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quarta-feira, 24 de abril de 2013

25 de Abril: o fim de uma era antiga

(...) À margem das diligências oficiais que referi a semana passada, um amplo grupo de democratas reunia-se, entretanto, no restaurante “Fat Siu Lau”, à rua da Felicidade, redigindo um telegrama emocionado por intermédio do “Jornal República” (um dos símbolos da luta republicana contra Salazar e Caetano), em jeito de carta aberta a todos os portugueses. Nele saudavam “o patriótico” movimento de 25 de Abril que pôs fim ao “período fascista”, celebrando também o facto de levarem a cabo a primeira reunião política livre dos últimos 40 anos em Macau.
Ao fim da noite, os 38 subscritores da missiva abandonavam por entre vivas e aclamações o restaurante de regresso a casa sem receio de terem cometido qualquer acto criminoso previsto e punido pelo “Código Penal”, nem serem presos pelos subordinados do agente Noronha que sob a cobertura da Polícia Judiciária dirigia de facto a “PIDE-DGS” em Macau comandando de facto, ainda que oficiosamente, os serviços de informações da PSP.
Mas, a reunião do “Fat Siu Lau”, apenas culminou um dia de conquistas democráticas. Nessa mesma tarde, o chefe de gabinete do Governador (Lajes Ribeiro), reunira no Palácio da Praia Grande os directores e representantes dos jornais, comunicando-lhes oficialmente o fim da censura. A partir desse momento os periódicos portugueses poderiam escrever livremente o que quisessem. Os jornais chineses não foram convocados pelo simples facto de nunca terem sido submetidos à censura. Lajes Ribeiro, fazia-o com agrado e genuína convicção tanto quanto posso avaliar das inúmeras conversas que com esse oficial (actualmente general reformado) pude manter bem como com pessoas de vários quadrantes políticos que com ele conviveram em diversas épocas.

Depois de numa primeira vez se ter recusado a integrar como vogal a comissão de censura, ao ser para o efeito convidado quando era ainda oficial da polícia, acabaria por se tornar presidente da mesma comissão alguns anos mais tarde por inerência do cargo, facto de que não se apercebera antes de aceitar o convite de Nobre de Carvalho para ser seu “Chefe de Gabinete”. Nem tinha que se aperceber, digo eu, tendo em conta que se vivia então num regime totalitário onde qualquer lugar, ou posto nas forças armadas, ou na função pública implicava aceitar implicitamente tudo quanto não só a lei ditava como a sua regulamentação obrigava. O discurso de Lajes Ribeiro ainda que sincero, não se traduziria em imediata liberdade já que meses depois o velho jornal “Notícias de Macau” acabaria por ser sancionado com uma coima de tal ordem por “excesso de liberdade de imprensa” que teve que encerrar portas.
San Ma Lou 1976. Foto Braun Bros
Na sequência da fundação do CDM, também as forças conservadoras locais se sentiram na necessidade de se agruparem fundando a Associação para a “Defesa dos Interesses de Macau, ADIM, liderada pelo antigo deputado à Câmara Corporativa Carlos Assumpção, forte personalidade que para além da comunidade portuguesa estendia a sua influência à sobrepujante comunidade chinesa. Ao contrário do CDM, não era a democratização da sociedade o principal objectivo da ADIM, mas sim a criação de um grupo de pressão capaz de lutar contra os receios de curto prazo de alguns sectores da população de que o processo de descolonização em curso pudesse ser de alguma forma apressadamente aplicado em Macau.
Com a formação da ADIM, ainda que exponencialmente mais conservadora do que o CDM acentuava-se a pressão no sentido da transformação das estruturas coloniais ancilosadas que Nobre de Carvalho, embora dizendo oficialmente aderir aos princípios da revolução dizia simultaneamente que “as alterações que podiam ser implementadas” não estava em condições de as fazer ele próprio.
Entretanto nos quartéis registava-se grande turbulência, reflectindo as mudanças de conceitos e de objectivos das forças armadas que punham termo à guerra do “Ultramar” e ocupavam vitoriosamente o poder político. Nesse contexto de indefinição o chefe de estado-maior (Rocha Viera) decidiu eximir-se a ser árbitro na situação local. Pediu licença militar (que foi aceite) e partiu para Lisboa a fim de verificar “in loco” quais eram os novos rumos dos ventos da política nacional. Rocha Vieira, curiosamente, mais tarde acabaria por regressar a Macau afirmando-se delegado do MFA (Movimento das Forças Armadas).
Nessa altura, no Território o comandante Salgado, Capitão dos Portos, dizia igualmente que o era antes dele e provavelmente teria razão. Porém à falta de documentos credíveis, vá lá saber-se quem era o verdadeiro delegado do “MFA” em Macau?... O que se sabe ao certo é que o comandante Salgado acabaria preso e recambiado para Portugal, enquanto Rocha Vieira regressava como secretário adjunto para as Obras Públicas do novo governador Garcia Leandro. Mas, na verdade as suas funções excediam largamente as Obras Públicas, já que na prática se perfilava como comandante operacional da pacificação do Território e da sua guarnição que se tinha esquerdizado em demasia conforme o próprio Rocha Vieira afirma. Independentemente de quem comandava oficial, ou oficiosamente o MFA em Macau a agitação social mantinha-se dentro de limites aceitáveis face aos novos tempos revolucionários que tinham surgido de supetão. Mas isto é o depois da história.
Antes Nobre de Carvalho aguardava indicações claras de Lisboa sobre qual a política a seguir e fazia saber (no limiar da sua própria reforma) que fosse qual fosse a evolução dos acontecimentos deixaria o território no final do mandato para que tinha sido nomeado, ou seja Outubro de 1974. Embora beneficiando ainda da simpatia de grande parte da população, simpatia que lhe advinha dos tempos conturbados do “1,2,3”, Nobre de Carvalho começava a tornar-se alvo cada vez mais exposto: “Grande parte da população não aceitava a sua continuação, sofrendo por isso uma grande contestação durante muitos meses”, recorda o general Garcia Leandro, que seria juntamente com o major Rebelo Gonçalves o primeiro a deslocar-se a Macau como enviado oficial do novo regime.
O próprio Nobre de Carvalho, por seu turno, ia mais longe preferindo usar o termo “revolução” a contestação: “Foi uma outra revolução, que houve, desta vez dentro da população portuguesa (chinesa não!) macaenses e outros europeus (o que quereria dizer com outros europeus?). Mas foi uma minoria que estou convencido - muitos já morreram - que no fundo se devem ter arrependido do que fizeram porque foi uma vergonha essa actuação”. Apesar destas amargas palavras, o velho general no entanto não chegaria a conhecer os verdadeiros tempos de agitação que se seguiriam em Macau após a sua resignação do cargo.
Artigo da autoria de João Guedes publicado no JTM de 3-5-2011

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