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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O GEDEC em 1976

“O GEDEC pretende, com respeito mútuo e em plano de igualdade, desbravar com todas as forças cívicas que o desejem o caminho para um futuro melhor para Macau, definindo com elas objectivos, inventariando recursos, estabelecendo metas, estudando programas e propondo planos de acção.” Do programa de candidatura apresentado em 1976.
Concluído, no passado dia 26 de Julho, o processo de selecção do novo Chefe do Executivo e confirmada pelo Governo Central da RPC a escolha do Dr. Fernando Chui Sai On, candidato único, as atenções voltam-se para a designação dos Secretários do Governo, em torno da qual teremos mais algumas semanas de especulação, e para as eleições legislativas, com 16 listas participantes, que trarão certamente alguma animação política até nós, agitando um pouco a comunidade e lembrando-lhe as obrigações cívico-políticas e o direito de participar, não faltando, desta vez, opções para todos os gostos. Que ninguém diga, pois, que não tem em quem votar.

Quase num ápice, passaram já trinta e três anos desde as primeiras eleições para a Assembleia Legislativa de Macau. Enquanto se desenvolvia o processo de descolonização nos territórios portugueses de além-mar, na sequência da revolução de Abril de 1974, preparava-se serena e lucidamente um futuro diferente para este território. Publicado, em Fevereiro de 1976, o Estatuto Orgânico, com o valor de Lei Constitucional, no qual se empenhou decisivamente o Governador José Eduardo Garcia Leandro, abriu-se o caminho para um concorrido acto eleitoral em Junho desse ano. O número de eleitores não chegava a quatro mil e, mesmo assim, apareceram quatro listas concorrentes: duas associações cívicas, que já polarizavam a participação política desde o 25 de Abril – o Centro Democrático de Macau (CDM) e a Associação para a Defesa dos Interesses de Macau (ADIM), a que se juntaram duas comissões de candidatura, constituídas expressamente para as eleições, extinguindo-se, nos termos da lei eleitoral, após a sua realização – o Grupo Independente de Macau (GIMA) e o Grupo de Estudos para o Desenvolvimento Comunitário de Macau (GEDEC).
Um opúsculo publicado precisamente um ano após as eleições, com o título “GEDEC – a participação num acto cívico”, juntou os documentos mais relevantes então produzidos e fez uma síntese do que foi a intervenção desta comissão de candidatura no acto eleitoral. Era a lista mais jovem (a média das idades dos seus candidatos era de apenas 33 anos), em contraste com o CDM (41 anos), a ADIM (47 anos) e o GIMA (48 anos), estas três encabeçadas, respectivamente, por José Patrício Guterres, Carlos Assumpção e Leonel Borralho.
Acreditámos que a nossa lista representava mais uma alternativa oferecida ao eleitorado, mas estávamos longe de imaginar a dureza da campanha, com boatos que se inventaram e se multiplicaram, além de um jornal e um programa de rádio inteiramente contra nós, acusando, injuriando e insultando, com vista a desmoralizar os participantes, novos nestas lides, e desacreditar os propósitos e as intenções que presidiram à constituição do GEDEC. Então, como agora (nessa altura, talvez em maior número, mas hoje mais refinados), não faltavam escribas assanhados que queriam fazer acreditar que estávamos a mais, não nos assistindo o mesmo direito de participação activa na vida pública, provavelmente por recearem que, com o método de representação proporcional, a nossa lista pudesse, inevitavelmente, prejudicar os resultados de pelo menos duas das outras três. Estavam em disputa apenas seis lugares por sufrágio directo. Outros seis, por sufrágio indirecto, tinham listas únicas, cabendo ao Governador designar cinco deputados, após as eleições, perfazendo o total de 17.

Imagens retiradas do Boletim Oficial de Macau do ano de 1976

A campanha eleitoral do GEDEC
Marcada a data, congregaram-se vontades e os esforços convergiram na preparação de um programa de candidatura e na elaboração da lista, o que foi conseguido com um amplo consenso. O tempo era assaz escasso e o entusiasmo e as adesões surpreenderam-nos e animaram-nos. Distribuiram-se tarefas e multiplicaram-se as colaborações. Éramos algumas dezenas de quadros jovens, portugueses e chineses de Macau.
António do Serro, um dos nossos apoiantes mais eficazes, desenhou o símbolo do GEDEC, com o sol nascente, representando “o aparecimento de um novo grupo, interessado em contribuir com o seu esforço, o calor do seu entusiasmo, os seus conhecimentos e a sua vontade para ajudar a construir um Macau melhor”, e uma ponte, significando “um elo a unir o território e todos quantos estavam dispostos a lutar pela realização dos objectivos que permissem satisfazer os anseios e as necessidades das gentes de Macau, representando também o caminho do progresso, para um amanhã mais risonho para o território e para quantos nele viviam e arduamente trabalhavam”. Dele também foi o cartaz do GEDEC, a vermelho, preto e amarelo, com o apelo “VOTA GEDEC – a opção certa”, em português e chinês, e os nomes dos candidatos: Jorge Rangel, Philip Xavier, Alberto Rosa Nunes e Maria Edith da Silva.
Uma comissão financeira, presidida pelo nosso saudoso colega Américo Diogo Rodrigues Córdova, foi incumbida da angariação de fundos e, logo a seguir, redigimos e fizemos imprimir o boletim de campanha, de que saíram quatro números, através dos quais procurámos transmitir e explicar os aspectos fundamentais do nosso programa, com textos diversos e entrevistas feitas aos quatro candidatos, enquanto organizávamos o nosso programa radiofónico, utilizando os tempos de antena atribuídos através da Emissora de Radiodifusão de Macau e da Rádio Vila Verde. Improvisaram-se locutores e redactores e a força de vontade ajudou a vencer a inexperiência. Foram intervenientes nestes programas, além dos candidatos, os nossos colaboradores Hermann Castilho, Américo da Silva Leong Monteiro, Anabela Xavier Sales Ritchie, Cíntia Conceição do Serro, Irene Manhão Basílio e Alfredo Sales Ritchie. Para indicativo do programa, escolhemos o Hino da Alegria, da 9.ª Sinfonia de Beethoven, um verdadeiro poema e um magistral apelo à vida e à alegria, traduzindo a nossa disponibilidade para participarmos empenhadamente na construção do amanhã de Macau.
Uma sessão de esclarecimento no ginásio da Escola Comercial Pedro Nolasco, completamente lotado, foi o ponto alto da campanha. À entrada, jovens estudantes distribuiram exemplares do programa de candidatura e autocolantes com uma reprodução do cartaz do GEDEC. Ao som do Hino da Alegria, os candidatos e mandatários deram entrada no salão e, em breves e concisas palavras, explicaram os propósitos da candidatura, seguindo-se um animado debate com o público, terminando esta jornada cívica com prolongados aplausos de muitos dos que acorreram à sessão.
Não obstante os persistentes e demolidores ataques provenientes especialmente de uma das listas, ignorámo-los e optámos por fazer até ao fim uma campanha pela positiva e o resultado acabou por nos ser favorável.
Foram mandatários do GEDEC Américo Monteiro, Hermann Castilho e Rufino Ramos, representantes do GEDEC na Comissão Eleitoral Territorial Américo Diogo Córdova e Cíntia Conceição do Serro, delegados efectivos do GEDEC nas Assembleias de Voto José Maria Bártolo, Rufino Ramos, José Maria Basílio, e delegados suplentes Florinda Rosa da Silva Chan, António Augusto Carion, Frederico Marques Nolasco da Silva, Ana Maria Cunha Victal, Mário Madeira de Carvalho Gomes e Anabela Xavier Sales Ritchie.
Graças a todos eles e à activa participação de muitos outros colaboradores, o GEDEC, para surpresa e desconcerto dos seus opositores, foi a segunda lista mais votada.
Os candidatos e os deputados eleitos
Foram candidatos: Lista A – Centro Democrático de Macau (CDM) – José Patrício Guterres, Joaquim Jorge Perestrelo Neto Valente, José Celestino da Silva Maneiras, Maria de Lourdes Rodrigues de Senna Fernandes e Serpa, João Bosco Basto da Silva e Jorge Graça Pimentel da Costa e Silva; Lista B – Associação para a Defesa dos Interesses de Macau (ADIM) – Carlos Augusto Corrêa Paes d´Assumpção, Diamantino de Oliveira Ferreira, Susana Chou Vaz da Luz, aliás, Susana Chou, José da Conceição Noronha, José Marcos Batalha e Rui Hugo do Rosário; Lista C – Grupo de Estudos para o Desenvolvimento Comunitário de Macau (GEDEC) – Jorge Alberto da Conceição Hagedorn Rangel, Philip Xavier, Alberto Rosa Nunes e Maria Edith da Silva; Lista D – Grupo Independente de Macau (GIMA) – Leonel Melcíades dos Passos Borralho, Carlos Francisco da Rosa e Fernado Augusto de Jesus Nascimento.
Apurados os resultados algumas horas após o fecho das urnas, os candidatos eleitos foram os quatro primeiros da lista da ADIM, o primeiro da lista do GEDEC (2.ª lista mais votada) e o cabeça de lista do CDM (3.ª lista mais votada). O GIMA, que mais usou a agressividade verbal, não teve nenhum candidato eleito e a grande festa que tinha anunciado para essa noite foi cancelada. Também foram proclamados os candidatos eleitos por sufrágio indirecto, apresentados em listas únicas e votados pelas associações representativas dos diversos interesses: Ma Man Kei, Peter Pan e Lei Sai Weng (interesses de ordem económica), Lydia Ribeiro (de ordem moral), Francisco Xavier da Silva Rodrigues (de ordem cultural) e Chui Tak Kei (de ordem assistencial).
Como comissão de candidatura, o GEDEC concluiu a sua actividade com um alargado e animado encontro de convívio no Restaurante Riviera, edificado precisamente no local onde está agora o Hotel Grand Lapa (ex-Mandarin Oriental). Foi esse um tempo de grandes ilusões a incentivar uma geração macaense mais nova à participação política.
Artigo de Jorge Rangel, Presidente do Instituto Internacional de Macau, publicado no Jornal Tribuna de Macau em 2009.

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