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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Fragmentos do Oriente

A macaense Alda Carvalho Ângelo (falecida em 2010) viveu cerca de 30 anos em Macau antes de partir rumo ao Brasil. Foi aí que em 1965 publicou o livro "Fragmentos do Oriente" (contos, viagens, culinária) e que dedicou-o à sua mãe Cândida Maria dos Remédios Carvalho, falecida em Macau em 14 de Janeiro desse ano.
Excerto
(...) Vamos, então, dar um passeiozinho pelo convés? – sugeri ao Leitor Amigo, meu companheiro de viagem, com quem eu palestrava desde a saída de Hong-Kong sobre a história de Macau. – Vamos! — me respondeu ele — Estou curioso por conhecer a terra, depois que teve a gentileza de me pôr a par de sua história.
O Sui Tai, como eu dizia, tinha diminuído a marcha, deixando entrever cada vez mais os contornos da cidade iluminada a luz elétrica, os globos elétricos projetando sua luz sobre as barracas de banho, denotando que os banhistas ficavam até bem tarde, a beira-mar, deleitando-se com a brisa marítima ou banhando-se na água,
- Venha ver a cidade. — convidei meu companheiro. – Venha! Olhe ai! Estamos passando pelo porto exterior.
- Como é linda a cidade assim de longe! - exclamou ele.
- Estamos, neste momento, na foz de dois rios. — expliquei.
- A cidade é, então, banhada por dois rios?
- Sim, ela está privilegiadamente situada no delta comum de dois rios: Chu-Kiang (rio de leste, ou rio da Pérola) e Si-Kiang (rio de Oeste). O Chu-Kiang é também chamado de Rio de Cantão. Macau está a oitenta milhas da cidade e porto de Cantão, a capital do Sul, a capital da grande província de Kwang-Tung.
- Macau é uma ilha?
- Não, ela é uma península. É  ligada por um pequeno istmo - o istmo da Porta do Cerco - ao distrito de Heóng-Sán (montanha aromática). E, como vê - apontei para as ilhas em volta - Macau é cercada de ilhas: a da Lapa, a da Taipa, a de Coloane e, mais ao sul, a de D. João e a de Vong-Kâm…
- E qual a população?
- Em 1950, isto é, segundo o censo do ano de 1950, a população era de 187.772 habitantes, sendo a maioria chinesa.
Nesse instante, o barco seguia em linha reta, paralelo à baía da praia grande, em toda sua extensão, tomando a direção da Avenida República, preparando-se para contornar a “meia laranja”.

Porto Interior. Década 1950. Foto de Lei Iok Tin
- Olhe aí a ermida da Penha! - chamei a atenção do meu companheiro. - A ermida da Penha está situada no cume da Colina da Barra. É aí que se encontra a imagem de Nossa Senhora da Penha, venerada ainda hoje como naqueles tempos pelos nossos primeiros navegadores. No sopé dessa mesma colina está o Pagode da Barra, freqüentado principalmente pela gente do mar (pescadores chineses), onde se venera uma das mais importantes divindades da China, a “Rainha do Céu”, a deusa A-Má, donde proveio o nome de Macau. - Leitor Amigo me escutava com interesse. - Não acha você, Leitor Amigo, curioso, como homens tão diferentes e de religiões tão opostas tenham escolhido o mesmo local para venerar cada qual seus santos preferidos?
- Curioso, sim.
- Você tem que conhecer a gruta da Penha. Tem que subir até ao alto da colina e de lá desfrutar os mais belos panoramas.
- Devo ir na parte da manhã ou da tarde?
- Na parte da manhã, você verá o maravilhoso nascer do sol, verá dezenas e dezenas de
barcos de pesca deslizarem-se suavemente por sobre as ondas, as velas desfraldadas, afastando-se do porto…
- E na parte da tarde?
- Na parte da tarde, verá outro maravilhoso panorama. O pôr do sol, o belíssimo pôr do sol macaense… os barcos de pesca, regressando para o porto, carregados de peixes de todos os tamanhos e feitios …
- Tenho que subir até lá…
- Mas agora vamos descer — atalhei — Vamos descer e preparar-nos para o desembarque. Já estamos chegando.
- Já?!
- Já!
De facto, o barco estava a poucos metros do cais, depois de passar pela Fortaleza da Barra, pela doca e rumado reto ao longo do Porto Interior. Dirigia-se lentamente para o ancoradouro.
Nesse instante, o relógio do salão batia dez horas. Meia hora depois, eu me despedia do Leitor Amigo.
- Magnífica viagem. — exclamou ele. — Inda nos encontraremos?
- Acho que sim. — respondi.
- Algo me diz que nossos caminhos não tardarão a se cruzar novamente… (...)

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