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domingo, 12 de fevereiro de 2012

"Os Bispos de Portugal e do Império"

Um historiador da Universidade de Coimbra estudou a importância das nomeações de bispos para o reforço do poder dos reis portugueses. Até 1777 Macau era das menos desejadas Dioceses do Império. Os jesuítas ensombravam o poder dos bispos, que renunciavam com frequência.

Quem foram os bispos de Macau no período compreendido entre 1495 e 1777? E qual era a influência da Diocese local? O historiador José Pedro Paiva esteve ontem no Instituto Politécnico de Macau (IPM) para abordar o papel dos “bispos em Portugal e no Império”, que é também o título de um livro da sua autoria. O investigador do Centro de História da Sociedade e da Cultura da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra foi o primeiro dos três académicos que vão estar no IPM ao longo deste semestre lectivo, para participarem no Ciclo de Conferências da Universidade de Coimbra.
Criada em 1576, a Diocese de Macau tinha originalmente uma abrangência “gigantesca”, incluindo Macau (que começou por fazer parte da Diocese de Malaca), a China, o Japão e parte daquilo que hoje é o Vietname. Com o estabelecimento de outras Dioceses asiáticas (Funai, no Japão, e Nankin e Pequim, na China), Macau deixou de ter um alcance geográfico tão vasto, mas continuou a ser “pouco desejada” por parte dos candidatos a bispos. “Pouca gente queria ser bispo de Macau”, explicou o historiador da FLUC, que descreveu longos períodos em que “a sede esteve vacante”, ou seja, em que Macau não teve bispo designado. Do estudo dos bispos de Macau (no período até 1777) resulta que todos eles “tinham origem social modesta e nenhum é filho da nobreza”. Ao contrário dos bispos das principais Dioceses de então, os nomeados não eram oriundos do grande centro de poder (Lisboa), mas antes de aldeias portuguesas, tendo todos eles estudado teologia.
Outra característica identificada por José Pedro Paiva é que muitos resignaram ao seu cargo. “Não me lembro de nenhuma Diocese em que tenham havido tantas renúncias, tantos bispos a pedirem para se irem embora”, analisou. Enfrentando “grandes dificuldades em governarem o território”, foram muitos os que se desligaram, como reflecte um documento do arquivo da Universidade de Coimbra intitulado “Manifesto das causas que o bispo de Macao tem para renunciar, reduzidas a hum aso qual he não poder fazer a sua obrigação”. Nesta carta de meados do século XVIII, o bispo franciscano D. Hilário de Santa Rosa enumerava um rol de queixas, entre elas o facto de haver em Macau mais mulheres do que homens e muitos gentios [não convertidos]. “Como são todos pobres, buscam sobretudo o sustento comendo pecados”, expunha o prelado, que continuava dizendo que os populares “não sabem nem querem trabalhar”, dedicando-se antes “aos ócios”. O jogo já era então identificado como uma característica de Macau.
O investigador defende que, até ao período do Marquês de Pombal, as figuras mais importantes da presença do cristianismo em Macau não eram os bispos, mas antes os jesuítas: “O poder do bispo não era, sequer, comparável ao dos jesuítas. Basta olhar para a fachada da Igreja de São Paulo e para a fachada da Sé, que já não é a original, a original era ainda mais pobre.”
S. Lázaro (desde 1557)
José Pedro Paiva explicou a uma plateia composta por professores do IPM e por alunos do curso de tradução que a nomeação dos bispos “foi um processo central para a construção do Estado português desde o tempo de D. Manuel”. Isto porque os monarcas portugueses perceberam que a Igreja tinha uma grande influência junto da população, dispondo de uma organização territorial que praticamente chegava a todos os pontos do território e que era mais vasta do que a estrutura controlada pelo rei. Por outro lado, a Igreja tendeu a criar um sistema onde as noções de aceitação da ordem e das hierarquias eram decisivas.
S. Domingos (desde 1587)
“A monarquia percebeu que teria que dominar o sistema de nomeação dos bispos para que pudesse ter pessoas que estivessem às suas ordens. Isso foi assim na nação e no Império”, expôs o académico. Num contexto em que “a espada e a cruz andavam sempre juntas, com isso se amparando mutuamente e com isso reforçando o seu poder”, todos os bispos passaram a ser nomeados pelo rei a partir de 1505. As nomeações era confirmadas pelo Papa, que deu a sua anuência às mais de 680 nomeações episcopais estudadas por José Pedro Paiva até 1777. A única excepção aconteceu quando D. Manuel nomeou o seu filho D. Henrique para bispo, tinha o infante tinha apenas 12 anos.
Sto. Agostinho (desde 1586)
Depois de um período em que as nomeações eram feitas com maior informalidade, Roma começou a impor critérios mínimos. Assim, os nomeados passaram a ter que ser formados em cânones ou teologia e só eram aceites candidatos com mais de 35 anos. Os bispos não poderiam também ser filhos ilegítimos, ao contrário do que sucedia no século XVI, quando se deram casos de bispos que eram filhos e netos de outros bispos. Em suma, o conferencista do IPM considera que “o processo de escolha episcopal não tinha quase nada de religioso e era um processo eminentemente político”.
Artigo da autoria de Paulo Barbosa publicado no JTM de 9-2-2012

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