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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

19 de Dezembro de 1999: discurso do governador

Discurso do governador Rocha Vieira a 19 de Dezembro de 1999 na "sessão cultural".
Hoje é um dia de esperança para Macau, um dia de afirmação e de orgulho para Portugal, um dia de festa para a República Popular da China.
Vivemos agora mais um acontecimento que se integra numa história longa de mais de quatro séculos, assumindo com honra tudo o que foi feito numa relação de cooperação, de entendimento e de amizade entre Portugal e a China nesta Cidade do Nome de Deus de Macau.
Recordando este longo percurso feito em comum, invoco todas as gerações que nesta terra viveram e trabalharam, todos os que aceitaram o fascínio da pérola do Oriente, todos os que souberam compreender a sua mensagem e que para sempre aqui deixaram as suas memórias, os seus traços, os seus sonhos, as suas obras.
Os primeiros portugueses que aqui chegaram, navegadores de mares desconhecidos, sentiam o que nos disse Fernando Pessoa
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei.
Todas as paisagens que vi através de janelas e vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
Ontem, como hoje e como amanhã, o que os portugueses navegadores sempre querem é a procura do entendimento, a vontade da cooperação, a construção do que é novo.
Como nos disse o poeta, iluminando o passado e o futuro
Éramos essencialmente navegadores e descobridores, e só derivada e corolariamente homens de conquista e de colonização. Antes de sermos imperialistas, já éramos universalistas."
Sempre fomos, como continuamos a ser, universalistas no nosso projecto de conhecer o mundo nas suas múltiplas direcções, nos seus muitos povos e nas suas várias culturas.
Sempre fomos, como continuamos a ser, construtores do futuro, respeitadores do que é humano, abertos ao que é diferente.
Hoje, em Macau, realiza-se Portugal.
Hoje é um dia de festa para a República Popular da China.
Mas também é a oportunidade para que todos os portugueses que alguma vez aqui viveram se unam na memória do que foi o primeiro encontro entre portugueses e chineses.
Nunca se encontrou tratado que formalizasse as responsabilidades por ambas as partes assumidas, mas a evidência da História de mais de quatro séculos define a verdade indesmentível que foi sempre única e especial a nossa relação
Quando a ousadia dos navegadores do extremo ocidental da Europa os trouxe até ao Grande Império do Meio não havia senão o desejo do encontro, a vontade do entendimento.
Não havia, não podia haver, confronto e hostilidade, vontade de domínio ou espírito colonial.
Só havia, só podia haver, a vontade de compreender as diferenças, fazendo delas a força da cooperação, criando a realidade singular, sem precedente nem comparação, que é Macau.
Hoje, a Cidade do Nome de Deus de Macau, que gerou dentro de si a Região Administrativa Especial de Macau, pode justamente orgulhar-se de ficar como o monumento vivo, multissecular, que transporta para sempre a memória do nosso primeiro encontro e o projecta no futuro distante.
Será o povo de Macau que conduzirá, a partir de agora, os seus destinos, com os seus sistemas político e judicial próprios, que lhe garantem a sua singularidade dentro da grande nação chinesa, preservando o seu modo de vida e os seus direitos essenciais, que os portugueses aqui deixam como testemunho cultural da sua presença.
Fica com as bases necessárias, nas infra-estruturas e nas organizações, para poder ser uma sólida e eficaz plataforma de cooperação com todas as regiões do mundo, especialmente com a Europa, contribuindo assim, com utilidade, para a modernização, desenvolvimento e abertura da China.
Ao desejar ao Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, Dr. Edmund Ho, e a todos os seus colaboradores, as maiores felicidades, peço para eles o que para mim pediria, que a fortuna e a virtude os acompanhem, para bem e felicidade de todos os que vivem em Macau.
Termino agora as minhas funções que exerci, por decisão do Senhor Presidente da República, de acordo com o meu sentido de dever, valorizando Macau e deixando abertas as perspectivas do futuro.
Posso dizer, como os navegadores portugueses, que "tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero".
Porque o mais que quero, como os primeiros portugueses que aqui chegaram, é que tudo possa permanecer mesmo quando tudo muda, pois esse é o verdadeiro sentido do entendimento e da cooperaçao, da amizade entre os povos e da mistura das culturas.
Despeço-me das gentes de Cidade do Nome de Deus de Macau, que admiro e respeito.
Parto com saudade.
Com a certeza
De ter deixado atrás parte de mim, E saudade de não ter saudade, Saudade dos tempos em que a tinha.
Saudade de Macau.
Saudade do seu futuro
Até sempre.
 

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