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sexta-feira, 29 de junho de 2012

Epidemia de peste bubónica em Macau: 1895

O que na Idade Média ficou conhecido por peste negra era nada mais nada menos que a peste bubónica. Há relatos desta peste em Portugal desde o século XIV. Um dos surtos, já no séc. XIX (Porto, 1899), terá tido origem em Macau atingida por um surto ca. 1894-85 oriundo de Hong Kong e Cantão.
José Gomes da Silva, médico chefe dos serviços de saúde e reitor do liceu elabora um relatório sobre a epidemia. Antes de reproduzir a introdução do mesmo, atente-se na descrição que este faz sobre as condições das habitações da população chinesa (a maioria) na época:
“Ninguém pode, sem ver, imaginar o que seja o interior dum casebre chinês em pleno coração dos bairros mais populosos. A promiscuidade de seres no quarto de dormir, em que o porco pernoita debaixo da cama do china; e as galinhas se empoleiram no dorso do porco; e o gato se anicha à cabeceira do dono; e o cão se estende do lado oposto ao do gato; e os ratos marinham livremente pelo catre ou se entregam a tropelias afrodisíacas no solo de terra mal batida; e as baratas, monstruosas e fétidas, voam elegante e arrojadamente naquela atmosfera que lhes é cara e vão com ímpeto bater às vezes no dorso do porco ou nas faces do china; quando não acontece que, em noites claras de verão, o china deixa as mulheres e os filhos deitados no solo com os animais e vem para o meio da rua contemplar, de barriga para o ar e perna traçada, a nesga azul do infinito limitada pelos beirais das casas fronteiras; esta promiscuidade dum homem chinês não há polícia sanitária que entre com ela”.
Excerto da introdução do relatório de J. Gomes da Silva sobre A epidemia de peste bubónica em Macau. Impresso na Typographia Mercantil em 1895.
Antes da epidemia (...). Corria normalmente o primeiro trimestre de 1894, quando em fins de março recebi uma carta particular do digno cônsul de Portugal em Cantão, D. Cinatti, convidando-me a ir alli observar uma doença excessivamente curiosa, que havia cerca de um mez grassava sob a forma epideraica em Cantáo e seus arredores, acomettendo exclusivamente os chinas... e os ratos. A doença, no dizer do illustrado funccionario, caracterisava-se principalmente por uma temperatura elevada, que ás vezes bastava a matar o doente, e pela manifestação de bubões no pesco- ço, na axilla ou nas verilhas, com pouca tendência á suppuração. Pouco depois, espalhavam-se também em Macau boatos de que a mortalidade subira sensivelmente na população chineza a visinha colónia de Hongkong, sendo a doença dominante uma espécie de febre typhoide, sob este nome diagnosticada pelos médicos inglezes, e produzindo uma percentagem de mortalidade pouco commum, ainda nas mais severas epidemias conhecidas. Era grave o assumpto era grave também a coincidência. Installada a epidemia, fosse ella qual fosse, em Hong Kong e Cantão, como isolar Macau daquelles dois portos, por onde esta cidade communíca normalmente com o resto do mundo?  Como substituir todos os elementos imprescindiveis de vida individual e commercial que estta colónia recebe daquellas duas cidades? 
Era grave; mas podia nâo ser exacto. Convinha verificar até que ponto a exactidão e a gravidade do facto existiam ; e n'esse sentido enviei o seguinte officio á secretaria geral do governo. ... A junta de saúde é d'opiniâo que por agora não ha medidas prophylacticas a tomar, para prevenir a invasao da cholera, que alguns jornaes chinezes suppoem grassar na visinha cidade de Cantão. Primeiro que tudo, por informações particulares, dignas para mim de toda a fé, consta-me que aepide- " mia a que se referem os jornaes chinezes não é o cholera-mor-bus; depois, quando o seja, as medidas repressivas da comunicação de Macau com Cantão serão absolutamente ineficazes, porque importam egual isolamento de Hong Kong, cujas communicações diárias com Cantão não foram ainda interrompidas. Ora, nas condições actuaes de Macau, esta colónia, isolada subitamente de Hong Kong e Cantão, ficaria isolada do resto do mundo e seria em pouco tempo forçada a postergar as medidas que neste sentido tivessem sido tomadas, para não morrer de fome e de inaniçâo. N'estas condições, parece á junta de saúde que o mais racional e prudente seria: 1.° obter informações officiaes da marcha, symptomas e mortalidade da epidemia, por intermédio do cônsul portuguez em Cantão ou pela ida alli de um facultativo do quadro, incumbido de verificar de visu a natureza da doença; 2.° tornar conhecida do publico de Macau a existência da epidemia em Cantão para que cada um tomasse as çautellas aconselhadas pela hygiene em tempos de epidemia. Infelizmente, o numero de médicos do quadro, já de si restricto e insuficiente, estava então reduzido pela morte do facultativo A. Costa Carvalho, víctima do cholera, a dois médicos em Timor e dois em Macau, incluindo o chefe do serviço de saúde, que se propunha ir estudar a doença dominante em Canão. S. ex. o governador achou portanto intempestiva a proposta por mim feita e mandou que a junta de saúde ficasse de atalaia, esperando as informações que s. ex. ia requisitar do cônsul de Portugal n'aquella cidade. (...)

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