que Macau se apercebesse de que afinal a constituição de 1820 tinha sido Sol de pouca dura. O território soube-o apenas quando as tropas realistas comandadas por Garcês Palha (que mais tarde governaria a colónia) desembarcaram no cais da Fortaleza do Bom Parto. Rapidamente conquistaram os fortes, prenderam a vereação municipal que governava a cidade, repondo o Ouvidor. Queimaram a Abelha da China, semanário oficial do governo liberal proclamando D.Miguel como rei “legítimo” e reinstaurando a obediência ao Vice-Rei de Goa. De todo este transe, a história registou importantes páginas, destacando nomes de um e de outro campo, mas a toponímia (severo filtro) apenas conservou o nome do Ouvidor Arriaga, como único merecedor de se destacar do olvido. 
Quanto ao campo liberal quase nenhum nome ficou recordado. Apenas o cirurgião José de Almeida que escapou a tempo da reviravolta miguelista figura hoje na toponímia, ainda que não de Macau, mas de Singapura dando nome à “D`Almeida Street”.
O presidente liberal do Senado, Paulino Barbosa, ou o redactor da Abelha da China, Frei António de S. Gonçalo de Amarante não mereceram ser recordados. No campo oposto, o antigo governador Castro e Albuquerque, bem como o bispo Chacim (que viria a governar interinamente a colónia) foram também, obliterados, como se o juízo da história pretendesse manter equilibrados os pratos da balança política dos mortais, não ajuizando entre liberais e absolutistas.
De toda a convulsão macaense dos tempos do liberalismo salvou-se apenas o Ouvidor Arriaga, figura intrigante sobre a qual ainda hoje não é possível estabelecer com segurança se era realista ou liberal, conservador, ou progressista, magistrado impoluto, ou funcionário venal, embora se projecte indubitavelmente acima da discussão como figura ímpar da história local. Seja qual for o juízo que sobre ele se faça, ou, o veredicto que a investigação histórica venha a brandir, Arriaga foi um súbdito obediente de D. Maria II, soberana que se manteve acima das confusões históricas (como aliás competia a uma rainha). E se os condicionalismos políticos a não equipararam à dignidade de avenida, como o seu tetra-avô D. João IV, esta conquistou direito a uma rampa (ainda que sumida por detrás do bairro dos correios) e a um fortim, em granito de lei, ainda que hoje, longe de servir para a defesa contenha apenas os equipamentos radio-eléctricos que mantiveram Macau em comunicação com o mundo, albergando o Museu dos Correios e Telecomunicações. Bom destino.
Artigo da autoria de João Guedes, Jornalista e Investigador, publicado no JTM de 7-6-2011

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