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domingo, 15 de abril de 2012

Monsenhor Manuel Teixeira: centenário do nascimento

Monsenhor Manuel Teixeira (15 Abril 1912 - 15 Setembro 2003) foi uma figura inconfundível em Macau, um autêntico mito. Ao fim da tarde, com uma sotaina branca, barba patriarcal também branca, era vê-lo a cruzar a pé a Ponte Nobre de Carvalho para exercitar o físico e para melhor cogitar nos dilemas do Território, da sua história e das suas gentes. Ou em recepções , lançamento de livros , conferências e exposições de arte, o dom da ubiquidade parecia ser um atributo deste homem bom.
Homenagem em 1999. Quando lhe perguntavam a idade costumava responder que era mais velho que o seu conterrâneo de Freixo de Espada à Cinta, Jorge Álvares... o primeiro a 'aportar' na China em 1513.
Conservador, nacionalista, apaixonado pela História e pela vocação imperial de Portugal, o Padre Teixeira acumulou distinções e amizades, sem perder a coerência nas convicções, a rudeza fraterna de um transmontano de gema e a simplicidade no modo de ser e de estar.
Aportou a Macau no longínquo ano de 1924, a bordo do paquete “D’Artagnan”, para prosseguir estudos no Seminário de S.José. Tinha doze anos de idade esta criança que saiu de Freixo-de-Espada-à-Cinta, rumo à China, a Macau. Foi uma formidável aventura e só lamento não ter gravado a memorável descrição que lhe ouvi, a par de outras histórias com insinuantes cumplicidades, numa discreta tertúlia de amigos, acompanhado pela sua hospitaleira “água da Escócia”. Era um grande conversador.
Ordenado sacerdote por D.José da Costa Nunes, celebra a sua primeira missa em 1934, na Igreja de São Domingos. Foi o início de uma longa e multifacetada carreira religiosa. Fora de Macau, foi colocado como Superior e Vigário-Geral das Missões Portuguesas em Malaca e Singapura, entre 1946 e 1962.
Na pequena monografia dedicada ao Hotel Bela Vista, regista esta pequena recordação malaia : “um dia, no interior da Malásia, na cidade de Batu-Gajah (Elefante de Pedra) dava eu um dos meus passeios habituais de incorrigível ‘Johnny Walker’, quando um auto para ao meu lado e o ocupante me interpela :
- Onde mora ?
- Com o casal inglês Mr. e Mrs. John Hemphill.
- Não conheço. Qual é a sua pátria ?
- Portugal.
- ‘Alma minha gentil que te partiste’ ….e recita todo o soneto de Camões.
- Quem é o senhor ?
- O Governador da terra.
- Onde aprendeu português ?
- Em Macau, nos anos que lá passei como cadete a estudar chinês, hospedado no Hotel Boa Vista “.
Em paralelo com o seu múnus religioso emerge a sua paixão pela História.
Esquadrinhou de lés a lés a história de Macau e a história de presença de Portugal no extremo oriente, salvando fontes documentais, delineando biografias, acolhendo legados, reconstituindo documentos, recolhendo fotografias , entrevistando protagonistas ou acumulando um enorme epistolário.
A sua biblioteca era imensa, uma babel desordenada onde ele se movia com uma misteriosa ordem através de uma imaginária cartografia. Um livro que me ofereceu, “O Conde Benyowsky em Macau”, edição bilingue em português e em inglês, estava literalmente soterrado sob uma montanha de manuscritos e de folhas avulsas. Mas, sabia onde estava e localizou-o com facilidade.
A sua vida transbordou de trabalhos. Poderemos discordar da sua metodologia de investigação ou dos contornos ideológicos que imprimiu às narrativas, mas reconhecemos a grandeza e a indispensabilidade da obra que nos legou. Sem o labor do Padre Teixeira, o conhecimento de Macau seria mais pobre, mais imperfeito e mais lacunar. A dívida é imensa. Mas, como dizia Cícero, ‘ubi veritas’, onde está a verdade?
Edição de 1997 do ICM; a original é de 1978
Publicou cerca de 140 livros, alguns dos quais traduzidos em chinês, inglês e japonês. Artigos na comunicação social de Macau, e do estrangeiro, estima-se que ultrapassem os 4000. É um trabalho por fazer, o levantamento completo da bibliografia do Padre Manuel Teixeira.

Vale a pena recordar algumas das suas obras mais marcantes: “Macau e a sua Diocese”, 16 volumes, 1940-1979 ; “Os Militares em Macau”, 2ª ed., 1984 ; “Pagodes de Macau”, 1982 ; “Liceu de Macau”, 3ª ed., 1986 ; “Macau no Século XVIII”, 1984 ; “Japoneses em Macau”, 1985 ; “A Medicina em Macau”, 2 vols., 2ª ed., 1998.
Dirigiu importantes publicações, tais como o “Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau” , os “Arquivos de Macau” , o “Boletim do Instituto Luís de Camões” e manteve uma colaboração diária na imprensa de Macau, por exemplo, na “Gazeta Macaense” e no “Macau Hoje”, para referirmos apenas os mais recentes e que já só existem nas hemerotecas.
Era membro de várias agremiações tais como a Academia Portuguesa de História, a Academia de Marinha, a Sociedade de Geografia de Lisboa ou a Associação Internacional dos Historiadores da Ásia. Foi Professor no Seminário de S.José, na Escola Comercial Pedro Nolasco e no Liceu Nacional Infante D.Henrique. Da Universidade da Ásia Oriental , de Macau, recebeu um Doutoramento Honoris Causa. Ao longo dos anos foram-lhe outorgadas diversas distinções , Oficial da Ordem do Império Colonial , a Comenda da Ordem do Infante D.Henrique , a Medalha de Valor e a Grão-Cruz da Ordem Militar de S.Tiago de Espada.
Gostaria de recordar uma faceta pouco conhecida do Padre Teixeira. A Poesia. O Padre Teixeira escreveu imensa poesia. De feição vincadamente religiosa e apologética, a sua poesia retrata os anseios da missionação e do proselitismo num mundo que tinha deixado de existir depois da Conferência de Berlim. A poesia que ora apresentamos foi escrita em Dezembro de 1937 e foi publicada num número do “Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau”, do qual era director e editor, integralmente dedicado às Missões de Timor :
“Leitor amigo : atende e vê que a história
Das Missões de Timor é tal qual,
A teia de Penélope … Afinal ,
Tecer e destecer é lida inglória …
Taveiro planta a Cruz …. E esta vitória
Faz de Timor troféu de Portugal !
Avança a Fé … Mas que golpe liberal
Eclipsa, em trinta e quatro, tanta glória …
Medeiros surge alfim … e por Timor
O sangue e a vida dá heroicamente …
Novo tufão sepulta este fulgor,
E o céu se abisma em trevas de repente …
Hoje um novo astro, cheio de esplendor,
Refulge em D.José, qual Paulo ardente ! “
Há uma nítida ressonância ideológica, com a fé a dilatar e a purificar o império. Outros tempos e outros protagonistas de uma cosmovisão portuguesa que é anterior à monarquia constitucional, atravessou a República, o Estado Novo e terminou em 1974.
E nada melhor do que um Poeta, neste caso, António Manuel Couto Viana, para endereçar esta ‘Carta a Monsenhor Manuel Teixeira’, escrita em Maio de 1998 :
“Querido Monsenhor : 
Que saudades de si! 
Como o recordo em São José, sábio, a compor
A História de Macau que conheci !
Com a batina branca, a longa barba branca,
Vejo-o, pela cidade, em todo o lado :
A memória tão viva, a palavra tão franca,
Estimando e estimado.
Foi meu Mestre, escutei-o, com pasmo e com respeito :
E quanto me ensinou ! Sabia ?
Por seu ensino é que escrevi, do peito,
Macau em poesia.
Querido Monsenhor Manuel Teixeira :
Graças à sua obra, gloriosa já,
Mesmo depois da troca da bandeira,
Macau, a Portuguesa, ficará ! “
O seu auto-retrato foi por si fixado deste modo: “o homem é pó, a fama é fumo e o fim é cinza (…) só os meus livros permanecerão (…) e essa é a minha consolação”.
Fechou os olhos em 2003, com 91 anos, na Casa de Santa Marta, em Chaves.
Artigo da autoria de António Aresta publicado no JTM em 16-09-2010

1 comentário:

  1. eU PRIVEI COM ESTE Maravilhoso Homem.. Ele chamava-me ( A menina dos cabelos bonitos) eu tinha-os longos e bem compridos, as visitas que fiz no Hospital Conde SÃO Januário quando esteve internado,mas mesmo assim a escrever, e que ( desarrumaçao) naquele quarto.. ele DIZIA QUE QUANDO SAI-SE DO HOSPITAL QUE CASAVA COMIGO..tENHO MUITAS SAUDADES DELE E RECEBI A NOTICIA E FIQUEI BASTANTE PERTURBADA, POIS EU ADORAVA ESSE Homem..

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