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domingo, 21 de outubro de 2012

Chineses Alfacinhas - parte 4

(continuação)
Angelina Chai terá sido das primeiras pessoas de etnia chinesa a nascer em Portugal, mais exactamente no Porto, em 1928. Os pais escolheram Portugal como destino no início dos anos 20. E hoje, ao cabo de 78 anos de vida, Angelina já tem alguma dificuldade em reconstituir o “puzzle” da vida dos seus ascendentes. Não fala chinês e só nos primeiros anos da década de oitenta do século passado teve oportunidade de ir à República Popular da China, integrada numa das primeiras excursões de portugueses àquele país, logo nos primórdios das novas políticas de abertura da China ao Mundo, promovidas por Deng Xiaoping.
De forma algo imprecisa, identifica a fuga à miséria e à turbulência política e social como as razões que trouxeram os seus pais até Portugal, país que, por ser um destino pouco escolhido, apresentaria a vantagem de ser mais acolhedor do que outros.
No entanto, a esta facilidade de aceitação não correspondia propriamente nenhuma política de apoio ou promoção da imigração no nosso país, talvez porque, na realidade, esses eram tempos em que Portugal não se apresentava como destino cobiçado para quem, por esse Mundo fora, procurava melhores condições de vida. Mas as linhas com que se cozem os destinos nem sempre obedecem à lei das probabilidades e a verdade é que foi nos anos vinte que se fixaram em Portugal algumas famílias chinesas, de que a Angelina Chai é descendente e testemunho vivo. A pequena dimensão dos grupos de imigrantes chineses, residentes em Lisboa e no Porto a partir dos anos vinte, foi certamente razão da tolerância que lhes permitiu fixarem-se, mas não terá deixado de constituir, por outro lado, fonte de isolamento sócio-cultural, só por si responsável pelas muitas dificuldades de subsistência que foram forçados a enfrentar, ultrapassadas a pulso e a muito longo prazo, em resultado de uma luta tenaz pela conquista de uma vida melhor.
Por isso, embora perdidas no tempo as razões da opção dos pais de Angelina Chai pela cidade do Porto, pode-se ter como certo que a escolha teve por fundamento essa constante busca de melhores condições de vida, eloquentemente confirmada, aliás, pelas suas memórias de infância que reconstituem sem hesitar o quadro das actividades a que os seus familiares se dedicavam: a venda ambulante de bijuterias, começada no Porto e que veio a ter continuidade em Lisboa, a partir de 1937, tinha Angelina já nove anos de idade.
Apesar de ter nascido em Portugal, Angelina viveu sempre a condição de membro de uma família exclusivamente chinesa, cujos laços étnico-culturais e de subsistência se prolongaram ainda pelo casamento com Yuan Wen Chai e nos cinco filhos que tiveram. Efectivamente, é só a partir desta segunda geração de descendentes que a plena integração cultural, familiar e linguística ocorre: como Angelina, os filhos nunca aprenderam a falar chinês mas acabaram todos por casar-se com portugueses, pelo que a sua ligação á cultura dos seus ascendentes pouco mais é do que uma memória ancestral ainda reflectida de forma evidente nos seus traços fisionómicos e vincada pela afirmação de continuidade de uma vocação de tradição familiar – a actividade comercial.
Os irmãos empresários e as gravatas do sucesso
Yuan Wen Chai, nascido nos arredores de Xangai em 1911, residia em Lisboa desde 1935. Antes vivera alguns anos de atribulações várias pela Europa, em conjunto com o seu irmão Yuan Y Hing, nascido em 1904. De facto, os irmãos Yuan emigraram originalmente para a Holanda, no início da década de 30, mas Y Hing esteve detido nesse país por permanência ilegal, o que levou ambos até Itália, mas aí também não se conseguiram fixar e Portugal foi o destino seguinte...
O percurso dos irmãos Yuan revela que, mesmo nos conturbados anos 30, na Europa da emergência de regimes totalitários que forjou as condições de emergência da Segunda Grande Guerra, a depauperada sociedade Portuguesa abriu as portas a alguns imigrantes chineses: compreensão para com a conjuntura política Chinesa, então a viver também uma profundíssima convulsão social e política (ocupação japonesa, guerra civil) e em consideração para com a delicadeza da situação da colónia portuguesa de Macau? Simples disponibilidade fundada na certeza de que ainda vinham longe tempos de imigração chinesa de vulto?
Fosse como fosse, depois de outros poucos indivíduos chineses, também aos irmãos Yuan foi consentida a fixação em Portugal e, nesses tempos, sair da China implicava não mais voltar (assim aconteceu também com outros dois irmãos mais novos da família Yuan: um, estabeleceu-se na Holanda, outra em França. Na verdade, de um total de sete irmãos, apenas três jamais deixariam a China).
Tal como a grande maioria dos imigrantes chineses em Portugal, os irmãos Yuan eram simpatizantes nacionalistas, partidários do Kuomintang de Chiang Kai Chek e a motivação para emigrar definiu-se no contexto de graves carências económicas e de turbulência política e social que abalava a China.
Na década seguinte, Chiang Kai Chek viria a gozar das boas simpatias do Governo de Lisboa, em consequência do que veio a ser instalado na capital portuguesa um consulado de Taiwan, com significativa influência entre a reduzida comunidade chinesa que gradualmente se vinha instalando no país. As boas relações de amizade que os irmãos Yuan estabeleceram com o Cônsul viriam a revelar-se proveitosas e Portugal, como país de acolhimento, viria a compensá-los - afinal acabariam por prosperar de forma imparável em Lisboa!
Y Hing e Wen Chai foram pioneiros do negócio de produção e venda ambulante de gravatas. Situados em Lisboa e no Porto, mas mantendo-se ligados por laços familiares e de amizade, trocaram o tipo de mercadoria — inicialmente negociavam com bijuterias — e começaram a vender gravatas de produção familiar. Angelina Chai ainda se recorda do dia em que, já na década de quarenta, o marido e o seu cunhado tomaram a iniciativa que viria a transformar as suas vidas: contribuindo cada um com a apreciável quantia de 10 mil escudos, deslocaram-se ao Porto, onde à época se concentrava praticamente toda a indústria têxtil portuguesa e, através de um intermediário, fizeram a primeira compra por grosso do tecido destinado ao corte e confecção das gravatas, mercadoria de um negócio de venda ambulante que se tornaria característico nas “baixas”de várias cidades do nosso país.
(continua...)

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