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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Primórdios da fotografia em Macau e na China

Mapa final séc. XVIII
O início da fotografia na China: Uma nova forma de representar Macau”. Foi esta o tema da conferência que o investigador Rogério Puga proferiu, no final de Setembro 2011, no âmbito do seminário permanente de estudos sobre Macau, da Universidade Nova de Lisboa, sobre a primeira fotografia capatada na China, representando a Baía da Praia Grande, e os efeitos políticos e culturais da nova representação do enclave. Que efeitos? “A fotografia ajudou a materializar uma imagem da identidade europeia” demarcando-a dos chineses e de outras culturas presentes no território, diz Puga nesta entrevista ao Hoje Macau. Hoje essas fotos constituem fontes essenciais para o conhecimento da história local e das relações com o exterior.


Como é que a primeira fotografia da China representa Macau? Como é que aconteceu?
A primeira tentativa (sem sucesso) de fotografar na China foi a do Dr. Richard Woosman (1815-1888) e do major George Alexander Malcom (1810-1888), o médico e o secretário de Sir Henry Pottinger, em Jiaoshan (Zhengjiang), nas proximidades do rio Yangtze, em Julho de 1842, portanto, já após a Guerra do Ópio. Até 1861 a fotografia na China foi feita quase exclusivamente por soldados, turistas, diplomatas, missionários e fotógrafos comerciais estrangeiros, havendo registos de poucos profissionais chineses activos na segunda metade do século XIX, um dos quais Lai Afong. Relativamente a Macau, em 1844 Jules Itier (1802-1877) viaja com a missão comercial francesa à Ásia e as suas fotos da China e de Macau são as mais antigas que se conhecem. Dos daguerreótipos de Itier sobreviveram cerca de quatro dezenas, de entre os quais alguns de Macau, onde Itier chega a 15 de Agosto de 1844 com duas máquinas de daguerreótipos na bagagem. Itier é então o primeiro fotógrafo a registar imagens do enclave, tendo também fotografado o tratado de paz sino-francês em 24 de Outubro de 1844 a bordo do navio L’Archimède em Whampoa.
Como podemos verificar através do diário do viajante francês, a Praia Grande é das primeiras vistas que ele tem de tem de Macau a 15 de Agosto de 1844 e fotografa-a amiúde. A 5 de Setembro, Itier descreve as duas tancareiras que o transportam à ilha da Lapa, tal como o templo de A-Má, junto do qual Itier desembarca no regresso da ilha, chamando-lhe templo dos rochedos. Os grupos de pessoas que pousavam para Itier em Macau teriam decerto que permanecer sentados ao sol (quanto mais forte melhor) durante cerca de 15-20 minutos, o que era desconfortável.
Que efeitos teve sobre o olhar dos europeus sobre os chineses ou vice-versa? Houve algumas repercussões políticas, por exemplo?
As imagens que Jules Itier e outros fotógrafo s como William P. Floyd registam são as mesmas que os artistas chineses e ocidentais, como Chinnery, pintavam e que também John Thomson (1837-1921)  capturaria e publicaria em Illustrations of China and Its People, que contém uma foto da Praia Grande tirada da colina da Penha. No início, os fotógrafos acompanhavam embaixadas, tendo-se alguns deles estabelecido gradualmente em Macau, Hong Kong ou em Xangai. As fotos revelam as preferências estéticas do fotógrafo, e embora a máquina fotográfica que, de início não era fácil de carregar, permitisse ao artista fotografar, rápida e comodamente, qualquer ângulo ou viela de Macau em comparação com o acto de pintar. Actualmente, a fotografia é estudada no âmbito de quase todos os ramos do Saber, bastando recordar nomes de disciplinas como Sociologia e Antropologia Visual, que exploram a sociedade e as interacções humanas com base na fotografia entendida como arte, técnica e (também) como performance. Do ponto de vista teórico, a fotografia é considerada, desde a sua invenção, uma arte e uma ciência intimamente relacionada com a realidade que representa, reclamando para si a exactidão e fidelidade à realidade que os clientes de George Chinnery também esperavam nos seus retratos. As fotografias de Macau de que nos ocupamos são obras de arte, exemplos pioneiros da história da fotografia na China e nos Estados Unidos da América e fontes pictóricas essenciais para o estudo da história da Macau Oitocentista. Quando essas fotos antigas começam a ser vistas como reflexo da herança e do património histórico o seu valor cultural, nacional e económico muda e passam a ser publicadas como testemunhos e imagens do passado em formato de postal ilustrado.
Era uma tecnologia só acessível aos europeus e por isso imagino que existisse um olhar dominante e colonial também sobre a figura do chinês?
Sim, a questão colonial está também presente, a forma de olhar ou ignorar o Outro, o ângulo de que se fotografa. As fotos do Peabody Essex Museum que apresentei quase não contemplam figurantes chineses. Tal como a arte chinesa para exportação veiculava estereótipos sobre a China, também a fotografia ajuda a construir e disseminar uma imagologia em torno dos locais representados, da geografia imaginária do império e da visualização desse espaço. O processo de recriação imaginária dos espaços imperiais é levado a cabo também através da fotografia. O desejo do público por fotos de locais (como Macau) e povos longínquos, já antes pintadas por artistas chineses e por Chinnery, recebem agora uma nova carga de autenticidade através daquilo a que poderíamos chamar ‘realismo neutral’ da objectiva da máquina fotográfica. A fotografia ajuda também a materializar uma imagem da identidade europeia por contraste ao aspecto do Outro, e a identidade chinesa por contraste às demais existentes em Macau, como a lusófona, a anglófona, a parse, a arménia, entre tantas outras. Gradualmente, fotógrafos chineses como Afong aprendem e  desenvolvem a arte de fotografar.
Farol da Guia antes do tufão de 1874
Que se retratava, sobretudo, nessa época?
As mesmas vistas que eram pintadas por artistas chineses e por George Chinnery, panoramas da cidade, como a Praia Grande, embora a fotografia permita agora captar momentos e práticas sociais e religiosas nao presents nos quadros de Macau.
Como é que de Macau a fotografia se estendeu ao resto da China?
A China Meridional é também fotografada por residentes estrangeiros e turistas que são fotógrafos amadores. No entanto, a Segunda Guerra do Ópio (1856-1860) traz à China uma nova vaga de fotógrafos para registar os conflitos bélicos e os seus efeitos sobretudo para a imprensa. O uso da fotografia generaliza-se, os estúdios comerciais passam a vender postais e fotos turísticas e os viajantes organizam álbuns de viagem como os que se encontram no PEM. Nas décadas de (18)60-70 vários fotógrafos estabelecem estúdios em Hong Kong e é provável que tivessem visitado e fotografado Macau, onde turistas e as elites ocidental e chinesa seriam potenciais clientes, nomeadamente o fotógrafo norte-americano Charles Leander Howard (1824-1903), o seu sócio Howard e o assistente Milton Miller, que adquiriria o estúdio por volta de 1861. Um dos fotógrafos de Hong Kong que visitou Macau e de quem nos foram cedidas pelo PEM seis fotografias de Macau é o britânico William Pryor Floyd, sobre quem pouco sabemos.
Excerto da entrevista de Carlos Picassinos a Rogério Miguel Puga publicada no HM de 10-10-2011

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