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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Bom ano / Happy New Year / 新年快樂 / 新年快乐

Frente ao Solmar em 1969 vendo-se ao fundo a estátua de Jorge Álvares
2011 foi um ano (com muito) para esquecer, mas o país deveria ter lembrado os 500 anos passados sobre a conquista de Malaca (1511) e o que significou esse período que durou até 1641. Foi dali que, por exemplo, Jorge Álvares aportou pela 1ª vez à costa chinesa (entre o que é hoje a zona que vai de Hong Kong a Cantão) em 1513 e surgiu mais tarde Macau.
Felizmente, apesar da distância e do abandono, a mais de 10 mil Km's quem lá mora não esquece as suas origens.
Para mim, sem memória...não há futuro. E é essa a razão de existir deste projecto. Bom ano!
O 'palácio' das Repartições (de 1951) numa fotografia de 1958
Jorge Álvares era escrivão da nau São João da Rumessa que faz a ligação comercial entre Cananor e Goa. Em 1513 encontra-se em Malaca, de onde parte como escrivão de um junco enviado à China por Rui de Brito Patalim, capitão de Malaca, numa parceria entre as autoridades portuguesas e o mercador quelim Nina Chatu. Jorge Álvares torna-se, deste modo, o primeiro português a atingir a China e a colocar um padrão português num porto chinês - Tamau, a cerca de 20 Km de Cantão. Nos anos seguintes, Jorge Álvares volta a realizar viagens à costa chinesa em 1517 e 1519 e torna-se tradutor. Durante a realização de uma nova viagem à China em 1521, Jorge Álvares adoece e morre em 8 de Julho desse ano. De acordo com João de Barros, é enterrado junto do padrão que erguera anos antes e onde já enterrara o seu filho.
A estátua que existe em Macau - da autoria do escultor Euclides Vaz - foi inaugurada a 16 de Setembro de 1954  na praça com o mesmo nome - ficando mesmo em frente ao edifício das "Repartições Públicas". Nesse dia o governador Marques Esparteiro justificou a inauguração com esta frase: "Portugal saldou uma dívida moral"... 
Em Freixo de Espada à Cinta (Portugal) existe uma outra estátua (do mesmo escultor) que a população de Macau ajudou a pagar.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Fortaleza do Monte: algumas curiosidades

Década 1950

Vista de cima a Fortaleza do Monte em Macau é uma estrutura militar em forma de trapézio irregular (quadrilátero com dois lados paralelos). Tem 11 esquinas. Concebida pelos jesuítas para defender a cidade, foi a primeira 'casa' do governador, prisão e depósito militar (seria desmilitarizada em 1976) e ainda albergou os serviços de meteorologia antes da actual função, a de museu. 
Mapa de 1637 onde é bem visível a Fortaleza do Monte e a sua localização estratégica

Tem várias particularidades mas uma delas destaca-se sobre as demais: os canhões apontam apenas na direcção do mar. Ou seja, não há artilharia apontada para a China continental. A presença portuguesa em Macau, ao contrário de outros pontos da expansão marítima europeia, foi sempre negociada e definida pela capacidade diplomática e não pela potência dos canhões. Curiosamente, o autor dos canhões, Manuel Tavares Bocarro, que chegou a Macau em 1625, vindo de Goa, também não construíu só canhões, fundiu, por exemplo, sinos de igrejas.
a fortaleza em imagens do séc. 19 (em cima o interior)

Construída entre 1617 e 1626, esta fortaleza, com uma superfície de cerca 2000 m2, tem a forma de um quadrilátero irregular, com bastiões em cada um dos cantos. No seu interior havia aquartelamentos, cisternas e armazéns capazes de resistir a um cerco de dois anos. Foi construída pelos Jesuítas de Chunambo sobre fundações de granito, com casernas de tijolo e suportes para canhões, sendo parte de um complexo que integrava o colégio e a Igreja de S. Paulo. O complexo do Monte não voltou a ser reparado depois que deixou de servir de residência do governador e que os jesuítas foram expulsos de Macau em 1762. Em 1831, os colégio dos jesuítas foi transformado em quartel e em 1835 um incêndio iniciado na cozinha destruiu os edifícios dentro do forte, o colégio e a igreja, excepto as paredas laterais, que foram ruindo e a grande fachada de pedra que ainda hoje se mantém.
Na década de 1870 muitos (todos?) dos canhões de Bocarro forma vendidos para sucata. No século 20 acentuou-se o uso da fortaleza para fins militares: albergou diversos contingentes, foi degredo (prisão) e serviu ainda de depósito de material de guerra. Em meados do século passado o único edifício existente pertenceu aos serviços de meteorologia que ali funcionaram durante vários anos até que em 1996 o governo decidiu instalar no forte o Museu de Macau.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Mário da Costa Lopo: 1909-1969

A quem tiver informações sobre este português que foi militar e 'zelador' do Leal Senado em Macau agradeço desde já. Nasceu em Lisboa (1909 ou 1910) e morreu em Macau em 1969. Aí casou e teve uma filha fruto de uma relação com uma chinesa. É esta filha que pouco ou nada sabe sobre o pai que pretende mais informações.
São só estes os dados que possuo. macauantigo@gmail.com
Obrigado!

Mapa: 1557

Mapa desenhado por Vicente Pacia - a partir de indicações de Jack M. Braga - do que seria a fisionomia de Macau na época do estabelecimento dos portugueses em Macau, 1557.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Um 'despedida' peculiar em 1862

"O tenente coronel Ivo Celestino Gomes d'Oliveira e suas filhas, estão de partida para Lisboa; e não permitttindo o pouco tempo da sua demora nesta Cidade, o despedirem se de todos os Cavalheiros e Familias porquem foram visitados: pedem desculpa de se servirem deste meio, não indo pessoalmente fazer as suas despedidas."
Publicado no Boletim do Governo em 1862

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Templo Na Tcha e Ruínas de S. Paulo

Na Tcha e Ruínas de S. Paulo... dois 'templos' vizinhos no centro de Macau: exemplo do encontro de culturas e coexistência pacífica de dois povos há quase cinco séculos.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

19 de Dezembro de 1999: discurso do governador

Discurso do governador Rocha Vieira a 19 de Dezembro de 1999 na "sessão cultural".
Hoje é um dia de esperança para Macau, um dia de afirmação e de orgulho para Portugal, um dia de festa para a República Popular da China.
Vivemos agora mais um acontecimento que se integra numa história longa de mais de quatro séculos, assumindo com honra tudo o que foi feito numa relação de cooperação, de entendimento e de amizade entre Portugal e a China nesta Cidade do Nome de Deus de Macau.
Recordando este longo percurso feito em comum, invoco todas as gerações que nesta terra viveram e trabalharam, todos os que aceitaram o fascínio da pérola do Oriente, todos os que souberam compreender a sua mensagem e que para sempre aqui deixaram as suas memórias, os seus traços, os seus sonhos, as suas obras.
Os primeiros portugueses que aqui chegaram, navegadores de mares desconhecidos, sentiam o que nos disse Fernando Pessoa
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei.
Todas as paisagens que vi através de janelas e vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
Ontem, como hoje e como amanhã, o que os portugueses navegadores sempre querem é a procura do entendimento, a vontade da cooperação, a construção do que é novo.
Como nos disse o poeta, iluminando o passado e o futuro
Éramos essencialmente navegadores e descobridores, e só derivada e corolariamente homens de conquista e de colonização. Antes de sermos imperialistas, já éramos universalistas."
Sempre fomos, como continuamos a ser, universalistas no nosso projecto de conhecer o mundo nas suas múltiplas direcções, nos seus muitos povos e nas suas várias culturas.
Sempre fomos, como continuamos a ser, construtores do futuro, respeitadores do que é humano, abertos ao que é diferente.
Hoje, em Macau, realiza-se Portugal.
Hoje é um dia de festa para a República Popular da China.
Mas também é a oportunidade para que todos os portugueses que alguma vez aqui viveram se unam na memória do que foi o primeiro encontro entre portugueses e chineses.
Nunca se encontrou tratado que formalizasse as responsabilidades por ambas as partes assumidas, mas a evidência da História de mais de quatro séculos define a verdade indesmentível que foi sempre única e especial a nossa relação
Quando a ousadia dos navegadores do extremo ocidental da Europa os trouxe até ao Grande Império do Meio não havia senão o desejo do encontro, a vontade do entendimento.
Não havia, não podia haver, confronto e hostilidade, vontade de domínio ou espírito colonial.
Só havia, só podia haver, a vontade de compreender as diferenças, fazendo delas a força da cooperação, criando a realidade singular, sem precedente nem comparação, que é Macau.
Hoje, a Cidade do Nome de Deus de Macau, que gerou dentro de si a Região Administrativa Especial de Macau, pode justamente orgulhar-se de ficar como o monumento vivo, multissecular, que transporta para sempre a memória do nosso primeiro encontro e o projecta no futuro distante.
Será o povo de Macau que conduzirá, a partir de agora, os seus destinos, com os seus sistemas político e judicial próprios, que lhe garantem a sua singularidade dentro da grande nação chinesa, preservando o seu modo de vida e os seus direitos essenciais, que os portugueses aqui deixam como testemunho cultural da sua presença.
Fica com as bases necessárias, nas infra-estruturas e nas organizações, para poder ser uma sólida e eficaz plataforma de cooperação com todas as regiões do mundo, especialmente com a Europa, contribuindo assim, com utilidade, para a modernização, desenvolvimento e abertura da China.
Ao desejar ao Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, Dr. Edmund Ho, e a todos os seus colaboradores, as maiores felicidades, peço para eles o que para mim pediria, que a fortuna e a virtude os acompanhem, para bem e felicidade de todos os que vivem em Macau.
Termino agora as minhas funções que exerci, por decisão do Senhor Presidente da República, de acordo com o meu sentido de dever, valorizando Macau e deixando abertas as perspectivas do futuro.
Posso dizer, como os navegadores portugueses, que "tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero".
Porque o mais que quero, como os primeiros portugueses que aqui chegaram, é que tudo possa permanecer mesmo quando tudo muda, pois esse é o verdadeiro sentido do entendimento e da cooperaçao, da amizade entre os povos e da mistura das culturas.
Despeço-me das gentes de Cidade do Nome de Deus de Macau, que admiro e respeito.
Parto com saudade.
Com a certeza
De ter deixado atrás parte de mim, E saudade de não ter saudade, Saudade dos tempos em que a tinha.
Saudade de Macau.
Saudade do seu futuro
Até sempre.
 

Transferência de soberania foi há 12 anos

A transição foi selada com um aperto de mão de oito segundos entre o Presidente da República Popular da China, Jiang Zemin, e o Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio.
Foto Image Solutions Limited Hong Kong
Discurso do Presidente da República, Jorge Sampaio na cerimónia de transferência de soberania:
Quando está prestes a cessar a administração portuguesa sobre Macau, é com orgulho que Portugal pode afirmar que mais de quatro séculos de encontro entre o Oriente e o Ocidente deixam aqui herança valiosa. Herança feita, nos bons e nos maus momentos, de criatividade e de dinamismo, de continuado espírito de tolerância e de sentido dos limites de cada tempo, foi ela construída com as gentes desta terra. É nelas, por isso, que confiamos, para responderem, com sucesso, aos desafios dos tempos novos. Não foi fácil chegar aqui, a este Oriente longínquo, quando os meios do tempo faziam da aproximação entre os dois extremos do nosso continente uma aventura que outros não ousaram. E não foi fácil ficar, pelas exigências de engenho e de adaptação que o confronto entre poderes e entre civilizações tão diferenciadas necessariamente comportava.
Mas tudo isso permitiu fazer História; e tanta, que o porto de abrigo onde chegámos, em quinhentos, e a que, a breve trecho, chamámos Cidade do Nome de Deus de Macau, é hoje, volvidos mais de quatrocentos e cinquenta anos, uma sociedade progressiva e dinâmica, portadora de um alto padrão de vida e fundada em exigentes valores pessoais e comunitários. Foi para que Macau, no quadro das novas realidades políticas de Portugal e da China, pudesse continuar a seguir esse percurso û e segui-lo com segurança û que a Declaração Conjunta Luso-Chinesa veio fixar o estatuto especial de autonomia, fundado no Estado de direito, com que o território vai entrar no próximo milénio. Mas se esse estatuto é uma garantia, selada pela palavra de dois Estados soberanos, e solenemente afirmada perante a comunidade internacional, constitui, também, um poderoso desafio a Macau e às suas gentes. A resposta dada honra os filhos desta terra e é para Portugal motivo de orgulho.
Minhas senhoras e meus senhores, A convivência de séculos fez de Macau uma realidade singular - na conformação e exercício dos poderes, no respeito pelos inalienáveis direitos das pessoas e das comunidades, no diálogo de culturas, na disciplina do comércio livre das coisas e dos serviços, na permanente abertura ao exterior, como terra de partida e de chegada de dois mundos, que aqui se foram encontrando e conhecendo. Manter essa singularidade, toda ela forjada na História, quando for outra a sua administração e outra a soberania em que se estruturou, exigia um cuidadoso reordenamento institucional, a que se procedeu, com êxito, durante o período de transição, aberto em 13 de Abril de 1987.
Foram árduos os trabalhos nele realizados: a ampliação e consolidação da autonomia político-administrativa do território e do seu aparelho judiciário; a localização da Administração; a edição, em português e em chinês, dos códigos disciplinadores da vida jurídica da comunidade, em versão, laboriosamente refeita, e que atendeu, como competia, às circunstâncias do tempo e do lugar; o estabelecimento de um sistema de infra-estruturas decisivo para o desenvolvimento económico do território e para garantia do seu futuro; a diversificação e fortalecimento das relações de Macau com o exterior, quer no quadro regional, quer com a União Europeia e com os Estados Unidos da América.
Com tudo isto se procurou assegurar as condições físicas e institucionais de preservação da maneira de viver de Macau após a transferência de poderes. Que fique claro, todavia, que se a administração portuguesa cessa, Portugal não parte. Fica apenas de modo diverso, para acompanhar Macau no seu percurso sob novos poderes de uma nova soberania. Antes de mais, através da comunidade portuguesa, que ao longo de séculos aqui nasceu, e a este chão se afeiçoou, e que, no cruzamento de civilizações, soube integrar e manter vivo o espírito humanista, e através dele se revelando pronta a contribuir para a resposta de Macau as desafios da modernidade. Depois, pela língua portuguesa, que continuará a ser aqui, por vontade de todos, instrumento de cultura e comunicação, na vida pública e privada, como língua oficial que também é.
De matriz portuguesa é, ainda, o direito que fica, com a importância que resulta de ser nele que se revelam, de forma mais imperativa, as concepções de vida da comunidade e o modo de as realizar, e, por isso, constitui a mais sólida garantia de preservação e expansão da identidade própria de Macau, tão exemplarmente expressa na sua maneira de viver.
A transferência de poderes muda as soberanias sobre os lugares, mas não destrói a sua História. E dela, partilham, por igual, Portugal e Macau. É em nome dela, e do que dela fica, que as instituições consulares e culturais portuguesas, estabelecidas com a dimensão e a dignidade patentes, acompanharão os tempos novos e neles intervirão, com escrupuloso respeito pelas esferas próprias. É, por isso, que o futuro Consulado-Geral de Portugal será, sem dúvida, a casa de todos os portugueses de Macau. Mas não só: ele será, também, o símbolo activo da permanente disponibilidade de Portugal para cooperar, com os novos poderes e com as gentes da terra, na preservação da identidade de Macau e da sua maneira de viver, e sinal do seu empenho em contribuir para o desenvolvimento do território e para a sua projecção exterior. Assim todos o queiram.
É em tudo isto que Portugal, partindo, fica; sem os atributos da soberania, é certo, mas com responsabilidades, firmadas na História, de manter com Macau o encontro de povos e de culturas que fez desta terra um paradigma singular. No quadro da Região Administrativa Especial, Macau será governado pelas gentes de Macau; no respeito pela sua História, sem dúvida, mas sobretudo com a convicção de que é nos direitos, liberdades e garantias dos seus habitantes, que sempre encontrará o mais forte esteio da identidade própria, esse modo de ser único que diferencia esta terra de todas as outras. Saiba Macau entender sempre que só nessa diferença fundará, de modo perene, a sua razão de ser.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Está a fechar-se um ciclo da História de Portugal. Cruzámos os mares das sete partidas, com os sucessos e as desventuras de quem ousa. Para chegarmos ao mundo desconhecido, "quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram, quantas noivas ficaram por casar", na expressão insubstituível de Pessoa. É bom que seja em Macau, onde se cumpre de modo tão exemplar o sentido universalista das Descobertas, que possa ser dita a palavra que apazigua e dá sentido à longa viagem que em cinco séculos empreendemos e aqui se completa - valeu a pena.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Bilhete de sorteio de Natal de 1958

... do Instituto Salesiano da Imaculada Conceição. Ir ao cinema dava prémios...

sábado, 17 de dezembro de 2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Representações de Macau no Diário de Viagem de Adolfo Loureiro

No próximo dia 6 de Janeiro, pelas 18 horas, na Universidade Nova de Lisboa, FCSH (av. de Berna, Lisboa) terá lugar mais um SPEM - Seminário Permanente de Estudos sobre Macau, desta feita sobre o diário de viagem Adolfo Loureiro (1883), a cargo da Mestre Anabela Leandro Santos, doutoranda em Estudos de Cultura (China), Universidade Católica, Investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura.
Adolfo Loureiro (1836-1911), engenheiro e militar de carreira, foi vice-presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa e autor de vários estudos sobre portos de Portugal, ilhas atlânticas e Macau. No Oriente, de Nápoles à China: diário de viagem (2 volumes, publicados pela Imprensa Nacional, 1896-1897 faz um relato da viagem que fez ao Oriente tendo passado por Singapura, Hong-Kong, Macau, Cantão e Batávia em 1883. Em Macau tem uma estrada com o seu nome. Fica entre a av. Sidónio Pais e a estrada Coelho do Amaral.
Na entrada relativa a 16 de Setembro de 1883, a propósito de uma visita ao bazar (na imagem cerca de 1900) em Macau:
"(...) entrámos no chamado "bazar chinês", bairro em parte modernamente construído, já com certa regularidade e asseio, e onde há um movimento e animação extraordinários. São ali as lojas dos objectos de proveniência da China, desde os bens sortidos armazéns e estâncias de fruta e de comestíveis até os panos, seda e ourivesaria. As ruas são limpas e alinhadas, mas estreitas. As casas, todas da mesma construção e feitio, com as lojas decoradas com grandes tabuletas douradas, onde se lêem sentenças e máximas chinas, e ornamentadas com flores e lanternas. O bulício e o burburinho são grandes e enorme a concorrência de homens e mulheres chinesas, vendo-se entre estas algumas de pés microscópios, andando dificilmente e abordoadas a um guarda-sol, conservando um difícil equilíbrio sobre aqueles pequenos pés calçados com sapatinhos de bonecas.
Havia por ali numerosas casa de jogo do fantan, que se distinguiam pela sua pintura verde e por grandes lanternas, tendo à entrada nichos e altares onde ardiam pivetes e velas, alumiando feios ídolos pintados com cores muito vivas em posições arrogantes e com dragões e feras impossíveis. As casas da lotaria de vae-seng, do pacapio e de outros jogos eram também muito frequentadas e distinguiam-se igualmente pelas grandes lanternas, tabuletas, flores e pinturas em quadros muito alongados e estreitos. É que o jogo de azar é o vício dominante do chinês e que da exploração desse vício tirámos nós o principal rendimento da colónia, arrematando o exclusivo de tais jogos. É este o caso do fim não justificar os meios..."
Nota: o espólio documental do Eng. Adolfo Loureiro (1836-1911) está na Biblioteca e Arquivo Histórico do MOPTC. É constituído por mais 500 espécies bibliográficas, cobrindo as áreas da engenharia civil e engenharia hidráulica, que para além das obras deste autor e 170 monografias de outros autores, inclui publicações periódicas onde se divulgavam as investigações em curso em áreas técnicas e científicas.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Natal em Macau

A noite desceu, manto violáceo manchado de nuvens a semi-ocultar uma lua baça quase em plenilúneo. Uma aragem mais fria do que tépida levanta golas e desperta abafos dos seus recantos rescendentes a cânfora. As eufórbias vermelhas, de grandes brácteas como penas de asas de fenix em vôo, oscilam numa cadência que a brisa embala. Pelo ar os acordes monótonos de instrumentos de corda e a voz lânguida duma cantatriz chinesa dobram a voz do vento em sons talvez só compreensíveis pelos Gênios.
Um vendilhão rasgou o lilás da fluorescência dos candeeiros que semeiam círculos pela rua enegrecida, apregoando jornais: - iat-pou! Um grupo barulhento, onde duas ou três raparigas de calças afusadas e reluzentes min-hap se confundem com outros tantos casacos ocidentais axadrezados, seguindo alguns homens de fatos de bom corte, passaram sobraçando malas sacos e embrulhos. Recém-chegados de Hong Kong, por certo chineses cristãos, vinham passar a consoada com a família de Macau. Três pivetes pintalgam de rubro cendrado a borda dum passeio. Vindo de longe adivinha-se o movimento da cidade afadigada nas últimas compras.
Lojas engalanadas e policrómicas nos seus vistosos ademanes de papel pejados de flores, de muitas flores artificiais de todos os tons, aliados à púrpura e aos estanhados a reflectir mil luzes. De quando em quando sobe no ar o som alegre do estralejar de panchões. Das casas européias alcançam a rua cheiros adocicados a frituras, a açúcar queimado e a azeite a ferver. Nas casas macaenses estão já prontos fartes coscorões e aluá, o famoso colchão do Menino Jesus com a sua mantazinha e a almofada. No forno cozem as empadas de garoupa desfiada, assadas nos pires, recheadas de ovo cozido, açafrão e pinhões de azeitonas chinesas. Sobre os velhos armários alinham-se laranjas de casca fina como pepitas de ouro a atrair felicidade e abastança. Tudo a postos para a consoada depois da Missa do Galo.
E eis que no meio daquela atmosfera de festa, atmosfera difusa que mais se sente em cada coração saudoso de uma infância passada em Portugal do que no ambiente que nos envolve, surge um velho alquebrado, comendo enquanto avança míseros restos de comida recém-lançada na sua tigela estalada e envelhecida de tantas vezes ser estendida à caridade de quem passa.
É um pobre. Esfrangalharam-se as vestes sem cor mas têm mil cores os farrapos que traz atados aqui e além. Dobrado sobre o peito avança vergado pela fome e pela miséria impiedosa. É já velho e doente para guiar triciclo ou trabalhar nas hortas. Fugiu da China há muito tempo. Recorda a sua Pátria com saudades e com terror. Onde estará a sua família? Dispersaram-se todos na altura da fuga. Foi o medo que os dispersou. Ele, o mais velho, o avô, conseguiu, um dia, chegar a Macau. O homem, como uma sombra avança pelo passeio. Pára aqui e espreita a greta de luz escoada duma porta. Ultrapassa os pivetes que ardem rua além e espera, ao frio, que outra porta se abra e mais alguns bagos de arroz caiam na sua tigela.
Estralejam mais panchões na noite sem luz. Ouve-se um riso distante. Num riquexó, empunhando grandes balões de cor e alguns brinquedos coloridos, passa uma criança sentada ao lado da mãe. Além, numa janela, vêem-se acender e apagar ritmicamente as luzes coloridas duma árvore de Natal em plástico, onde as pratas fazem brilhar neve nos flocos de algodão que nos recordam quadros da infância passada. Em breve os sinos virão repicar chamando os fiéis para a Missa do Galo, onde irão beijar mais ou menos devotamente a imagem em marfim do Deus-Menino. Nasceu Jesus, Hossana!
Véus pretos, trajos escuros, alguns casacos de peles vestidos pelas mulheres do Ocidente; min-hap de seda usados por algumas portuguesas de Macau, Igrejas plenas de luz, missais abertos, círios tremulantes.
Nasceu Jesus! Natal Bendito! Festeja-se o Rei dos Reis. O Pai dos humildes, o redentor da Humanidade. Caem algumas gotas duma chuva miudinha e fria e ouve-se o tilintar de alguns avôs em pobres tigelas que nos degraus das igrejas se estendem.
Excerto do livro da autoria de Ana Maria Amaro Aguarelas de Macau
Alua – Doce característico do Natal macaense feito com jagra, amêndoas, coco, pinhão chinês, farinha e manteiga. Poucas são já as doceiras locais que o sabem preparar
Min-hap – Casacos chineses em seda, acolchoados
Pinhões chineses -Amêndoas das sementes de azeitona chinesa (Canarium álbum Raeusch).
Nota: para recordar como era o Natal na versão de Henrique Senna Fernandes clicar aqui

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Novo livro de receitas

Vai se chamar simplesmente "O Livro de Receitas da Minha Tia/Mãe Albertina". Cíntia Conceição Serro é uma "grande cozinheira", cujos pratos aguçam o apetite do mais exigente comensal, descreve quem já provou os pitéus de Cíntia Serro. Agora, vão estar reunidas num único livro as receitas da mulher que criou Cíntia. No total, são 80 receitas, de pratos de carne, peixe, molhos e doces. "São cerca de 192 páginas apenas com receitas macaenses", garantiu a autora ao JTM. O livro, que está a ser preparado, deve estar pronto para ser publicado no primeiro trimestre de 2012 e conta com o apoio do Instituto Internacional de Macau.
Das receitas da tia, a autora apenas garante que teve de adaptar as medidas, por causa da mudança do sistema métrico. Para um "bom almoço de família", Cíntia Serro não hesita em destacar como prato principal porco balichão tamarinho. O balichão é um molho de camarão macaense.
Artigo publicado no JTM de 30-11-2011

domingo, 11 de dezembro de 2011

Organização, Descrição e Disponibilização da Informação das Forças Militares em Macau 1874-1978

Organização, Descrição e Disponibilização da Informação das Forças Militares em Macau 1874-1978, da autoria de José Joaquim da Cunha Roberto. A apresentação acontece dia 13 de Dezembro nas Caves Manuelinas do Museu Militar de Lisboa pelas 18 horas, frente à estação de Sta. Apolónia.
O presente livro (Dez. 2011) resulta de um projecto de mestrado em Ciências da Documentação e da Informação apresentado na Faculdade de Letras de Lisboa e trata de duas componentes importantes. Uma vertente histórica, importante para o conhecimento da Instituição Militar de Macau e uma vertente Arquivistica com propostas que visam a organização, digitalização, preservação e disponibilização da Informação dos fundos arquivisticos.

sábado, 10 de dezembro de 2011

"Macau: work in progress"

O fotojornalista David Hartung visitou Macau pela primeira vez há 22 anos e, depois de uma longa ausência voltou há seis anos. “Nem queria acreditar no que vi”, afirmou Hartung ao jornal HM. As mudanças estavam por toda a parte e o fotojornalista retratou-as: a transformação na economia, na sociedade, no estilo de vida... Para além de um exposição que pode ser vista no Clube Militar o seu trabalho pode ainda ser apreciado no livro “Macau: Work in Progress”. São 300 páginas e mais de 200 fotografias a cores e a preto e branco. "Documents the work I've done in Macau from 2006 - 2011" explicou David ao "Macau Antigo". E porque nas imagens que captou há muito de Macau de outros tempos, aqui ficam alguns exemplos.
Mark Keong has been making traditional Chinese garments for Macau residents for the past 40 years. Traditionally, small tailor shops such as his shop near Senado Square met the needs of local Macanese. Now, however, a visitor is more likely to see exclusive brand name shops touting expensive European styles that a traditional tailor shop. Photo and text by David Hartung

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Colecção "Missionários para o século XXI"


Mais dois volumes da colecção  "Missionários para o Século XXI" vão ser lançados na próxima 6ª feira, 9 do corrente, às 18 horas, no auditório do IIM em Macau. Depois de obras dedicadas aos padres Lancelote Rodrigues, Mário Acquistapace e Joaquim Angélico Guerra, seguem-se agora "P. Benjamim Videira Pires, Meu irmão", da autoria do Padre Francisco Videira Pires  e "Luigi Versiglia e Callisto Caravario - Mártires Salesianos na China", escrito pelo jornalista Luís Cunha.
Esta coleccção, que tem mais volumes em preparação, é uma homenagem do IIM aos missionários que contribuíram para a afirmação e consolidação de Macau e da sua singularidade. Quando foi lançada a colecção, a nota introdutória lembrou que "não podem cabalmente explicar-se a identidade de Macau e o factor cultural  que foi sua moção no decurso da História sem considerar a Diocese de Macau, os seus obreiros e legiões de servidores". A apresentação destas novas edições estará a cargo do padre Luís Sequeira, SJ.   

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Melo Egídio: 1922 - 2011

O ex-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) entre 1981 e 1984 e antigo governador de Macau general Melo Egídio faleceu esta madrugada (7 Dezembro) no Hospital Militar Principal, na Estrela, Lisboa, Portugal.
Nuno Viriato Tavares de Melo Egídio foi governador de Macau entre 28 de Novembro de 1979 e Junho de 1981 sucedendo ao general Garcia. Em Macau, Melo Egídio. Foi o primeiro a visitar a China depois de Portugal e aquele país terrem restabelecido as relações diplomáticas. Em Fevereiro de 1981, quando foi nomeado CEMGFA foi o primeiro que, depois do 25 de Abril a não ocupar simultaneamente um cargo de grande responsabilidade política, e que depois do 28 de Setembro não foi também Presidente da República. Nasveu a 18 de Fevereiro de 1922.

Melo Egídio na inauguração do Museu Luis de Camões em Macau. Foto de António Conceição Júnior. 
Esta última foto é de Marcial Alves (jornalista) que cumprimenta o governador na sua chegada a Macau.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Centenário da revolução chinesa de 1911

A partir do dia 15 de Dezembro está patente no Centro Científico e Cultural de Macau a exposição "Um século de grande transformação - 100 anos da revolução chinesa de 1911"
A mostra conta com a colaboração da Embaixada da República Popular da China em Portugal e pode ser vista na Rua da Junqueira, 30, em Lisboa.
A propósito, sugiro ainda o visionamento do filme "1911", protagonizado e realizado (em parceira com Zhang Li) por Jackie Chan. Chan faz de Huang Xing, especialista em guerras modernas que regressa do Japão, onde estudou, e encontra uma  China, sob o comando da dinastia Quing, dilacerada pela fome e por disputas de facções. Só lhe resta pegar nas armas e liderar os revoltosos contra o governo da imperatriz  e do seu filho de sete anos.
Huang Xing acaba por se tornar um dos fundadores da República da China, lutando ao lado de Sun Yat-sen, que se tornou o primeiro presidente. Huang seria nomeado o primeiro comandante-em-chefe das forças armadas chinesas.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O “1, 2, 3″: um episódio na primeira pessoa

A propósito dos 45 anos passados sobre os acontecimentos que ficaram conhecidos como "1-2-3"... Quase dois meses que abalaram Macau entre Novembro de 1966 e Janeiro de 1967 como se de uma verdadeiro tufão (na imagem em baixo numa foto de AJMN Silva em 1968) se tratasse.
O senhor Cheong, tem 42 anos de idade. É um pacato funcionário público que frequenta um curso de administração na Universidade de Macau. No entanto, a marca do ” Um, dois três”, ainda o afecta hoje, passados que são 26 anos. Por isso, prestando-se a contar-nos o que viveu nesses dias atribulados de Macau, pede-nos que o identifiquemos apenas pelo apelido. Fotografias? Nem pensar!… É que Cheong, viveu mais intensa e convictamente os acontecimentos de finais de 1966 do que outros, já que era, com apenas 14 anos de idade, um dos jovens guardas vermelhos da escola Hou Kong, quartel-general do maoismo e espelho exemplar da “Grande Revolução Cultural” da China em Macau.
O jovem Cheong, chegou ao Território com a família, em 1962, pouco depois de ter completado a instrução primária em Chongsham, localidade situada a cerca de 40 quilómetros das Portas do Cerco. De imediato ingressou na escola Hou Kong, onde completaria o curso dos liceus. “Nesse tempo, era directora da escola a senhora Tou Lam, mulher do senhor Wong, membro importante do PCC e também um dos dirigentes, na cidade, da luta contra os nacionalistas do Kwomintang”, recorda Cheong, acrescentando ” Registou-se um crescendo na doutrinação política dos alunos ao longo desses quatro anos. Este crescendo, atingiu o auge em 1966, data em que vieram mesmo para Macau, comissários políticos da China para o efeito. Passamos a ter uma hora semanal de doutrinação política que se somava às prelecções sobre a “Grande Revolução Cultural” feitas todos os dias pelos professores das diversas disciplinas. A matemática, a Geografia, ou a Física, tinham sempre, necessariamente alguma coisa a ver com os heróis da revolução, Mao Tsé Tung, Chu En-lai, Chu Té, ou Ye Jienying”.
Cheong, recorda o fervor sentido na altura (que hoje leva à conta da falta de experiência de adolescente): – ” Era como se se tratasse de uma equipa de futebol! Os alunos tinham que bater o adversário e o adversários eram os nacionalistas do Kwomintang liderados por Chiang Kai-shek e os colonialistas portugueses” (tout court, já que desconheciam por inteiro o nome de Salazar). Por isso foi com mágoa (hoje talvez com algum alívio) que, irremediavelmente atrasado, não conseguiu incorporar-se nos grupos de alunos e professores da sua escola, que no dia 3 de Dezembro de 1966 marcharam para o Palácio da Praia Grande, subiram ao primeiro andar do edifício, onde recitaram (junto à porta do gabinete do Governador) palavras de ordem revolucionárias, levantando bem alto nas mãos, o livrinho vermelho de Mao Tsé Tung. Cheong encontrava-se na embocadura da San Ma Lo (avenida Almeida Ribeiro), quando ouviu o boato que inflamou a cidade: “A polícia atacou os professores e alunos, atirando algumas crianças das janelas do primeiro andar!” Claro que nada disto correspondia à verdade (veio a sabê-lo depois), mas na altura o seu desejo foi correr mais depressa ainda para o palácio do governo para se certificar do propalado horror. Como ele milhares de chineses de todos os bairros da a cidade correram também. No entanto, foi impedido de o fazer pela multidão que chegara ante e se concentrava já no Largo do Leal Senado e pelas barreiras policiais que impediam o acesso à rua da Praia Grande.
Cheong misturado entre a multidão viu serem atiradas pedras contra os guardas enfileirados, protegidos por escudos, na Rua Central, enquanto estes respondiam lançando gazes lacrimogéneos que faziam as massas refluir e adensar o largo da edilidade. Sobre as cabeças, a estátua do coronel Mesquita, num brônzeo gesto, segurava a espada que lhe pendia da cintura semi-desembainhada. Dali não vinha perigo, mas era uma figura numa atitude nitidamente, de que se recorda bem.
Cheong, sabia de Mesquita, não através das aulas de história, mas das prelecções dos comissários políticos que o davam como inimigo da China e arquétipo do colonialismo português, juntamente com Ferreira do Amaral, também perpetuado em bronze sobre um alto pedestal em granito, à esquina do Porto Exterior, no largo onde ainda não havia o Hotel Lisboa.
A certa altura, observou a multidão no meio da qual estava mergulhado, desviando as atenções dos cordões de polícia e passando a concentrar-se na tarefa de tentar apear aquele símbolo “odiado”. Os esforços foram vãos durante certo tempo, até que alguns populares subindo ao pedestal, envolveram a estátua em cordas que prenderam a uma camioneta. Esta arrancou com esforço fazendo finalmente com que o metálico vulto se abatesse no solo da praça. A base granítica ficou vazia e as massas soltaram em coro um grito indistinto de vitória. “O colonialismo é um tigre de papel!”.
Consumado o acto simbólico Cheong, que tinha saído irremediavelmente atrasado, decidiu então regressar a casa. Nada mais havia a ver depois daquilo. Para além dos acontecimentos da tarde do dia 3 de Dezembro, o ex-guarda vermelho não recorda mais do que memórias esparsas e indirectas dos acontecimentos. À noite, ouviu através da “Rádio Vila Verde”, a voz de Ho Yin apelar à população chinesa para que se mantivesse nas suas casas cumprindo o recolher obrigatório instaurado nesse próprio dia pelo governador Nobre de Carvalho.
Nos dias subsequentes soube que 8 pessoas tinham sido mortas nas ruas. Depois, soube também que o governo português tinha pedido desculpas formais pelos acontecimentos e pago uma indemnização às vítimas. Cem, ou duzentas mil patacas? não se recorda bem. mas sabe que tal montante daria para comprar então, pelo menos dez apartamentos na cidade. Nos meses subsequentes, a escola Hou Kong foi perdendo lentamente o ânimo revolucionário. Os comissários políticos regressaram à China e as aulas retomaram a sua forma habitual alienando a formação política.
A duas décadas e meia de distância, Cheong admite que nada o movia, nem contra os nacionalistas do Kwomintang, nem contra os portugueses – os dois inimigos principais, segundo os comissários políticos da escola - mas sente ao mesmo tempo que, apesar da frustração por não ter estado presente no Palácio da Praia Grande na hora certa, os seus colegas contribuíram para que algo mudasse em Macau. No entanto, talvez nem tudo na boa direcção É que muita gente de dinheiro fugiu definitivamente para a Formosa, deixando apenas o marasmo económico e o governo ficou inadmissivelmente enfraquecido por muitos anos. Os Kaifong (associações de Moradores) chegaram a fazer serviço de polícia já que esta se encontrava moralmente debilitada. Mas, o que é certo, é que os mesmos (ou quase) que tinham liderado os tumultos de 1966, continuaram a manter as suas posições em Macau. Doze anos mais tarde, estariam também na primeira linha dos que denunciavam os excessos da revolução cultural, acompanhando a ascensão de Deng Xiaoping ao poder em 1978″.
Para Cheong, os acontecimentos de finais de 1966 resumiram-se de facto e apenas, ao produto dos efeitos provocados pelas obras de ampliação de uma pequena escola da Taipa. Os chineses, sublinha, tradicionalmente arreigados à supremacia do bem público sobre eventuais códigos, “não compreenderam os impedimentos legais de origem Ocidental que se opunham à obra, por isso foram para a guerra. Hoje numa altura em que a China caminha para o primado da lei, parece-me mais do que nunca importante reflectir sobre o Um, Dois Três”.
Foi assim que o ex-guarda vermelho adolescente, da escola Hou Kong, terminou o seu relato, olhando para o relógio. Estava atrasado para picar o ponto. Cheong consciente dos seus deveres de funcionário público tinha a consciência de que não se podia atrasar. Afinal os seus instintos contestatários já lá iam havia 28 anos!
Artigo da autoria de João Guedes publicado na Revista Macau Série II, 1994
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sábado, 3 de dezembro de 2011

Taipa e Coloane: início séc. XX








Estas imagens fazem parte do espólio do IICT e muitas delas podem ser encontradas neste catálogo - de 94 pp e tiragem de mil exemplares - de 1994 referente à exposição com o mesmo nome.